O caminho pela liberdade no serviço à Igreja

Atualmente, a Igreja depara-se com o problema da redução de jovens que ingressam nos Seminários para seguir o caminho do sacerdócio. Uma das consequências imediatas é a redução no número de Padres e, na Diocese de Viana do Castelo, a realidade não é diferente. Contudo, e mesmo diante de todos os desafios, três jovens estão prestes a receber o Ministério Diaconal. Embora ainda não tenham atingido “a meta”, Renato Costa, João Santos e João Cruz continuam na corrida para evangelizar o coração daqueles que seguem, questionam ou se afastam de Jesus Cristo. Ao longo de seis anos de Seminário Maior, passaram de meros desconhecidos a amigos, e hoje são praticamente família. Vieram de e viveram realidades e experiências diferentes, mas têm o mesmo propósito: servir a Igreja, mais precisamente, a Diocese de Viana do Castelo.

Micaela Barbosa
3 Nov. 2022 14 mins
O caminho pela liberdade no serviço à Igreja

“Não surge assim do nada”

Andaram na mesma pista e, sobretudo, partilharam-na e, a partir daqui, aprenderam a ser livres para os outros. “Tinha seis anos quando disse pela primeira vez que queria ser Padre. Ou melhor, despertou-me essa curiosidade”, começou por contar João Cruz, reconhecendo que, naquela altura, não tinha consciência do que estava a dizer e confidenciando que, ainda hoje, não sabe responder às pessoas quando o questionam sobre como e quando sentiu o chamamento de Deus. “Não surge assim do nada como as pessoas pensam. É algo que vais vivendo e adquirindo”, assegurou.

Quando foi para o Seminário Maior, em Braga, aprendeu a consolidar as suas certezas e, muitas vezes, a estar calado, porque viver e conviver com pessoas, com personalidades diferentes, é um “desafio”. “Para além de toda a formação ‘pura e dura’, o Seminário ensina-nos primeiramente a lidar com outras pessoas. Viver numa casa com dezenas de pessoas, com personalidades completamente distintas umas das outras, requer estofo”, confidenciou, assegurando que fez grandes amizades. “Durante o meu percurso surgiram incertezas”, contou, defendendo: “Quando a incerteza surge, devemos perceber o que levou a fragilizar a certeza que tínhamos antes. Ou seja, é necessário discernir e encontrar de novo o caminho que me pode levar novamente à certeza.”

“O importante é fazer o que nos faz feliz”

João Santos, defende que seguir o caminho do sacerdócio é uma escolha e, embora com 12/13 anos já tivesse curiosidade sobre o tema, foi apenas com 18 que tomou a decisão de ir para o Seminário. “Tenho um tio Padre e acompanhei o seu percurso, mas não foi por ele que segui este caminho. Foi pela minha vivência na comunidade e pelo exemplo de vida do meu falecido Pároco”, contou.

Todos os dias também surgiram dúvidas, mas “a vontade de continuar era maior do que desistir”. “Muitas das vezes, as dúvidas ou as inseguranças aparecem para nos fazer questionar sobre se estamos verdadeiramente comprometidos neste caminho, porque, em toda a nossa vida, vamos ser ‘tentados’ e colocados em questão, independentemente, daquilo que vamos ser e fazer. O importante é fazer o que nos faz feliz”, disse, salientando que o Seminário o ajudou na descoberta. “O Seminário não serve só para formar. Nós não entramos numa fôrma e, no final, saímos Padres. Durante o tempo que estamos lá, dão-nos espaço para discernir sobre o melhor caminho para cada um de nós.”

“Aprendi a valorizar o companheirismo”

Já Renato Costa, tinha quatro anos quando sentiu curiosidade pelo sacerdócio. Vem de uma família cristã e fez todo o percurso na catequese, chegando, inclusive, a ser catequista. “Foi no seio da minha família que senti o chamamento. Eles falavam muito desta realidade e, a partir daí, foi muito mais fácil conhecê-la e vivê-la até porque se ninguém te der a conhecer uma realidade, também não vais vivê-la”, referiu, admitindo que teve “alguns receios”, mas nada que o fizesse pensar em desistir do seu caminho.

