Marta Alves, a fotógrafa freelancer que quer preservar as tradições das suas gentes

Fotografia. Literatura. Música. Três artes que se completam no projeto documental de Marta Alves: “Ó gentes da minha terra”. Uma homenagem às mulheres e homens da sua aldeia que ainda permanecem agarrados a práticas antigas, para que não sejam esquecidas. A avó foi, e é, a sua inspiração.

Micaela Barbosa
21 Jul. 2023 5 mins
Marta Alves, a fotógrafa freelancer que quer preservar as tradições das suas gentes

Tem 29 anos e, apesar de viver em Matosinhos (Porto), mantém uma ligação “especial” a Arcos de Valdevez. E é aqui, mais especificamente na freguesia de Prozelo, que tem encontrado os rostos do seu projeto. Não faria sentido de outra maneira. “Gosto muito do campo e agora, que fui para fora, mais valor dei. Estou numa cidade onde há imenso trânsito e pessoas. É totalmente diferente. Aqui, há uma paz interior que não há na cidade. Fui à procura de novas oportunidades e, nesse sentido, tem corrido bem, mas continuo a vir cá sempre que é possível. Sou muito ligada à natureza e às pessoas daqui. Elas são muito abertas e queridas. Isto não vai desapegar de mim. Vou sempre adorar Arcos. E, este projeto só fazia sentido aqui” reitera, desejando: “Talvez fosse giro passar este meu gosto a outras pessoas de outros lugares.” 

Começou a cozinhar a ideia em março e, há cerca de um mês, colocou-a em prática. “Procurei pessoas que poderiam encaixar-se em situações concretas, tradições e práticas”, explicou, assegurando que “as pessoas têm sido muito recetivas” ao convite. “Ainda não recebi nenhum não, e o feedback é muito positivo, quer da parte delas, quer dos familiares”, conta, confidenciando que recebe mensagens privadas a felicitar o projeto, mas as “mais efusivas” são as das suas “gentes”. 

Marta Alves trabalha na área da comunicação e é fotógrafa freelancer, isto é, trabalha autonomamente. Não sabe precisar o momento em que descobriu o gosto pela fotografia, mas admite que sempre fez muitos autorretratos. Mais recentemente, apaixonou-se pela fotografia documental. “Gosto muito de contar histórias. Este projeto mostra isso mesmo, em que pretendo valorizar as pessoas e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para tradições e práticas que, provavelmente, vão acabar por desaparecer com o tempo”, salienta. 

“Ó gentes da minha terra” é o projeto com mais projeção. Já fez exposições em Arcos de Valdevez, Ponte de Lima, Porto e Guimarães e, em cada uma delas, deu o seu melhor; mas este projeto tem um sabor especial. “Toca mesmo no coração”, afirma, contando que já fotografou cinco/seis pessoas. De todas elas, destaca a sua avó Quininha. “Tem quase 95 anos e é sempre um castigo fotografá-la (risos), porque não gosta muito, mas ela tinha de entrar neste projeto. Ela teve oito filhos. Todos em casa. Viveu sempre do campo. Não teve outra profissão. Perdeu o meu avô cedo e, entretanto, um filho. Teve uma vida um pouco complicada, mas nunca faltou comida lá em casa”, recorda, confidenciando que, durante as suas visitas, apercebe-se de que as pessoas têm um entusiasmo diferente. “A maioria delas tem 80 anos. Estão sozinhas e, portanto, ter estado lá já tornou o dia delas bom”, recorda, enaltecendo a sua força e vitalidade. “Algumas dizem que precisam de ajuda, mas não têm mais ninguém para fazer aquelas tarefas e, por isso, têm de ser elas a fazê-lo. Sinto que têm mais energia que eu. Têm um calo diferente”, conta. 

As suas fotografias são acompanhadas com um texto, em que conta as histórias das suas gentes, e um fado. “Perco algum tempo, porque gosto que as coisas sejam bem feitas”, salienta, acrescentando: “Sinto que as pessoas vão entender melhor o meu propósito. A fotografia fala por si, mas o texto vai complementar, criando empatia. O fado é Património Imaterial da Humanidade que jamais será esquecido, como estas pessoas. Este é o meu propósito.” 

O projeto pode ser visto nas suas redes sociais, mas a vontade é realizar uma exposição e, quiçá, lançar um livro. “O presidente da Junta de Freguesia já falou comigo. Não posso revelar muito mais porque ainda tenho uma conversa pendente com ele, mas quero muito fazer uma exposição ou até um livro”, revela, referindo que está dedicada “a 100/200%” neste projeto. “Quero que este projeto corra bem e vá mais além. E, portanto, o resto logo se vê”, disse.

Em 2022, venceu um concurso municipal que visava fotografar uma mulher com valor. Marta escolheu a tia Custódia, irmã da sua avó que, “infelizmente, faleceu este ano com 99 anos”. “Lembrei-me dela, porque fazia os rebuçados de Arcos. Uma iguaria típica. Falei com a filha, porque ela estava com Alzheimer. Fui fotografá-la, e senti que, quando ela mexeu nos rebuçados, teve algumas memórias. Foi aí que a fotografei”, conta, admitindo que gostou “muito” de a fotografar e de vencer o concurso. “Participo em alguns concursos, e tenho sempre esperança. Se não tivesse, não fazia sentido”, assevera, apelando a iniciativas idênticas. “Estes concursos são necessários para promover as pessoas da nossa terra e os fotógrafos emergentes. Em Portugal, é difícil um artista emergente vingar. Tem de pedalar muito”, lamenta, sentindo-se grata pelas suas conquistas. “Tenho trabalhado muito para estar aqui, mas as exposições que consigo, sou eu quem paga e, portanto, ter um apoio monetário seria crucial”, refere, terminando: “As pessoas precisam de valorizar mais a fotografia. Não é qualquer um que a tira. Os telemóveis já vêm equipados para se conseguir uma boa fotografia, mas não é a mesma coisa. Um fotógrafo tem de estar bastante tempo num lugar para tirar uma boa fotografia. Não é só clicar.

Tags Entrevista

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