Recordações – Páscoa

Isabel Campos
17 Abr. 2025 4 mins
Paisagem

A Páscoa começava umas semanas antes com “as limpezas”. A Primavera estava a chegar, as flores começavam a despontar – “Já vi margaridas” – as janelas abriam-se, os aposentos menos usados eram espanejados, escovados, esfregados, os metais e pratas polidos, os candeeiros lavados. Tudo iria ficar a reluzir. (Havia uma senhora que, quando o tempo estava incerto, esperava pela manhã do dia de Páscoa para decidir se valia a pena limpar a sala para receber o Compasso…).

O Domingo de Ramos, início de uma semana cheia de restrições e abstinências, já era um dia de festa, de visita às madrinhas a quem se levava um ramo bem composto, à espera do “folar” que se iria receber. Nesses tempos, as orquídeas não se tinham “democratizado” e oferecer uma destas pequenas flores numa caixinha com um laçarote era um sinal de sofisticação, para quem podia, claro.

Antes, já se tinha ido à Missa de Ramos, solenidade muito importante, não só pelo seu significado religioso, mas para se poder benzer o ramo de oliveira que era guardado com todo o cuidado. Essas folhinhas, quando a trovoada nos assustava, eram queimadas para o perigo passar.

Toda a semana que se seguia era de azáfama, de preparações, principalmente para o almoço de domingo e outras refeições, uma vez que a Família viria toda.

Na Quinta-feira Santa, depois das 15 horas, a rádio e a televisão “vestiam-se” de luto e passávamos a ouvir Requiens, Oratórias e Missas.

O Sábado de Aleluia, se estava sol, era um dia esplendoroso. Logo pela manhã, os sinos repenicavam alegremente e acabavam os dias mais sombrios e os jejuns. Tudo rejuvenescia. Bem cedo, o padeiro tinha trazido as “pombinhas” – pão de regueifa, em forma de pomba, com uns chumbinhos a imitar os olhos. Por causa do perigo dos chumbos, acabaram esses pães que, com manteiga, sabiam muito bem. Começávamos a receber as amêndoas que podiam ser simples, recobertas a açúcar branco ou cor-de-rosa, torradas ou, luxo dos luxos, de licor da Arcádia. As tarefas domésticas finalizavam-se e quem ainda não tinha comprado nada novo para “estrear” corria às lojas. O jantar dessa noite já era mais animado com as conversas dos que tinham vindo de fora. Os mais novos saíam para visitar amigos. Novas contas feitas, este Sábado deixou de ser de festejos, pois a Ressurreição ainda não podia ter acontecido.

E, finalmente, chegava o Domingo de Páscoa, repleto de Aleluias! Aleluias! tlim-tlim, o repique dos sinos e o estourar dos foguetes. Era dia de festa, dia de roupa nova, muito primaveril, que, nos anos em que São Pedro nos castigava, era dia de passar frio… Começava-se por deitar flores em frente ao portão, sinal de que queríamos que o Compasso entrasse. Há muitos, muitos anos, o Senhor Padre entrava em cada casa, benzia-a, conversava, o senhor da opa vermelha que transportava um saco recolhia os envelopes, o rapaz da campainha tlintava e seguiam para outra casa. Nessa altura, a banda da música, de que éramos sócios, tocava, entrava para umas fatias de pão-de-ló e umas bebidas, voltava a tocar em frente da casa, despedindo-se até ao ano seguinte. Assim terminava aquela manhã de correria para estarmos todos prontos a horas. Até ao tão esperado almoço não havia nada mais para fazer. Nesses tempos, os cafés estavam fechados em dias como este. Ao cair da tarde, assistia-se ao encontro e ao recolher das duas Cruzes. A festa continuava num lauto jantar para os elementos do Compasso, individualidades e amigos mais chegados, em casa do Juiz da Cruz, que, satisfeito, ainda não sabia o que tinha gasto. O que lhe ia suceder conjecturava, já, como poderia fazer melhor e tinha começado a fazer contas… Lembro-me bem do primeiro ano em que “foguetes de lágrimas” foram lançados. Uma despesa mais!

Páscoa sem música debitada por altifalantes a “animar” as ruas…

 

SUGESTÕES

Ouvir – Stabat mater, Pergolesi

            Requiem, Mozart

Ver/ouvir – Jesus Christ Super Star

 

**(Escrito de acordo com a ortografia antiga)

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