Ao contrário de João Cruz e João Santos, o jovem de Valença fez o Seminário Menor. “Aprendi a valorizar o companheirismo e, no Seminário Maior, continuamos nesta evolução com as relações humanas. Lidamos com muitas pessoas, com feitios diferentes, mas temos de aprender e saber lidar com elas porque, no final de contas, é com elas e a partir delas que vamos trabalhar no futuro”, afirmou.

“A nossa presença nas Paróquias é benéfica”

Atualmente, os três jovens estão a estagiar em Paróquias dos Arciprestados de Viana do Castelo, Ponte de Lima e Vila Nova de Cerveira. João Cruz, João Santos e Renato Costa reconhecem que a Diocese pode oferecer-lhes “muito” ao longo do seu percurso e mostram-se com vontade de contribuir para o seu crescimento. “O estágio certamente não nos vai ensinar tudo, até porque não aprendemos tudo de uma vez. Requer tempo, mas penso que pode preparar-nos para as alegrias e algumas agonias”, considerou João Cruz. “É um tempo de escuta, porque temos um orientador para nos acompanhar. Nós estamos lá não para assumir funções deles, mas essencialmente para escutar e aprender com ele”, frisou Renato. “Para além de escuta, é também um tempo de acolhimento e de proximidade, no sentido de que estamos a ser inseridos numa nova realidade e desafiados a descobrir algo”, acrescentou João Santos.

Apesar do pouco tempo nas Paróquias, são conhecedores de uma outra realidade que se vive na Igreja. O número de fiéis a reduzir. Não trazem uma nova teologia, mas novos métodos. “Não vamos pôr tudo fora da caixa, mas talvez levar dinâmicas diferentes”, disse João Cruz, lamentando que, “por vezes, os Padres caiam numa certa ritualidade que leva a uma quebra nos passos normais que seguem”. “Numa das festas da Paróquia, o Pe. Meira ‘discutiu’ comigo sobre o melhor momento para colocar a bênção”, enalteceu, assegurando: “Nós não vamos com mania de que saímos e agora queremos fazer o que nos apetece. Não! Nós vamos aconselhar os Padres com quem estagiamos, e levar novos métodos e apresentar novas propostas”, reiterou. “Ainda não sou conhecedor da realidade para poder dizer o que poderia ajudar a melhorar ou não, mas talvez possa já ajudar nesta caminhada dos jovens com a Jornada Mundial da Juventude, que está tão próxima. Talvez possamos ser os impulsionadores do desempenho dos jovens”, defendeu Renato. “Demorei quase um mês a percorrer todas as Eucaristias das Paróquias onde estou a estagiar”, começou por contar João Santos, mostrando-se disponível para ajudar o orientador. “Sinto que há essa abertura por parte deles e que percebem que a nossa presença nas suas Paróquias não é só benéfica para nós, como também é para eles”, disse.

“Os comentários negativos vão existir sempre”

Contudo, ainda há outros desafios na vida presbiteral que os preocupa. “Qualquer serviço é desafiante e apontar o dedo é um deles. O generalizar, em casos concretos que existem”, lamentou João Cruz, confidenciando que já sentiu na pele. “Já estudava e, quando acusavam Padres de certas coisas, também me incluíam”, contou, reconhecendo que há pessoas que sabem diferenciar. “Não me acho superior a ninguém. Aliás, não sou o único a sentir o mesmo, mas muitas pessoas opinam sobre o nosso aspeto físico porque vamos para Padre. Se namorássemos, isso não acontecia”, considerou, acrescentando: “Os comentários negativos vão existir sempre e, por isso, o melhor é estar calado em muitas situações, porque uma resposta pode ser mal interpretada, piorando a situação.”

João Santos partilha da mesma opinião, mas desvaloriza. “Todos nós, ao longo da nossa vida, independentemente daquilo que queremos ser e fazer, vamos ser rotulados. Temos é de saber lutar contra isso”, defendeu, acrescentando que na Igreja há espaço para a criatividade, incentivando à participação. “Temos de ir ao encontro das pessoas, onde quer que estejam. São pessoas que também necessitam da nossa disponibilidade”, disse, recordando a importância de ser sempre o João. “Outro dos desafios neste caminho é não deixarmos ser quem nós somos”, frisou.

