“Sou da ilha das línguas de fogo. Com elas aprendi a metrificar o espírito. O indizível”
No dia 16 de março de 1993 perdemos a presença física de Natália Correia. Percorridos trinta anos após a sua morte alcançamos uma perspetiva de olhar sobre esta mulher que antes, ouso dizê-lo, talvez não nos fosse permitido ter. Filipa Martins, em O Dever de Deslumbrar, lembrou que Natália Correia foi mais censurada do que qualquer outro escritor português, por ter atacado “uma especificidade da nossa sociedade do Estado Novo, os bons costumes”, “não em todas as obras, mas de alguma maneira em todas as obras”. A autora salientou também a “capacidade de premonição” que a escritora mostrou ter em “vários momentos da história” portuguesa, por exemplo, em relação ao final do regime salazarista e sobre a entrada de Portugal na antiga CEE (Natália foi uma das mais duras críticas da adesão portuguesa à comunidade europeia).
Revisitando a sua poesia, os seus escritos como as suas intervenções políticas deparamo-nos com uma mulher de radical vontade criadora, onde se sente uma notável ânsia de libertar a linguagem de todos os constrangimentos e de deixar o sonho e a imaginação viajarem.
Muito se poderia dizer de Natália Correia, mas não podemos negar a sua visão religiosa da existência, o reconhecimento de que o conhecimento vem pelo amor; a rebeldia construtiva e a libertação total do Ser; o total engano de olhar as pessoas pelo que dizem delas e não pelo ser que há nelas.
Natália preferia que os leitores a vissem como romântica, pois, conforme ela mesma afirma numa entrevista incluída no livro de Denira Rozário (Rozário, 1994), o motivo de escrever poesia é uma exigência ética e espiritual de lembrar-se dos outros e de que todos os seres humanos são partes integrantes da unidade do universo. A rebeldia das palavras e da postura nem sempre agradava a todos, acusada de uma certa “loucura” e destemida “ousadez” certo é que possibilitou um novo olhar sobre as mulheres; certos direitos humanos e sensibilidade interior na vivência das verdades da fé apreendidas na infância. Nunca esqueçamos a sua ação interventiva, desde tenra idade, a favor do integral cumprimento da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e da Paz, enquanto direito universal, que só poderia ser trazido pelo Amor. E trinta anos volvidos revisitando os acontecimentos nacionais e internacionais, quantas “Natálias” gostaríamos de ouvir? Porque ignoramos o estudo e divulgação da obra de Natália às recentes gerações? Diria Natália “quando a crise não é geradora de grandes audácias, mais indicado é dar-lhe o nome de agonia”.
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