A 50 horas de distância da sua terra natal, é diante dos antigos paços do concelho de Caminha, que vai tentando orientar, com a ajuda de outros conterrâneos, os trabalhos. Este é um lugar de destaque. Localizado num ponto nevrálgico da vila, é o espaço habitualmente escolhido pela organização para o tapete que virá a ser elaborado pela comunidade convidada.
“É, de facto, a parte mais nobre que é entregue aos ucranianos”, refere Miguel Alves, presidente da Câmara de Caminha, o segundo concelho do Alto Minho com mais ucranianos acolhidos. “Estamos a apoiá-los naquilo que é básico, mas, também, na vivência social. (…) Não damos apenas bens alimentares, mas queremos fazê-los sentir-se em casa. E o que fazemos é encontrar e procurar pontes. Já tivemos convívios por ocasião da Páscoa e, hoje, decidimos festejar o Corpo de Deus com eles, porque eles fazem parte da nossa comunidade”, explicou.
Oksana inspirou-se nos bordados ucranianos para o desenho. “Estão presentes símbolos da Ucrânia, desde o trigo, o brasão, a rosa de gueldres, imagens de cidades conhecidas, a pomba da paz, que espero que leve a paz até ao meu país”, confessa.
Ao todo serão mais que dois quilómetros de ruas desenhadas, contornadas e revestidas por flores e outros elementos naturais, num percurso que vai da igreja matriz de Caminha, até à igreja paroquial de Vilarelho, e que, no Dia do Corpo de Deus, serão o palco de uma procissão em que participam todas as Paróquias do Arciprestado.
Ana Paula Macedo coordena o trabalho na Rua da Corredoura. Conta que ajuda na elaboração dos tapetes há 10 anos e caracteriza o trabalho que faz como “uma grande alegria”. “Estou nisto quase há três semanas”, especifica. “Primeiro foi preciso cortar os verdes com uma tesoura ou um machado, depois virá-los todos os dias para não se estragarem, e, por fim, cortar as flores. Ainda ontem estive até de madrugada de volta deste trabalho”, relata. Ana Paula esclarece que hoje já há uma participação grande da autarquia, mas que das primeiras vezes “tinha que ir apanhar os verdes e as flores”, reiterando, mais tarde, que ver a procissão passar a enche de orgulho, mesmo que pise o fruto de tantas horas de dedicação.
Estreante é Isabel Felicíssimo de 47 anos, e confessa que quis passar do exterior para o interior do processo. “Venho sempre ver e acho curioso e interessante, e queria ver como se fazia”, disse. Foi Sílvia, de 40 anos, que a convidou. Ajuda há cerca de 18 anos e está mais ligada à organização há cinco anos, e a experiência leva-a a desabafar que, apesar da ajudar cada vez maior da Câmara, “a mão de obra é cada vez menor”. “De ano para ano, tenho medo que se perca a tradição”, confidencia. No entanto, passados dois anos sem o envolvimento habitual, constata que, muito embora o receio de que não houvesse tanta ajuda como era normal, tal não aconteceu e assume estar muito contente por ver “tanta gente dedicada e com saudades e ajudar”.
Ainda é noite, mas é já bem notório o perfume intenso das flores que, se aos locais fazem recordar as tradições que se retomam, a Oksana traz à memória o cheiro da terra natal. Amanhã será o incenso, trazido de cada Paróquia, que se juntará a ele.