“Para Monserrate, Bartolomeu dos Mártires já é Santo há muito tempo”

Vasco António da Cruz Gonçalves nasceu na paróquia de Longos Vales, em Monção, a 17 de maio de 1973. Com doze anos entrou no Seminário de Monção e lá permaneceu até ao 9º ano. Em Braga, completou o secundário e seguiu o ensino superior em Teologia. A 25 de julho de 1999, Dia de São Tiago, ordenou-se padre e diz, com ironia, ser “um padre do século passado”. Nesse mesmo ano, ficou nomeado para as paróquias de Parada do Monte, Cousso e Cubalhão, em Melgaço, e, dois anos depois, foi também responsável por Lamas de Mouro,“o Reino Maravilhoso”. Mais tarde, assume a paróquia de Gave e, em fevereiro de 2005, foi estudar para Roma, em Itália, aprender italiano e estudar Teologia Pastoral, onde abordou a preocupação da evangelização. A 21de setembro de 2007 assumiu a paróquia de “São Pedro de Barroselas”, que foi “um forte desafio” e, três anos depois, voltou a Roma para terminar o doutoramento. Em 2010, defendeu a tese sobre a catequese dos adultos em Portugal, onde fez a proposta da catequese familiar, que é hoje “um desafio nacional”. É chefe de gabinete do Bispo D. Anacleto e, em março de 2013, assumiu a paróquia de Monserrate, onde ainda hoje é pároco e capelão do Santuário de Nossa Senhora d’Agonia. Presentemente, também é Diretor do Secretariado Diocesano da Catequese.

Notícias de Viana
8 Nov. 2019 8 mins
“Para Monserrate, Bartolomeu dos Mártires já é Santo há muito tempo”

Quando é que percebeu a vocação de ser padre?

A vocação é algo que vai surgindo e crescendo, mas há uma intuição que uma pessoa sente quando inclina para algo em específico. Todo o meio envolvente, como a família e a paróquia, tem influência nas escolhas.

Atribuo a minha vocação ao filme sobre São Francisco de Assis, “Irmão sol, irmã lua”. Foi um filme que me tocou bastante. Isto, porque, muitas vezes, a vida dos santos desperta vocações e sentidos para a vida, mesmo para aqueles que não são sacerdotes.

Então, questionei o meu pai sobre as vestes do protagonista do filme, S. Francisco, respondendo-me que era uma espécie de “padre”. Apaixonei-me pela figura. A partir daquele momento, achei que queria ser padre, mesmo não tendo as noções exatas do seu papel.Entretanto, fui para o Seminário e comecei uma caminhada de descoberta, crescimento, encruzilhadas e opções. Fiz um caminho de discernimento, onde, no meio de tantos outros, descobri a beleza da vocação como serviço: estando com os outros, vivendo para os outros, sempre na perspetiva de Cristo. E, se o fazermos com gosto, enche-nos sempre o coração! 

Para além de ser pároco, é também diretor do Secretariado Diocesano da Catequese. Qual o seu papel enquanto responsável pela catequese?

Eu tenho ainda, a meu cargo, a função de chefe de gabinete do Bispo e acabo por estar em todos os conselhos diocesanos. A vinda do padre Renato, que ficou responsável pela comunicação, acabou por libertar, mais um pouco, o meu trabalho. No entanto, procuro sempre estar presente e acompanhar D. Anacleto nos eventos diocesanos.

Depois, para além da paróquia de Monserrate, sou o capelão do Santuário de Nossa Senhora d’ Agonia e coordeno a Comissão administrativa do mesmo Santuário.

No que diz respeito ao Secretariado Diocesano da Catequese, posso dizer-te que é um enorme desafio que, naturalmente, precisa de mais tempo e disponibilidade, porque a catequese é o “útero da Igreja”, onde se inicia à fé. E, tal como se pode ler  na Carta Pastoral do ano passado do nosso bispo, sob o tema “Somos Igreja que Evangeliza”, a catequese é o processo que leva Jesus Cristo até ao coração das pessoas.

No entanto, é preciso perceber, como diz muitas vezes o Papa Francisco, que estamos numa fase de mudança. O mundo, as pessoas, os ritmos… e, por isso, a Igreja não deve ser exceção. Ela deve acompanhar a mudança.

Nós todos, membros da Igreja, temos os nossos esquemas organizados que vão funcionando dentro da normalidade e, quando arriscamos em novos caminhos, estamos a sair da nossa zona de conforto; daí existir um comodismo ligado à catequese.

Hoje, temos de abandonar os esquemas que já não respondem às nossas necessidades e criar novas propostas, novos desafios e novas formas de fazer, provocando uma maior vivência da fé: esta é a principal função da catequese. A catequese familiar é um exemplo de proposta que, aos poucos, mostra bons resultados.

Além disso, a catequese com adolescentes ainda é uma continuação da catequese para crianças e nós temos que nos lembrar que eles já não são crianças, logo, precisam de uma catequese voltada para a juventude. 

