Num mundo que pode parecer tão evoluído, continuamos com tanta desumanização – uma lente capitalista sobre todas as coisas e uma aposta científica muito focada na materialidade levou-nos, também, a um maior desprendimento dos valores universais da humanidade. É urgente reavivarmos este compromisso com o invisível e o coletivo, até porque – indiscutivelmente – estamos todos ligados.
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Não somos, propriamente, os senhores do planeta, mas tendemos a acreditar que sim. E ainda nos colocamos em patamares, em que uns e outros assumem importância conforme utilidade e poder, quando somos todos feitos da mesma matéria e estamos todos debaixo do mesmo céu. Pai Nosso que estais no Céu. O céu é de todos. Na prosperidade e na ruína, se olharmos para cima, podemos entender que somos filhos do mesmo mistério que é a vida. E, se apreciarmos o funcionamento do mundo pelo caleidoscópio dos valores universais, como o amor, a verdade, a justiça, a liberdade, a tolerância e a compaixão, é tão evidente que a experiência humana ganha mais sentido se nos comprometermos com um viver mais atento, partilhado e sustentável. Somos todos preciosos. Todos. Até os mais inimagináveis bichos. Sabemos, com confirmação científica, que atingimos uma certa dominância por sermos criaturas que tendem a colaborar umas com as outras, mas seríamos violentamente afetadas na nossa sobrevivência se as minhocas (e outros decompositores) sumissem deste chão. Mais: a grande natureza floresceria como nunca se nós, humanos, nos eclipsássemos do planeta, mas perderia diversidade se as minhocas, com a função divina de desfazer a matéria orgânica e produzir húmus (que melhora a fertilidade da terra), inexplicavelmente desaparecessem. Portanto, é hora de aceitarmos (com brio) que somos parte de uma engrenagem maior.
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Temos ainda outra confirmação científica: somos seres mortais, e tudo o que temos vindo a acumular materialmente fica neste território. Estudos em unidades paliativas listam os maiores arrependimentos humanos quando diante da morte: um deles, não ter dedicado mais tempo aos que amamos. É já muito claro que não somos as nossas coisas, mas os nossos laços e memórias. E é o amor (amar o outro como a nós mesmos) que nos faz cuidar, apreciar e potenciar os outros em volta. Precisamos, com urgência, de nos perguntarmos sobre as nossas intenções: não basta desejarmos abundância e sucesso se não tocarmos – profundamente – o mundo. E o mundo pode ser a nossa rua, o nosso berço, o mais abreviado jardim. Não importa tanto agir em grande, mas agir com propósito. E consistência. Se plantarmos árvores, como Sebastião Salgado (e a dedicada mulher Lélia), daremos sombra e abrigo a tantas criaturas e, seremos, depois, milagrosamente compensados com o canto dos pássaros e o perfume das flores. Assim com os outros humanos, com quem dividimos este entretanto de vida. Não aceitemos nos apreciar apenas como números estatísticos, mercadoria ou máquinas de produtividade. Os outros somos nós. Saibamos estender a mão, declamar um verso de esperança. Como disse Agostinho da Silva, sejamos um poeta à solta.
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“Se nada nos salva da morte, pelo menos que o amor nos salve da vida.” Javier Velaza
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Floresçamos. Juntos.
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