Humanizar a vida hospitalar através do voluntariado

Hoje, ainda há quem se surpreenda com a generosidade das pessoas. Um ato de voluntariado, no “backstage”, que procura dar respostas às necessidades das pessoas trazendo dignidade às suas vidas, e que permite o crescimento das instituições. A Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo (LAH VC) é um dos exemplos em que a atividade é desenvolvida “sempre em prol do doente e em melhorar o seu bem-estar”.

Notícias de Viana
12 Mai. 2023 8 mins
Humanizar a vida hospitalar através do voluntariado

Com mais de 42 anos, a LAH VC derrubou muitas barreiras para se tornar a associação que é hoje em Viana do Castelo. Fez com que a Unidade Local de Saúde Alto Minho – ULSAM fosse a primeira do país a tornar-se autossuficiente em sangue, criou o primeiro grande corpo de voluntariado organizado no concelho, e equipou o hospital com bens e equipamentos médicos que “excedem os milhares de euros”.

“O Bispo D. Armindo Lopes Coelho foi fundamental na criação da rede de núcleos de dadores da LAH VC nas Paróquias”, assegurou Defensor Moura, presidente da Assembleia Geral, contando: “Fui falar em várias missas, convidando as pessoas a doar sangue no hospital.” Médico reformado, Defensor Moura considerou ainda que “a dádiva foi a organização, porventura, mais eficaz” que a LAH VC montou. “Por ano, temos mais de 6.000 dádivas, das quais 4.500 são realizadas no hospital e 1.500 através das brigadas nos outros concelhos”, especificou. 

Já no que diz respeito ao voluntariado hospitalar, defendeu ser “fundamental” “porque os profissionais não têm tempo”. “Desde há uns anos para cá, houve uma grande evolução técnica que diminuiu muito a intervenção do médico. Agora, deixou de existir doença e passou a haver doentes. Temos de falar com eles, ouvi-los e saber o reflexo disto e daquilo na personalidade e vida deles. Portanto, o voluntariado vem complementar o trabalho dos profissionais”, frisou, reiterando que os voluntários acabam também por ter um papel moderador nas enfermarias. “Outra coisa é que os doentes, por causa da autoridade técnica, não falam tão abertamente com os profissionais de saúde como com os voluntários que estão ali, principalmente, para os ouvir”, acrescentou, contando: “Por vezes, eles têm medo de dizer que não gostam da comida ou então, esperam que entremos ao serviço para desabafar sobre uma dor que sentem e que pode estar relacionada com a doença. E, por vezes, são coisas muito importantes que devem ser tomadas em conta pelos profissionais.” 

Ana Margarida da Silva, presidente da direção desde julho de 2020, revelou que a LAH VC conta, atualmente, com “cerca de 50 voluntários”, menos 30 do que em tempo de pandemia, mas que inclui novos voluntários “até em idade”. “A retoma do voluntariado foi difícil porque muitos (mais vulneráveis) ainda tinham receio de vir para o hospital”, confidenciou, explicando que os voluntários fazem uma primeira formação – “mais geral” – através do Banco Local de Voluntariado de Viana do Castelo e, já na LAH VC, uma formação mais específica dada pelos enfermeiros chefes. 

A luta pela radioterapia 

Nos últimos seis anos, a LAH VC ofereceu “cerca de 500.000 euros” em diversos equipamentos hospitalares. “Todos os anos, fazemos um levantamento do que falta em cada serviço. Tentamos mobilizar a sociedade civil, desde cidadãos a empresários, para contribuírem, correspondendo às necessidades”, explicou Ana Margarida, garantido que a LAH VC tem conseguido “sempre” angariar os fundos a que se propõe. “Até hoje não houve um equipamento que não déssemos por falta de fundos”, frisou. 

“O primeiro grande salto” foi a aquisição do mamógrafo, que custou 100 mil euros, e o próximo é a instalação do serviço de radiologia no hospital. “Há 400 novos doentes por ano que são obrigados a fazer viagens para Braga e para o Porto, quando poderiam ser tratados na ULSAM”, justificou Defensor Moura, reconhecendo o desafio porque “cada aparelho custa dois milhões de euros”. “Neste momento, o hospital tem quatro oncologistas e uma hematologista para tratar os doentes. Ou seja, temos uma boa equipa e, portanto, só falta o serviço”, atirou, lamentando: “No entanto, estão acanhadas. Nem têm possibilidade de trabalhar todas ao mesmo tempo. Têm de esperar umas pelas outras.” 

