Goca, um espaço de construção e exposição “livre” de cerâmica e azulejos

Nuno Ranha e Sara Jácome viviam no Porto, mas regressaram à sua cidade natal, Viana do Castelo, para abrir uma Galeria e Oficina de Cerâmica e Azulejo (GOCA). Ao completar um ano de existência em dezembro, já receberam centenas de pessoas em aulas, workshops e exposições.

Micaela Barbosa
17 Nov. 2023 7 mins
Goca, um espaço de construção e exposição “livre” de cerâmica e azulejos

Foram um dos contemplados do concurso Jovens Empreendedores e, em 2022, arriscaram e implementaram um projeto semelhante ao que já existe nas grandes cidades, como Lisboa e Porto. “Em Viana do Castelo não há uma galeria de arte contemporânea. As pessoas, para terem acesso a isso, têm de deslocar-se ao Porto ou a Vigo. Há um ou outro local que existe, como em Vila Nova de Cerveira, com a Bienal, e Caminha, com a Arte na Leira, mas são raras exceções”, apontou Nuno Ranha, considerando que, nas outras cidades, os espaços estão preparados para receber qualquer tipo de exposições. “Há uns anos atrás, fiz quatro exposições aqui e não podíamos estragar as paredes. Ou seja, ia-se criando um ruído desnecessário à volta da exposição”, exemplificou, atirando: “Assumiram-se como galeria, mas não estavam preparadas para tal. Tratava-se de um espaço adaptado para fazer exposições.”

Formado em pintura, Nuno Ranha trabalhou numa empresa que pintava azulejos direcionados para a área do turismo. Nesta altura, já tinha a ideia daquilo que seria a Goca, mas quis ganhar experiência para “aprender mais” sobre a arte do azulejo uma vez que os preços de mercado são mais acessíveis, ao contrário de uma pintura, para as pessoas comuns.

Já no que diz respeito à cerâmica, a prática surgiu há cerca de dois anos, juntamente com Sara Jácome, que é enfermeira e estudante de Artes Plásticas e Tecnologias Artísticas no Instituto Politécnico de Viana do Castelo. “Fazemos o nosso próprio trabalho na pintura de azulejos e na cerâmica, mas também disponibilizamos essa experiência em aulas e workshops, em que qualquer pessoa pode explorar estas técnicas”, explicou Nuno Ranha, dando nota de que a galeria também tem um espaço de exposição. “Queremos tornar a Goca autossustentável e, embora estejamos ainda a avaliar o primeiro ano, as coisas correram como previsto. Aliás, as expectativas foram superadas, mas não muito.”, confidenciou.

As workshops têm um valor de 25 euros e são destinadas desde aos mais novos aos mais velhos. “A pessoa mais velha que tivemos tinha 75 anos”, especificou, salientando que a maioria dos participantes tem entre 25 e 40 anos. “Nas workshops, as pessoas ficam fascinadas. Primeiramente, pegam no barro, que é cinzento. Depois, pintam a peça e apercebem-se que as cores não têm muita força até cozerem. Além disso, o vidro também lhe dá outro encanto. As pessoas, quando vêm buscar as peças, ficam surpreendidas”, referiu, considerando que “há um certo misticismo” porque “nunca se sabe o que sairá do forno”. “Com a experiência, as coisas são diferentes, mas, mesmo assim, há tanta variedade de materiais, que não se consegue dominar todos os barros e todos os vidraços. Ou seja, todos fazem coisas diferentes. Há infinitas possibilidades, tornando esta arte engraçada”, acrescentou.

Os preços das peças variam. “A peça mais cara que tivemos custava cerca de 200 euros, mas temos azulejos que vão desde os 10 euros”, disse, defendendo que a arte, em que se implica trabalhar com as mãos, tem um preço mais alto. “Uma caneta mais industrial, vendida num hipermercado, vai sair mais barato do que uma das nossas peças”, exemplificou, frisando que, numa peça feita à mão, “isso não pode acontecer”. “Embora a aceleração das vidas permita ter um maior acesso à informação e, consequentemente, melhorar as técnicas, cada peça ou pintura leva o seu tempo, assim como perceber o que gostamos ou não de fazer, o que funciona ou não, ou o que as pessoas gostam ou não”, esclareceu, adiantando que o seu maior público são pessoas entre os 40 e os 60 anos. “Este é o público que mais compra. No entanto, já há jovens a comprar azulejos. Talvez por o preço ser mais acessível e por ser fácil de transportar”, justificou.

