O desporto sem medalhas

Ficam muitas vezes na sombra. Vivem para que o desporto seja um compromisso. E tentam que tudo esteja pronto e nada falte a jogadores e treinadores. A poucos dias de Viana do Castelo se tornar Cidade Europeia do Desporto, o Notícias de Viana foi conhecer quatro histórias de dedicação às modalidades tão discretas como desconhecidas.

Notícias de Viana
19 Jan. 2023 6 mins
O desporto sem medalhas

11 de janeiro. Quarta-feira. 21 horas. A Juventude de Viana prepara-se para começar o jogo contra o Oliveirense, no Pavilhão Dr. Salvador Machado, em Oliveira de Azeméis. Será, como sempre no hóquei em patins, um jogo de 5 contra 5. Mas poucos dos que assistem saberão que os sticks dos guarda-redes da equipa vianense foram emprestados pelo adversário. Valdemar Conceição, mecânico e roupeiro do clube de Viana do Castelo, de 57 anos, 12 dos quais dedicados inteiramente à Juventude, esqueceu-se deles na capital do Alto Minho. Mas, ainda assim, antes do jogo, sem que o público se tivesse apercebido, não descansou enquanto não colmatou o seu lapso.

“O desporto sem medalhas”. É a reportagem desta semana do Notícias de Viana. A poucos dias de Viana do Castelo se tornar Cidade Europeia do Desporto, fomos conhecer a história daqueles que trabalham debaixo das bancadas, fora do centro de campo e dos camarotes presidenciais. O desporto sem protagonistas ou visibilidade, onde tudo se faz para que nada falte. Daquele que conserta os patins ao homem que guardou durante 42 anos o campo do Sport Clube Vianense (SCV), João Chavarria, Manuela Machado, Joaquim Lavarinhas e Valdemar Conceição são alguns dos alicerces invisíveis de golos e vitórias.

Um outro modo de olhar

Durante a entrevista, Joaquim Lavarinhas não tem dúvidas. “O desporto é a coisa mais bonita que pode haver”. Mas não tem medo de deixar uma ressalva. “Foi tudo” no SCV: de tratador de relva a guarda do campo, mas, também técnico de equipamentos e roupeiro. Entre antigos atletas e dirigentes, é conhecido como “o velho”; aquele que, mesmo de forma discreta, era omnipresente em jogos e treinos. Por isso, avisa que é importante não confundir desporto com violência. “Gostava que o futebol fosse mais competitivo. Que não fosse violento. Que fosse uma forma de conviver. Mas, para isso, é preciso olhar de outro modo para ele”, confessa.

João Eduardo Chavarria partilha da opinião do colega. Admite que lhe digam que, com 65 anos, “já devia ter idade para ter juízo”, mas, neste momento, conta com mais de 25 anos dedicados ao hóquei em patins, primeiro na Juventude de Viana, depois em Vila Praia de Âncora e agora na EDV (Escola Desportiva de Viana). “Dou o corpo ao manifesto. Por vezes deixo convívios de amigos, e, às vezes, até doente venho para aqui, porque é um compromisso que eu tenho. É isso que quero passar: não ganho 1 euro, mas o meu compromisso permanece. Ganhe ou não ganhe”.

Manuela Machado, que ganhou a medalha de ouro no campeonato do mundo de maratona de Gotemburgo em 1995 e o campeonato da Europa da mesma modalidade em 1994 (Helsínquia) e     1998 (Budapeste), mas que preside hoje a um clube de atletismo e desenvolve o projeto camarário “Desporto nas Escolas”, resume a preocupação de todos numa frase: “É necessário que o desporto seja mais desporto e não tanto um negócio”. Sendo uma das caras de Viana Cidade Europeia do Desporto, assume que o desporto é a nossa vida, que não se consegue imaginar sem correr todos os dias, e acredita que, com a iniciativa, “Viana vai ganhar, o desporto vai ganhar, e as pessoas vão ganhar também”. Tal como João Chavarria, que diz que a distinção reflete “o reconhecimento por tudo o que se faz”. “Temos muitos clubes e muitos praticantes. As nossas condições são formidáveis. Espero que os jovens saibam aproveitar e que isso ajude a que os pais se envolvam mais na organização”, defende.

Desporto: um modo de salvação

Entre o som dos treinos, da chegada e da partida dos atletas e treinadores, Valdemar Conceição recebe-nos no lugar onde guarda e repara o material desportivo. Infelizmente o jogo do dia anterior com a Oliveirense não correu como esperado. Depois de ter acabado os primeiros 25 minutos a vencer 4-0, a Juventude acabaria por perder 6-4. “Para mim a Juventude é tudo. Dou tudo por isto. O hóquei em patins é o desporto da minha vida”, assegura.

Conta-nos que chegou a fugir da escola e, inclusive, do trabalho, para estar presente. Foi ficando e ganhando alguma confiança com as equipas até que, quando o antigo mecânico, o seu tio, terminou a sua colaboração com o clube, acabou por assumir o lugar. No entanto, deixa claro que não sabe patinar. “Aprendi muito com os jogadores. Com o Didi, o Paulo Almeida … Todos os anos aprendo um bocadinho”, afirma, mas realça, com alguma nostalgia que, à medida que os anos passam, os jogadores vão partindo. “Os jogadores partem, nós ficamos”, foram as suas palavras exatas.

João Chavarria refere, por isso, que o seu trabalho é um “serviço à modalidade”, mas que o faz, acima de tudo, “para ajudar os jovens a libertarem-se de vícios”, não deixando de os alertar que “em cada jogo, não são só eles que participam, porque é preciso todo um trabalho logístico, quer antes, quer durante, quer depois”.

Joaquim Lavarinhas comunga do que é dito. “O desporto é uma maneira de salvar muitas crianças de andarem nas maldades e de fazerem asneiras, uma forma de aliviar os pais que, muitas vezes, não têm tempo para os miúdos. Mas, o desporto é, acima de tudo, uma forma de educação. Educação porque se aprende a jogar, seja o que for. Educação porque eles são conduzidos. Educação porque exige trabalho”.

No fundo, é essa também a preocupação de Manuela Machado. Nos anos 70 e 80 desafiava as convenções ao correr e praticar desporto, mas hoje quer ensinar as crianças a gostar de desporto e levar os jovens a experimentar várias modalidades. Ainda assim, no final, há sempre uma luz que ficar por apagar, uma torneira aberta por fechar, um equipamento por arrumar. O desporto, sem os aplausos ou as luzes da ribalta.

Em Destaque

Notícias atuais e relevantes que definem a atualidade e a nossa sociedade.

Opinião

Espaço de opinião para reflexões e debates que exploram análises e pontos de vista variados.

Explore outras categorias