João Basto: “Não é preciso esperar por ‘bons momentos’ para seguir Jesus”

João Basto tem 24 anos e é natural da Paróquia de Carreço, no Arciprestado de Viana do Castelo. Fez o seu estágio pastoral na Paróquia da Correlhã, no Arciprestado de Ponte de Lima e é, atualmente, membro da equipa formadora do Seminário Diocesano de Viana do Castelo e diretor do jornal diocesano Notícias de Viana. No passado dia 2 de janeiro, foi ordenado presbítero na Sé Catedral.

Micaela Barbosa
6 Jan. 2021 7 mins
João Basto: “Não é preciso esperar por ‘bons momentos’ para seguir Jesus”

Por que razão entrou no Seminário Maior, em Braga? 

Creio que, no final destes anos de formação, continuo sem conseguir responder, tão assertivamente quanto se podia esperar, a esta pergunta. Nunca tive, aliás, uma resposta tácita, clara e inequívoca a esta questão. Na verdade, tenho a sensação que, mediante os diversos momentos que já passei, fui, permanentemente, percebendo novas “razões”, se é que uma linguagem estritamente argumentativa serve e se adequa a estes casos. Acima de tudo, julgo que nos é dada, como dom e mistério, uma pequena arca de onde, com o tempo, vamos retirando “coisas novas e velhas (Mt 13, 52), o que nos permite reconfigurar horizontes e perspetivas. Mas, se quisermos resumir tudo isto, penso que poderia falar num apelo particular, muitas vezes expresso numa estranha inquietação ou inadequação; uma intimidade e um mundo interior que vamos aprendendo a descobrir e a descortinar. 

Depois destes anos de formação, vivenciou quer momentos de maiores dificuldades, quer de maior entusiasmo. De que forma é que todos eles o ajudaram no discernimento? 

Previamente é importante olhar para o Seminário como um “provocador de crises e tensões”. Por exemplo: entre as nossas expectativas iniciais e aquilo que, realmente, nos é pedido pela Igreja; ou, então, entre uma certa imagem que construímos de nós próprios e aquilo que o convívio com uma comunidade muito alargada mostra, ao longo do dia-a-dia. Deste modo, creio que facilmente somos capazes de entender a formação mais como desassossego do que como validação imediata de um percurso que ainda há a percorrer. E isto não deve ser tomado como garantido, nos nossos dias.

Neste sentido, julgo que, em síntese, a formação, com todos os seus momentos, me ajudou, por um lado, a perceber que as nossas tentativas de perfeição e exigência desmedida são destruidoras, desumanas e desnecessárias diante de Deus e, por outro, a intuir que Ele também não nos deseja com operações cosméticas de mudança, mas com o que somos.

Noutra perspetiva, ao longo dos seis anos de formação, sinto a necessidade de especificar um momento particularmente marcante: o retiro a partir dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, no início do 4º ano. Sinto que aí se abriram novas paisagens e nossas possibilidades, mas, de igual forma, creio que recentrou o percurso que estava a fazer. 

De que forma é que o estudo da Teologia o ajudou neste percurso? 

De forma muito sintética, julgo que a Teologia me emprestou três lugares fundamentais. Antes de mais, a necessidade de ler o mundo numa chave teológica, ou seja, através das noções de gratuidade, encarnação ou ressurreição, sem procurar inimigos, novos ou de referência, mas percebendo a pertinência de interpretar o mundo numa chave poética, isto é, a partir do que podíamos chamar a “utilidade do inútil”. No final de contas, ao longo da história da Igreja vamo-nos apercebendo de que a ortodoxia vai crescendo e alargando-se na interação com os meios heterodoxos por excelência, e não através de um ambiente quimicamente puro. Por outro lado, julgo que a Teologia me ajudou a perceber que, no centro da fé cristã, não existe uma separação fundamental entre teoria e prática; que não vivemos compartimentados, mas integrando dimensões que, à primeira vista, podíamos achar desconexas. Por fim, alertou-me para a fiabilidade das nossas imagens e das nossas representações, mas, também por isso, provocou-me a uma responsabilidade especial. De certo modo, e de forma muito abreviada, a Teologia deveria ser sempre uma rainha – para recuperar aqui uma ambígua imagem medieval – fora do seu palácio, e creio que isso é uma grande interpelação para o ministério que nos é dado. 

