Recomeçar

«É necessário prestarmos maior atenção ao que ouvimos, para não escorregarmos» (Hb 2,1). Hoje, talvez mais do que nunca, isto é essencial, sobretudo face ao cenário das grandes incertezas em que vivemos. Pandemia ou não, não fiquemos com medo, nem desanimemos face ao que o amanhã nos reserva, pois Jesus já está no futuro à nossa espera sem reserva alguma.

Notícias de Viana
8 Out. 2020 4 mins
Recomeçar

Como é evidente, ninguém crê no que quer que seja, até que o viva com grande ânimo – tendo sempre boas motivações, boas resoluções e, depois, força para levar estas à prática de um modo evangelicamente fecundo. Só deste modo o que fizermos será benéfico para Deus, para a Igreja, e para o resto da Criação. Como tal, devemos viver, desde já, abraçados por um Senhor Jesus que nos coloca no seio de ternura de Deus-Pai.

Deus-Filho não incarnou, morreu e ressuscitou para fazer de quem quer que seja um cristão apático. Ele passou por tudo isso para converter cada ser humano num filho espiritual de Deus-Pai e, assim, poder aprazer-se na doce paternidade d’Este. Aquela paternidade que anda de mãos dadas com uns filhos capazes de, com intencionalidade e determinação, viver em missão pautada pelas escolhas messiânicas de Jesus. Escolhas essas feitas pelo Senhor aquando das tentações “pandémicas” no deserto e, depois, ditas igualmente nas bem-aventuranças, as quais são o mapa para uma vida verdadeiramente humana e cristã.

É já com imensa felicidade que a maioria dos batizados vai assumindo que não há vida cristã senão em forma de missão; mas talvez falte assumirmos que não faremos nada nessa missão, para a realização da qual Jesus instituiu a Sua Igreja, que seja melhor do que aquilo que nós próprios somos. Mais: e que não comunicaremos o que quer que seja se não o amarmos profundamente. Deixemo-nos, assim, apaixonar por Jesus, acolhendo, no nosso coração, o ardente fogo do amor que nos permitirá incendiar o Mundo com a misericórdia que sempre moveu ao Senhor e que cria a verdadeira fraternidade: a vivida entre os filhos espirituais de Deus.

Devemos, portanto, investir numa evangelização que não descure o recuperar o sentido da grandeza humana. A partir do momento em que nos começaram a sugerir a ideia de que éramos apenas uma poça de lama mais evoluída, passámos a não nos dar mais valor do que a qualquer lama numa poça. Mas a verdade é que nós somos infinitamente mais do que isso: somos uma presença habitada por uma Presença que é a luz da nossa vida; a força daquela obediência que liberta da busca ansiosa da conveniência, para, assim, aderirmos a uma vida de gratidão, perdão, adoração e serviço.

É imperativo que, como consequência do nosso amor, sejamos curiosos, criativos, aventureiros, ousados, pacientes, francos e humildes, para, dessa maneira, sermos portas para todos os que saíram da, ou nunca entraram na, Igreja. Esta pandemia talvez vá acelerar a descristianização da sociedade. Muitos crentes não praticantes, e ainda mais praticantes não crentes, sentirão a vontade de se afastar, mais e mais, daquela mãe que a Igreja é. Face a isto, insistamos em aceitar e, depois, comunicar aquele amor que, embora possamos não o merecer, está continuamente a ser vertido no nosso coração, inspirando-nos a tudo fazer para que tais pessoas se sintam, através do nosso acolhimento e amor, ainda e sempre amadas e acolhidas por Deus.

Talvez tudo isto possa parecer muito afastado da realidade de cada um de nós, e, dessa forma, igualmente muito afastado das famílias e comunidades de que fazemos parte. Mas essa perceção é um erro: tudo isso está bem perto de nós. Está à distância de uma oração sinceramente amorosa em que nos coloquemos, de modo consciente e fervoroso, na presença da Presença de Deus. Está à distância de, pelo frutificar em nós dos dons dos sacramentos, carregarmos com alegria a nossa cruz, compreendendo que este “carregar” não é senão entrar naquela generosidade amorosa que reconhece que cada pessoa tem um valor infinito para Deus, e que, assim, também o deveria ter para cada um de nós.

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