Já Renato Costa, reforça a importância de procurar pessoas, não só dentro da Igreja como fora dela. “Atualmente, e com o fenómeno da pandemia, muitas foram as pessoas que já não regressaram às Eucaristias e, por isso, temos de procurar mantê-las e não dar isso como um dado adquirido. Devemos ir à procura de pessoas em sítios não tão vulgares, como por exemplo, um café ou um cinema”, afirmou.

Sem medo do que possa dizer-se sobre frequentar café e cinema, o jovem de Valença acredita que os comentários negativos passam com o tempo. “Se estivermos atentos a todas as comparações entre o antigo e o novo Pároco, nunca poderemos fazer nada de novo, porque é aquela velha história de ‘aqui sempre se fez assim’. Ou seja, não há espaço sequer para melhorar, nem piorar”, desabafou.

“Preparar-me para a ordenação é viver uma certa ansiedade”

A poucos dias da ordenação diaconal, “um compromisso maior”, os sentimentos que habitam nos seus corações são inquietação, alegria e disponibilidade. “Passei o último ano de Seminário completamente tranquilo, sem pensar sequer no que vinha a seguir. Estava sereno. Este ano, também estava completamente bem e, há duas semanas atrás, quando fiz o pedido de admissão às ordens sacras e o juramento diante do Bispo, é que senti a ficha cair. Comecei a pensar mais sobre o assunto, incluindo-o nas minhas orações”, confidenciou João Cruz, contando que os mais próximos de si estão a viver o momento com mais “euforia”. “Não é que não estejamos entusiasmados com o passo que vamos dar, mas eles conseguem estar mais”, disse, entre risos.

Já João Santos descreve que o último ano teve pontos altos e baixos, mas não deixou de ser “marcante”. “O facto de recebermos as instituições este ano, fez com que a ficha começasse a cair e agora, com a ordenação à porta, ainda mais”, afirmou, assegurando que, ao longo da sua caminhada, confirmou ainda mais que este era o seu caminho. “Estar a preparar-me para a ordenação é viver uma certa ansiedade. Será algo que vai marcar toda a minha vida”, salientou, acrescentando: “O pedido e o juramento, diante do Bispo, é tomar consciência de que está a ficar próximo e que a realidade se aproxima, de certo modo, a passos largos.”

Os mais próximos do jovem de São Romão do Neiva também estão “entusiasmados” com este passo da sua vida. “Por vezes, é preciso que os pés estejam na terra, de forma que o momento seja vivido na sua plenitude, com calma e tranquilidade”, disse.

Renato Costa mostrou-se “muito agradecido” pelas pessoas que encontrou durante toda a sua formação e, hoje, vive um “misto de felicidade e ansiedade”. “Felicidade porque, embora não seja a meta pela qual ansiamos, vai ser o ponto de partida para o serviço que queremos prestar à Igreja. Há, no entanto, alguma ansiedade porque ainda há uma tese para entregar e fazer aquelas correções de última hora. Além disso, alguns convites para fazer, que só se fazem depois de ter a certeza de que a tese é entregue”, explicou, assegurando que os seus mais próximos estão a viver o momento “intensamente”. “Eles acompanharam toda a nossa caminhada e, por isso, só podem sentir uma alegria enorme por nos verem chegar a bom porto”, disse.

“Fazer uma vida total de solidão, será mais complicado”

Hoje, a vida dos Presbíteros parece imersa na solidão. Uma preocupação da Igreja e destes futuros Diáconos, que esperam conseguir ultrapassar com os seus afazeres. “A verdade é que a solidão, por vezes, em certos momentos, é muito benéfica. Falo por experiência própria, mas estou a falar de uma solidão mais introspetiva”, contou, admitindo que nunca experienciou uma vida totalmente sozinho. “Vivi sempre em família. Primeiro, em casa e, mais tarde, no Seminário, com uma família diferente. Agora, estou numa outra família e, por isso, nunca tive de viver sozinho. Não sei como é que será um dia. Não vou dizer que não gosto de momentos de solidão, de estar sozinho e estar mais recolhido… A mim faz-me bem, mas fazer uma vida de total solidão, será mais complicado”, acrescentou. “Tenho clara certeza de que pode surgir esta solidão na minha vida, mas vou procurar não a viver através da aproximação, por exemplo, a um colega, convidando-o a constituir comunidade”, disse João Santos.