O antigo médico lamentou ainda que, hoje, nem Braga consegue dar resposta e mandam os doentes para o Porto. “Há um Plano Nacional de Radioterapia em que diz que só deve haver um serviço de radioterapia para cada milhão de habitantes. Fui investigar, e Évora já tem, e não tem um milhão de habitantes. Na Galiza, há uma unidade de radioterapia com duas máquinas que dão para servir 350 mil habitantes. Portanto, podemos ter duas, mas queremos começar com uma”, apontou, salientando que o primeiro passo é tomar a decisão. “Uma das outras coisas que fiz foi falar com o ministro, porque é ele que tem de tomar a decisão”, afirmou, confidenciando a dificuldade de instalação porque “é necessário um edifício próprio”. “Estamos a falar de algo nuclear e, por isso, o edifício tem de ter paredes de três metros, onde uma delas é opaca. Não é brincadeira, mas já temos propostas para a localização… Pedra não há que falte”, referiu. 

Em poucas semanas, o abaixo-assinado para a instalação de um serviço de radiologia já tem mais de 26 mil assinaturas. “Já ultrapassei as que queria”, contou, especificando: “Começámos no Facebook e entregámos aos voluntários e, agora, temos associações e instituições que aderiram e estão a recolher assinaturas.” 

Com muitos anos no voluntariado e a sua passagem pela Câmara Municipal de Viana do Castelo enquanto presidente, Defensor Moura ainda se consegue surpreender-se com a generosidade das pessoas “neste mundo de guerras”. “O feedback da população não podia ser melhor, porque se trata de uma coisa que já afetou muitos milhares de pessoas, não só doentes como familiares”, referiu.

Para aqueles que vêm de Monção ou Melgaço para fazer radioterapia na ULSAM, uma vez que têm de fazer muitos quilómetros, a LAH VC também está a procurar soluções. “Já temos pensado numa solução que é a promoção de uma residência, onde fazem os cinco dias de tratamento e, ao fim de semana, vão para casa. O tratamento, normalmente, dura 15 dias/três semanas”, desvendou. 

Os voluntários 

Enquanto esperavam pela chegada dos outros colegas voluntários, Olívia Moreira, vice-presidente da LAH VC, contou que se tornou voluntária quando se reformou, “há 18 anos”. Era professora do ensino básico e queria continuar a sentir-se útil. “A motivação veio de uma minha colega que me disse que tinha jeito para isto. Vim arrastada por ela (risos), mas a verdade é que gosto muito do que faço”, referiu, especificando que está responsável pelo serviço de atendimento e acompanhamento. “Carla Neiva, de 50 anos, é uma das voluntárias mais recentes e, embora o seu percurso seja “mais curto”, já tem “alguma” experiência no contacto com os doentes. “Para mim, o voluntariado tem estas duas vertentes: contribuir para um mundo melhor e evoluir como ser humano, na relação com os outros”, considerou, explicando que “a principal razão” do seu voluntariado é “contribuir para o bem do próximo”, ainda que partilhando apenas “um pouquinho” do seu tempo e da sua atenção. “Tenho-me dedicado à minha carreira de uma forma muito intensa e senti que podia fazer mais pelos outros e dar um sentido mais humano à minha vida.”, confidenciou. 

Já com as batas brancas colocadas e com a gola azul que os diferencia, os outros voluntários confirmaram o sentimento que se vive no hospital, enquanto voluntário. “Para mim, o voluntariado é o meu spa de espírito”, afirmou um dos voluntários, contando que muitos doentes esperam pela hora de chegada dos voluntários. “É muito gratificante dar uma palavra de ajuda ao outro e ajuda-me a revitalizar os meus problemas”, confidenciou outro. 

Segundo os voluntários, os internamentos são cada vez mais curtos e, por isso, não há laços que criam e “ainda bem” porque “um voluntário tem de saber manter um distanciamento próximo”. “Isto significa que temos de ir para casa e desligar do hospital ou então, acabamos por não aguentar”, referiram. 

O sentir-se útil é também uma das preocupações que se vive no voluntariado. “Para casa, levo a satisfação de ajudar alguém numa pequena tarefa como chegar o telemóvel, ajudá-los a posicionar-se na cama, dar de comer e beber, falar com eles e ouvi-los”, especificaram, enaltecendo “o olhar de gratidão” dos doentes.

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