Como foi a preparação mais próxima até chegar a diácono? Como descreve a sua experiência eclesial enquanto diácono?

Considero que algo importante neste ponto é seguirmos um trajeto delineado pela Igreja. Contrariamente ao que é hoje comum em outros contextos, a preparação para o diaconado não é vivida através da realização de desejos e caprichos pessoais. Acima de tudo, é um convite a viver cada etapa tranquilamente; a experienciar certos tempos de pausa, de reflexão, de compromisso… e penso que isso dá uma força invulgar à nossa vida: somos ordenados pela e para a Igreja. Não o contrário! E isso reflete-se na preparação para o diácono com a conclusão dos estudos, a admissão às ordens sacras, o retiro, o juramento de fidelidade…

De outro modo, quando fui ordenado diácono, conjuntamente com o agora Pe. Paulo Alves, estávamos já a estagiar – no meu caso, na Paróquia de S. Tomé da Correlhã – e a realizar o ano pastoral no Seminário Diocesano, onde somos convidados a entrar mais um pouco na realidade pastoral, quer através da reflexão, com aulas da parte da manhã, quer com o contacto com uma ou mais comunidades concretas; tudo isto residindo no Seminário, o que, no conjunto, conferiu estabilidade ao dia-a-dia.

No entanto, para qualquer de nós, o diaconado não terminou com o ano pastoral. Em julho, D. Anacleto nomeou-nos e, com isso, a nossa experiência eclesial alargou-se e, no meu caso, concretizou-se no Seminário, como membro da equipa formadora, e como Diretor do Notícias de Viana, onde estou neste momento. Em ambas as missões, contabilizar os frutos, medir ou calcular resultados, parece-me pouco sensato, mas sinto que, como qualquer outro trabalho pastoral, nos é colocada uma grande responsabilidade nas mãos, porque, antes de mais, lidamos de perto com a vida de muitas pessoas, e certezas e soluções imediatas quase nunca são aconselháveis. 

Recentemente, foi ordenado padre. O que representou este momento para si?

Creio que nestes momentos nos é dado um tesouro que, ao longo do tempo, vamos descobrindo, multiplicando e dividindo. Numa ordenação, os estímulos são tantos que julgo ser normal nos sentirmos como que dentro de um labirinto, e talvez o melhor caminho seja mesmo não viver impacientes na busca de uma saída. Numa imagem muito simples, é como se Deus tivesse baralhado de novo as cartas e voltado a dar. Por isso, neste tempo que é, ainda e sobretudo, tempo de eco, a ordenação não representa um momento de validade ou um momento de acabamento, mas uma tarefa a ir descobrindo, a fazer e a re-fazer. 

No dia da ordenação, estavam em vigor as restrições do Ano Novo, devido à pandemia da Covid-19. O que significa ser ordenado neste momento?

Para mim, reforça a ideia de que a Igreja tem uma plasticidade muito grande e de que não é preciso esperar por “bons momentos” para seguir Jesus. Na verdade, nenhuma vida existe fora do risco, da incerteza e da impressibilidade, e querer fazer do ministério presbiteral, começando logo pela ordenação, algo distinto disto mesmo, poderia ser, no mínimo, estranho. Por outro lado, sinto que é uma forma de comunhão e de memória particular de quantos e quantas que, ao longo da história, viveram e começaram o seu ministério de forma muito simples ou quase anónima, ou porque viviam tempos de perseguição, ou de pandemia como neste caso. Neste sentido, julgo que, se queremos levar a incarnação de Jesus realmente a sério, se queremos aprender o que significa o Seu nascimento no meio de nós, não podemos ter medo da realidade, mesmo que ela não corresponda às nossas expectativas ou desejos mais imediatos.

Tags Entrevista

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias