Lutar por, e não contra, os “bodes expiatórios”

Falar do 25 de Abril é, sem dúvida, falar de liberdades conquistadas. Liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de escolha. Para as mulheres, para minorias, para os grupos mais vulneráveis da sociedade. Para mim, educadora na área do Desenvolvimento e da Cidadania Global, falar do 25 de Abril é também falar da promessa de […]

Notícias de Viana
26 Abr. 2024 3 mins
Lutar por, e não contra, os “bodes expiatórios”

Falar do 25 de Abril é, sem dúvida, falar de liberdades conquistadas. Liberdade de pensamento, liberdade de expressão, liberdade de escolha. Para as mulheres, para minorias, para os grupos mais vulneráveis da sociedade.

Para mim, educadora na área do Desenvolvimento e da Cidadania Global, falar do 25 de Abril é também falar da promessa de construção de uma sociedade orientada por valores de solidariedade, equidade e dignidade. Uma promessa de justiça social, de igualdade de oportunidades, da promoção de uma ideia de Humanidade partilhada que nos une.

No entanto, como falar de justiça social quando o nosso sistema económico produz continuamente pessoas excluídas? Como falar de justiça social quando a “lotaria do nascimento”[1] determina tão fortemente as oportunidades que cada um e cada uma terá ao longo da sua vida? Como falar de justiça social quando um número significativo de pessoas não tem a possibilidade, nem liberdade, de fazer escolhas na sua vida[2]?

Como falar de justiça quando, no nosso meio político, se ouve, cada vez mais abertamente, justificar a discriminação de pessoas? Quando, muitas vezes invocando a religião, se apela a uma suposta “justa aceção de pessoas” baseada na sua origem étnica, na sua cor de pele ou na sua nacionalidade? Quando se propõem oportunidades de vida distintas para homens e para mulheres?

Estes valores podem parecer-nos radicais. Mas não nos deveriam ser estranhos. Na verdade, estes valores foram-nos propostos há mais de 2000 anos, através da vida, e da morte, de Jesus Cristo. Ele foi O grande defensor dos excluídos e dos marginalizados. As pessoas com quem Jesus mais privou, a quem ensinou, curou, com quem fez amizade foram quase sempre “bodes expiatórios” criados pela sociedade. Leprosos, pobres, cobradores de impostos, mulheres, escravos, estrangeiros e migrantes. Na Sua morte, Jesus torna-Se cada uma destas pessoas.

É aqui que os valores de Abril e do Cristianismo andam de mão dada.

Em conjunto, quer enquanto sociedade, quer enquanto seguidores e seguidoras de Cristo, a nossa missão é trabalhar para denunciar processos que excluem, que afastam e que criam marginalidade, e propor modelos diferentes.

Nas palavras da teóloga norte-americana Jennifer Garcia Bashaw: “Quando entramos na história de Jesus com os olhos postos nas vítimas da sociedade, podemos compreender melhor a vida, o ministério e a morte d’O “bode expiatório” que era suposto acabar com todos os bodes expiatórios – Jesus. Talvez assim possamos deixar de criar bodes expiatórios e trabalhar em seu favor[3]!”

[1] Nome comummente dado à aleatoriedade do local, do ano, do sexo, da família, etc. em que nascemos.

[2] No seu livro O Desenvolvimento como liberdade, Amartya Sen, professor universitário e economista indiano, diz-nos que o verdadeiro desenvolvimento acontece quando cada pessoa pode fazer escolhas para a sua vida em liberdade.

[3] Bashaw, Jennifer Garcia (2022) Scapegoats: The Gospel through the Eyes of Victims, Minneapolis: Fortress Press.

Por La Salete Coelho, professora na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viana do Castelo

Tags Política

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