Um povo que caminha para a liberdade

Estamos em pleno período pascal. Perante tal facto, ninguém fica indiferente. A par com a época do natal, esta marca de tal modo o agir do povo que, através de gestos, de troca de palavras e do despertar de sentimentos, todos sintonizam com um período distinto do resto do ano. Estamos sem dúvida perante um […]

Notícias de Viana
28 Abr. 2023 6 mins
Um povo que caminha para a liberdade

Estamos em pleno período pascal. Perante tal facto, ninguém fica indiferente. A par com a época do natal, esta marca de tal modo o agir do povo que, através de gestos, de troca de palavras e do despertar de sentimentos, todos sintonizam com um período distinto do resto do ano.

Estamos sem dúvida perante um facto religioso, mas que não se confina tão só a rituais, ele penetrou na expressão das pessoas.

No âmbito das religiões comparadas, a páscoa tem uma marca indelével em todas elas, sejam cristãos, judeus ou muçulmanos. Todas são herdeiras de uma história vivida por um povo que ansiosamente deseja a libertação.

Porém, esta mesma aspiração encontra-se no intimo de qualquer pessoa e de qualquer sociedade. Daí, que viver a páscoa é algo de antropológico e social. A pessoa é sedenta de liberdade.

Focados na nossa cultura ocidental, reconhecemos que o povo está marcado pela celebração da páscoa cristã. Esta é herdeira da páscoa judaica mas refere-se a algo de novo que diz respeito à pessoa de Jesus de Nazaré morto e ressuscitado.

Este é o acontecimento que distingue as diferentes formas de encarar a páscoa e manifesta a plenitude para a qual se orienta toda a expectativa humana.

Esta procura da identidade, reconhecer as raízes e orientar o sentido deste acontecimento torna-se urgente para que a pessoa envolta na cultura actual continue a usufruir dos seus efeitos.

Muitos dos gestos que se expressam nesta época não atingem o seu pleno significado porque perderam a relação com o acontecimento original.

A cultura actual, herdeira da fractura provocada pela modernidade, que retirou os acontecimentos cristãos para a esfera do privado, foi progressivamente descaracterizando o seu efeito na vida da pessoa e da sociedade.

Daí a urgência de oferecer o acontecimento da ressurreição de Jesus de Nazaré como Boa Noticia que o será se de modo credível atingir a vida e as expectativas da pessoa concreta e o mundo em que vive.

Não basta repetir gestos que vêm da tradição, muito rica em gerações passadas, mas que actualmente não provoca os efeitos da primeira hora, na alegria, na fraternidade, na experiência de vida plena, na comunhão com Deus e com os outros, na essencialidade do amor e nos dinamismos da verdade encontrada e partilhada.

Vem à memória a expressão de S. Paulo VI quando refere que « para a Igreja não se trata tanto de pregar o Evangelho a espaços geográficos cada vez mais vastos ou populações maiores em dimensões de massa, mas de chegar a atingir e como que a modificar pela força do Evangelho os critérios de julgar, os valores que contam, os centros de interesse, as linhas de pensamento, as fontes inspiradoras e os modelos de vida da humanidade, que se apresentam em contraste com a Palavra de Deus e com o desígnio da salvação»(EN. 19).

Na verdade, segundo o saudoso Papa, «a ruptura entre o Evangelho e a cultura é sem dúvida o drama da nossa época, como o foi também de outras épocas» (EN, 20). E prossegue, «assim, importa envidar todos os esforços no sentido de uma generosa evangelização da cultura, ou mais exatamente das culturas» (EN, 20). De facto, «estas devem ser regeneradas mediante o impacto da Boa Nova» (EN, 20). 

Mas este encontro só se dará se a Boa Nova for anunciada e testemunhada.

Os factos vividos pela Igreja não ficam retidos nela mesma, pelo contrário, são vividos por uma comunidade que tem a obrigação de os oferecer ao mundo, à cultura e à sociedade com o mesmo efeito do acontecimento original.

Continuamos numa sociedade na qual as pessoas necessitam e anseiam pela libertação. 

São tantas as ofertas redentoras que vêm a partir das ideologias, a partir dos disfarces económicos do consumo, da adulteração das propostas de sucesso e de bem estar que em breve prazo levam ao desespero. Perante a transcendência e dignidade do ser humano, a resposta terá de ser também coerente e adequada ao seu ser. Daí que só  Deus, no Seu amor infinito, poderá oferecer os caminhos que levarão à experiência da verdadeira libertação.

Eis a proposta da páscoa de Jesus Cristo, caminho aberto pela Sua ressurreição. É a nova criação que daí emerge, liberta da opressão do mal e do pecado.

Quando se refere a ressurreição de Jesus de Nazaré, em alguns ambientes culturais, situa-se este acontecimento tão só no domínio da fé. Como consequência, a razão não entraria no seu conhecimento e, como tal, seria apenas destinado a um grupo de pessoas que exercitariam esta faculdade e ficariam de fora todos os que se guiassem pelos ditames da razão.

Na verdade, o conhecimento autêntico exige a actuação de todas as faculdades humanas, da razão, da fé, do amor e da experiência.

Nomeadamente o Papa S. João Paulo II e o Papa Bento XVI, sublinharam a importância de conjugar a fé com a razão para um verdadeiro conhecimento. Segundo o seu pensamento, a fé necessita da razão para ser verdadeiramente humana e compreensível, e a razão necessita da fé para não se desviar do sentido da verdade total.

Neste sentido convido a revisitar um documento que ficou muito no esquecimento. Refiro-me à primeira Enciclica do Papa Francisco, «Lumen Fidei» (a Luz da Fé).

Aí se diz que «para nos permitir conhecê-Lo, acolhê-Lo e segui-Lo, o Filho de Deus assumiu a nossa carne; e, assim, a sua visão do Pai deu-se também de forma humana, através de um caminho e um percurso no tempo» (nº 18). 

Realmente, «a fé cristã é fé na encarnação do Verbo e na sua ressurreição na carne; é fé num Deus que Se fez tão próximo que entrou na nossa história» (nº 18).

Na verdade, «a fé no Filho de Deus feito homem em Jesus de Nazaré não nos separa da realidade; antes permite-nos individuar o seu significado mais profundo, descobrir quanto Deus ama este mundo e o orienta sem cessar para Si; e isto leva o cristão a comprometer-se, a viver de modo ainda mais intenso o seu caminho sobre a terra» (nº 18).

Não tenhamos medo em descobrir e viver o acontecimento que em Jesus de Nazaré nos introduz na Vida em plenitude. O nosso mundo anseia pela Páscoa.

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