Já Renato Costa frisa que é um assunto “delicado”. “Acredito que, no dia-a-dia, vamos conviver com as pessoas da Paróquia e ter muito que fazer nas atividades diárias e, por isso, grande parte do nosso tempo vai estar ocupado. Talvez mais a partir da hora do jantar, ou assim, é que poderá existir uma certa solidão, mas penso que não seja uma situação difícil com que lidar”, garantiu.

“Aprendi muito sobre o diálogo”

Fora de todo o contexto da Igreja, os três jovens gostam, entre muitas outras coisas, de ver um bom jogo de futebol, ir a festivais e tomar um café com os amigos. “Trabalhei num bar”, contou João Cruz. “Aprendi muito sobre o diálogo. Servir às mesas e ao balcão é aprender a lidar com muitos tipos de pessoas de lugares diferentes. Uns estão com mais pressa, outros com menos; uns são mais pacíficos e outros mais malcriados; e outros mais bem-dispostos”, acrescentou, reconhecendo o papel dos patrões. “Ajuda ainda a criar ligação com o outro e o saber adequar-se às pessoas e aos lugares. Já o ir à bola, é uma forma de desanuviar e descarregar algumas coisas através da linguagem (risos)”, disse.

Já João Santos revela o momento no qual, após ter chumbado, foi trabalhar com o pai aos fins de semana. “Conheci uma realidade de uma transportadora nacional e internacional, e de uma drogaria”, disse, assegurando que foi uma forma de estar com a família (os seus tios). “Tive a oportunidade de aprender algumas coisas sobre gestão empresarial, mas a principal coisa que aprendi foi a ser verdadeiro com as pessoas”, confidenciou.

Renato também concorda com os amigos e assegura que cresceu “muito” fora do Seminário. “Trabalhei seis anos, no verão, em restauração. Algumas pessoas, que já eram clientes habituais, perguntavam-me se tinha intenções de estudar alguma coisa e dizia-lhes que estava a estudar para Padre. Elas não reprovavam a minha decisão. Aliás, até encorajavam”, contou, continuando: “Mais tarde, fui trabalhar para a indústria têxtil durante dois anos. Costumo dizer aos meus amigos, brincando com eles, que vendia lençóis, mas também aí, aprendi a atender um cliente. Não é tentar impor a comida que já está feita ou que a cozinha tem mais em abundância, mas é perceber aquilo que quero que ele leve para casa.”

Segundo o jovem, a experiência foi “enriquecedora”, mas é na agricultura que se sente em casa. “Também trabalho no campo. A minha mãe é agricultora e não é por ter entrado para o Seminário que deixei de a ajudar”, disse, salientando que o trabalho no campo ajuda a não esquecer as suas origens e a sua cultura. “Ajuda-nos a valorizar, realmente, todo o esforço que os nossos pais fizeram para nos pôr a estudar e, naqueles momentos mais baixos, a olhar para eles e a ter aquela força extra porque sabemos dos sacrifícios que eles passaram para podermos ter acesso a muitas coisas”, reiterou, acrescentando: “Trabalhar impõem-nos um sentido de responsabilidade e de exigência para o futuro porque, nem numa nem noutra, podemos falhar. É um compromisso que temos e, por isso, devemos saber gerir o nosso tempo da melhor forma para servir todos.”

À noite, Renato não prescinde de uma ida ao café. “Saio com os meus amigos para conversar e trocamos algumas impressões sobre temas da atualidade”, referiu.

“Vamos sempre precisar dos outros”

Ainda com um longo caminho pela frente, e apesar de todas as adversidades que possam ter de atravessar, os três jovens prometem fidelidade à Igreja, principalmente, à Diocese de Viana do Castelo.

E, embora não gostem de ser os centros de atenção, acreditam que o destaque que lhes é dado é “uma maneira de motivar outros jovens a não ter medo de seguir o caminho do sacerdócio”. “Podemos mostrar-lhes que este é um caminho de vida como muitos outros e que não precisam de uma chamada especial para o escolher”, consideraram, terminando: “Independentemente da função que desempenharmos, iremos sempre precisar dos outros. O nosso papel é gerir todas as capacidades que eles podem dar à Igreja e, a partir daí, caminharmos juntos.”

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