As perceções e desafios das democracias

João Azevedo
28 Mar. 2025 6 mins

Quando questionadas, muitas pessoas dizem que não se interessam por política. Acham-na confusa, distante ou, pior ainda, desacreditada. No entanto, será que a política também não se interessa por elas? A realidade é que, independentemente do nosso envolvimento, as decisões políticas moldam o nosso dia a dia e, quando muitos escolhem afastar-se, poucos acabam por decidir por todos. Será que queremos continuar a permitir que apenas um pequeno grupo defina os caminhos que toda a comunidade terá de seguir?

Vivemos tempos em que o desinteresse e o ceticismo são comuns. Há quem diga que “são sempre os mesmos” ou que “nada muda”. Mas será mesmo assim? Segundo um estudo da fundação dinamarquesa Aliança de Democracias (Rasmussen Global) indica que Portugal é o terceiro país do mundo onde menos se acredita no Governo. Compreende-se, pois, que os portugueses são dos que menos acreditam que a sua voz interessa na política, num panorama em que a nível global, os cidadãos mostram- se cada vez mais descontentes com a democracia, sendo que ipso facto, a consideração de que a desconfiança nas democracias é maior nos países democráticos do que naqueles que possuem sistemas próprios em oposição.

Com base nas estimativas do índice da Economist Intelligence Unit entre os anos de 2006 a 2024 – Índice de Democracia, encontramos Portugal em 24º lugar a nível mundial e 16º a nível europeu, com 8,08/10 pontos, com uma redução absoluta de menos de 1% ao longo de quase duas décadas no século XXI. Os últimos dados apurados por uma sondagem da Aximage em 2024, indicam igualmente que existe uma maioria insatisfeita com o estado da democracia (51%) e sobretudo com os políticos, onde 67% sugere que estes não se preocupam com os interesses das pessoas. Apesar da insatisfação demonstrada com o estado atual da democracia, os resultados variam consoante critérios bem definidos conforme quem responde: são as mulheres que são mais pessimistas (54%) e ao nível da faixa etária, são os mais novos (dos 18 aos 34 anos) que indicam estarem mais insatisfeitos (62%).

Questionados sobre a forma ideal de melhorar o funcionamento da democracia, apesar de 85% acreditarem no poder e legitimidade do voto e 67% considerarem que reconhecem os seus pontos de vista e valores em pelo menos um partido que os representa, 11% referiu a necessidade da reforma do sistema eleitoral e 26% reconhecem que o mais importante é existirem cidadãos mais informados e participativos.

Estes resultados parecem estar refletidos nas crescentes taxas de abstenção e incipientes participação pública. A verdade é que a falta de participação por parte dos cidadãos gera impactos e consequências diretas na vida democrática. Quando não votamos, quando não participamos em assembleias ou quando não exigimos soluções para os problemas da comunidade, damos espaço para que as decisões fiquem concentradas nas mãos de poucos. E, se apenas uma pequena parcela da população participa, são os seus interesses que prevalecem, podendo resultar em políticas que não refletem as reais necessidades da maioria, levando a um ciclo de frustração e desânimo.

É a nível local que se constrói o primeiro espaço onde se pode fazer a diferença. Diferente da política nacional, que pode parecer distante, é ao nível da freguesia que se põe em prática decisões com impactos profundos nas comunidades. Quando um grupo de cidadãos se junta para reivindicar melhores condições de vida, ou resolver um problema específico a nível local, a pressão pode despoletar mecanismos reais e concretos na tomada de decisão. A história mostra-nos que muitas mudanças importantes nasceram de movimentos locais, impulsionados por pessoas comuns que decidiram agir. Se ninguém se manifesta, se ninguém cobra, tudo continua como está, a sensação de impotência tem tendência para se agravar.

Mas como mudar este cenário? Primeiro, é essencial desmistificar a ideia de que política é apenas para políticos. Qualquer cidadão pode e deve envolver-se, seja participando em reuniões de freguesia, apresentando propostas ou, simplesmente, informando-se melhor sobre quem são os seus representantes e o que fazem. Pequenos gestos, como dialogar com vizinhos sobre problemas locais ou apoiar iniciativas comunitárias, fazem toda a diferença. Além disso, é importante cultivar uma cultura de participação desde muito cedo. As escolas podem ter um papel fundamental na formação de cidadãos mais críticos e conscientes, incentivando o debate e a reflexão sobre o impacto das políticas públicas na vida cotidiana.

Outro ponto crucial é a transparência. Muitas vezes, a falta de informação acessível contribui para o afastamento da população. As autarquias devem investir em mecanismos que aproximem os cidadãos da tomada de decisões, como orçamentos participativos, plataformas digitais e comunicação mais clara sobre os projetos em planeamento e execução. Quando as pessoas percebem que sua opinião é ouvida e considerada, o envolvimento tende a aumentar.

Além disso, precisamos também refletir sobre o poder do voto. Muitas pessoas subestimam a importância de escolher bem os seus representantes, mas é esse pequeno ato que pode definir o rumo de uma autarquia e, consequentemente, da vida de todos nós. Não votar ou votar sem consciência é dar um cheque em branco para que outros decidam por nós, pois o voto, é a ferramenta mais democrática que temos para moldar o futuro.

O nosso futuro, o futuro das nossas autarquias, não pode ser decidido apenas por alguns. Se queremos uma comunidade mais justa, mais dinâmica e mais atenta às necessidades de todos, precisamos de nos envolver. Afinal, a política não deveria ser um clube fechado — mas só deixará de o ser se mais pessoas decidirem entrar e fazer parte dela. Cabe a cada um de nós decidir se queremos ser meros espectadores ou protagonistas do nosso próprio destino.

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