O iberismo é um movimento político, cultural e identitário que defende uma maior integração e, em algumas correntes, a união política entre Portugal e Espanha. Com raízes que remontam ao século XIX, o iberismo propõe uma visão alternativa à separação histórica das duas nações ibéricas, apostando na ideia de que uma Península unida teria maior força geopolítica, coesão económica e cultural geradora de capacidades e sinergias para enfrentar a mutabilidade imposta pelos desafios do século XXI.
É sobretudo após as guerras napoleónicas e ao longo do século XIX, que este movimento surge com força num contexto de revoluções liberais e reformas constitucionais. Intelectuais e políticos de ambos os países viam a união como uma forma de estabilizar a Península, ainda “órfã” da perda dos seus territórios sul Americanos e consequente princípio do fim de um período áureo de influência e conquistas mundiais, e desse modo, superar rivalidades e fazer frente às grandes potências europeias que também começavam a emergir.
Neste período, temos a considerar figuras como Sinibaldo de Mas diplomata e intelectual espanhol do século XIX, considerado o pai do iberismo, Sixto Cámara, Francesc Margall e Fernando Garrido, mas também do lado português, José Magalhães – político e jornalista defensor do iberismo liberal, Sampaio Bruno – filósofo e escritor, que refletiu sobre a identidade portuguesa dentro de uma possível federação ibérica e ainda Teófilo Braga – embora republicano fervoroso, demonstrou variadas vezes simpatia pela ideia de uma aliança ibérica.
Assumindo-se quase como um ideal utópico, contextualizado por séculos de rivalidades histórico-culturais, de facto, o Iberismo parece circunscrito a um círculo restrito e dominado apenas por elites e intelectuais. Veja-se o caso de autores como Lobo Antunes, José Saramago, Eduardo Lourenço, Miguel Torga e Fernando Pessoa, defensores não necessariamente de uma unificação política, mas sim de uma cooperação mais estreita entre os dois países ou mais recentemente, Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto, que sugeriu a criação de um “Iberolux”, inspirado no modelo do Benelux (união entre Bélgica, Países Baixos e Luxemburgo), ideia essa que defendeu no Cities Forum 2020, propondo uma cooperação mais estreita entre Portugal e Espanha dentro da União Europeia.
O iberismo não é, pois, um capricho moderno. Sobretudo como defesa de uma Península unida sob um modelo federal, onde a diversidade cultural e linguística fosse respeitada, tal como escreveu Pi y Margall: “A unidade verdadeira é a que respeita as liberdades locais, não a que as destrói.”, ou seja, uma visão de uma confederação livre de povos ibéricos enquanto projeto de coesão e emancipação.
Será então este um sonho? Geralmente referindo-se a desejos pessoais, ambições ou objetivos que alguém quer alcançar, pode, contudo, ser realizável mesmo que seja algo difícil. Ou antes uma utopia? Enquanto visão idealizada de um mundo ou sociedade perfeita, que remete fundamentalmente para uma perspetiva inacessível ou impossível de ser concretizada. Se alguém sonha com um mundo sem desigualdades, isso pode ser considerado de utópico se for visto como irrealizável, mas também pode ser um sonho se for uma meta para a qual se luta. Tudo depende, no fundo, da perspetiva que lhe quisermos imprimir.
Por isso, não é de todo estranho a existência de algumas associações e movimentos da sociedade civil e política, em Portugal e Espanha, que promovem o iberismo ou ideias semelhantes de integração ibérica, destacando-se pela sua atividade e relevância: a Sociedade Iberista – uma das principais organizações defensoras do iberismo, promovendo debates e iniciativas de aproximação, o Movimento Partido Ibérico (mPI), assim como o Partido Íber, que compartilham objetivos de integração ibérica, para além de iniciativas como o Fórum Cívico Ibérico, que reúne organizações, políticos e ativistas para promover a cooperação conjunta, especialmente nas áreas culturais, económicas e ambientais, e o El Trapezio – Plataforma de comunicação que discute temas ibéricos e promove a cooperação entre os dois países.
Hoje, o contexto geopolítico reforça essa necessidade. Frente à centralização crescente na União Europeia composta por um complexo político e económico de geometrias variáveis e à volatilidade global, Portugal e Espanha isoladamente têm influência limitada. Juntos, poderiam criar um bloco ibérico com maior peso diplomático, económico e cultural, defendendo interesses comuns dentro e fora do espaço lusófono e hispânico. Mais do que apagar fronteiras, o iberismo contemporâneo propõe sinergias estratégicas. Uma Península Ibérica unida — não necessariamente como um único Estado, mas como uma entidade cooperativa reforçada — pode ser uma resposta inteligente a um mundo globalizado e fragmentado. Celebrando as diferenças, mas agindo em conjunto, os países Ibéricos têm tudo a ganhar com um novo capítulo de proximidade e ambição comum.
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