Procuramos um modelo de catequese que, partindo da vida, leva à vivência da fé deles. O nosso papel passa a ser o de ajudá-los a compreender o porquê de ajudar o outro, por exemplo. Esta boa ação é evangelho, é criar um mundo novo e tornar o evangelho vivo. Neste sentido, a catequese precisa de dar uma volta radical, procurando novos caminhos.

A minha postura quanto à catequese é um pouco como termina o poema Cântico Negro de José Régio “não sei para onde vou / Sei que não vou por aí”. Neste momento, há caminhos que ainda não sabemos bem como percorrê-los, mas sabemos que há esquemas e formas de viver em Igreja que não podem continuar.

Bartolomeu dos Mártires é o novo Santo Português. Que trabalho foi desenvolvido pela diocese até à sua aclamação enquanto Santo?

O trabalho que se fez até chegarmos aqui já vem de há muitos anos, dos párocos que passaram por Monserrate, dos padres dominicanos e de Frei Raúl Rolo que escreveu a sua tese de doutoramento e realizou várias conferências pelo país para falar sobre Bartolomeu dos Mártires. Esta pesquisa foi muito importante para a base de todo o trabalho, para sabermos quem foi Bartolomeu dos Mártires e conhecermos as suas obras.

Antes de Frei Raúl Rolo, existiu Mons. José de Castro, Reitor de S.to António dos Portugueses, em Roma, que ao investigar no arquivo do Vaticano, descobriu o documento que declarava Bartolomeu dos Mártires como Venerável e iniciou assim a investigação sobre a figura e obra do Arcebispo de Braga.

Além destes, também foram vários os padres da nossa Diocese que contribuíram para o trabalho desenvolvido.

Em 2014, celebrámos o centenário do nascimento de São Bartolomeu dos Mártires. Com o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo, que também nos acompanhou neste processo, fizemos uma programação cultural e religiosa que o privilegiou.

Nessa altura, com a autorização e a presença do bispo diocesano, abrimos o túmulo e retirámos algumas relíquias para serem levadas para as várias dioceses que, então, faziam parte da Arquidiocese de Braga e uma para colocarmos na igreja de São Domingos. Uma relíquia andou de paróquia em paróquia, despertando a devoção e a alegria. Ou seja, houve um “boom”, onde Bartolomeu dos Mártires foi o centro das atenções, mas também chegou ao centro dos corações de muita gente.

A graça da canonização também se deve um pouco a isso, porque, certamente, nós merecíamos essa bênção de Deus.

Como é que acolheu, pessoalmente, a notícia? 

Uma bênção. Todas as bênçãos são especiais e esta foi uma bênção maravilhosa pelo empenho de tantos. O empenho não foi só fazer por fazer, mas a programação cultural e religiosa dedicada a São Bartolomeu dos Mártires proporcionou o encontro com ele, criando uma certa devoção.

Chegados a este momento, apercebo-me que, ao longo deste processo, também o Bispo Anacleto, tal como eu e tantos, descobriu esta figura, um santo na vida dele.

Como é que as pessoas acolheram a notícia, em particular os fiéis de Monserrate?

Um misto de naturalidade e de maravilha. Não houve surpresa, penso eu.

Naturalidade, porque para Monserrate já é Santo há muito tempo. Ele anda pela casa das pessoas, orientando e ajudando as famílias. Isto, porque já havia uma grande devoção nesta paróquia. Portanto, por um lado, o facto de ser Santo e ser reconhecido pela Igreja foi algo natural. Por outro, a maravilha, a alegria e júbilo, porque finalmente a Igreja reconheceu a nível universal que o nosso “santinho” é um Santo a sério que tem feito coisas maravilhosas aqui em Monserrate e não só.

Desde o ano jubilar, colocamos, junto do túmulo, um livro onde as pessoas podem escrever os seus pedidos, os seus agradecimentos e as graças que receberam. Já vamos no quarto livro. Inúmeras pessoas revelam as graças que receberam de São Bartolomeu dos Mártires.

No próximo fim de semana, vai realizar-se a celebração de proclamação da canonização de São Bartolomeu dos Mártires. Qual a importância deste acontecimento para Viana do Castelo?

Para nós, será um momento de júbilo, de festa, intenso. A celebração decorre em Braga, no dia 10, mas, no dia 9, vamos realizar uma vigília em Viana do Castelo, na igreja de São Domingos, onde está o túmulo.

Será um momento único e marcante, não só na paróquia, como também na vida de todos os crentes. Vamos mobilizar a paróquia para marcar presença nesse momento!

Para nós, sentirmos que, nesta ocasião, somos o epicentro espiritual da Diocese, é sublime. E, por outro lado, é um desafio. É ter consciência de que temos um papel na Diocese como paróquia, determinante para promover a devoção a São Bartolomeu dos Mártires, ao fazermos um maior esforço na divulgação dos seus escritos, dos seus testemunhos e da sua vida, para que as pessoas do resto da Diocese, e de outras, venham a conhecer esta figura ímpar na vida da Igreja. Ele foi um grande santo, um pastor que descia ao seu rebanho, um reformador da Igreja.

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