“Na arte, não há pressão”

Há cerca de um mês, a Goca tem um artista residente: Pedro de Sousa Pereira. Nasceu em Marco de Canavezes, mas a sua família é de Monção. Esteve na Alemanha, mas recentemente voltou, estando a morar em Viana do Castelo, para viver da arte.

Estudou Artes Plásticas e Multimédia, e trabalhou como freelancer (artista autónomo) nestas e noutras áreas, como design. “Viver da arte é complicado. Nos oito anos que estive na Alemanha, percebi que estamos muito atrás deles. Lá, há apoios e as pessoas têm muita ligação à arte, consumindo mais”, referiu, reconhecendo que, na Alemanha, seria mais fácil viver da arte. “É uma coisa que ainda está pouco enraizada na nossa cultura. Não consigo precisar as razões, mas os alemães percebem que a arte e os artistas são necessários para a sociedade. É visto como uma forma de prazer. Faz parte do dia-a-dia deles”, especificou, contando que as pessoas vão ao museu e deixam-se voar nos seus pensamentos. “Aqui, as pessoas pensam muito no seu dia-a-dia. Casa, trabalho, trabalho, casa. Não há espaço, nem tempo para pararem”, lamentou. “É preciso fazer alguma coisa ao nível da educação, porque as pessoas não percebem o que a arte pode fazer à sociedade. Além disso, há muito poucos apoios. Os que há, são reduzidos”, acrescentou Nuno Ranha, lamentando ainda a falta de cursos. “É um processo que demora gerações até consumirem arte”, lamentou.

Pedro de Sousa Pereira, chegou à Goca a convite de Nuno, que já conhecia do tempo de faculdade. “Era uma possibilidade perfeita para mim, porque nunca tinha trabalhado em cerâmica. Aceitei e, desde há um mês que estou a aprender muitas coisas novas”, contou, confidenciando que “a cerâmica é um mundo interessante e muito diferente” do que estava habituado. “As coisas são muito lentas. Requer paciência (risos). Cheguei com ideias grandiosas e depois, apercebi-me de que não era possível fazer tantas coisas. E, portanto, a experiência tem sido ótima. É uma coisa bastante terapêutica.”, salientou.

No fim de semana passado, promoveu a sua primeira exposição sob o tema “Mitos e Gritos”. “Este projeto traz de bom o contacto consigo próprio”, enalteceu, contando que se tem apercebido, nas workshops, de que as pessoas chegam com “algum receio” e ideias pré-concebidas de que “as peças têm de ser rápidas e perfeitas”, mas, durante todo o processo de construção da peça, a pressão diminui. “Na arte, não há pressão. Há tempo para tudo”, afirmou, acrescentando: “A pressão já existe no dia-a-dia, e esta questão do tempo e de não existir pressão, são coisas que a arte, em geral, permite ter.”

Embora a incerteza e a dificuldade existam em quem quer viver da arte em pleno séc. XXI, Nuno Ranha garante que as portas da Goca continuarão abertas e, futuramente, vai apostar na venda de peças com a criação de um site, onde serão colocadas fotografias dos seus trabalhos. Até agora, só podem ser vistas na galeria. “Vale sempre a pena manter um projeto assim. Estamos a crescer”, garantiu, revelando que também apostarão na época natalícia. “Com o turismo, o azulejo teve um boom e, ainda hoje tem mercado. Já a cerâmica está a crescer. Com a Covid-19, houve pessoas que apostaram tudo nesta arte e conseguiram criar um negócio. Portanto, estamos no caminho certo.”, concluiu.

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