Haja coragem

“Tens muito que fazer? – Não; tenho muito que amar. Não entendo ser professor de outra maneira. E não me venham dizer que isso assim cansa e mata; morrer-se, sempre se morre: e à minha maneira tem-se a consolação de não ser em vão que se morre de cansaço” (Diário de Sebastião da Gama, p.127). “Para ser professor, também é preciso ter as mãos purificadas. A toda a hora temos de tocar em flores. A toda a hora a Poesia nos visita. O aluno acredita em nós e não deve acreditar em vão. Impõe-se-nos que mereçamos, com a nossa, a pureza dos nossos alunos; que a nossa alimente a deles, a mantenha. Sejamos a lição em pessoa – que é isso mais importante e mais eficaz que sermos o papel onde a lição está escrita; e possamos dizer sem constrangimento: Deixai-as vir a mim, as criancinhas…” (Idem, p. 146).

Notícias de Viana
27 Jan. 2023 3 mins
Haja coragem

Nada na pedagogia, e muito menos na didática, é definitivo ou dogmático, salvo o amor e o respeito pela pessoa dos alunos, quaisquer que eles sejam, o que exige um grande humanismo por parte de todos os formadores, mormente dos docentes, fazendo coincidir a vocação com a profissão, ou vice-versa (Barros-Oliveira, 2009).

Vivemos um momento particular em torno da educação pública em Portugal, quer pelas manifestações públicas por partes dos agentes educativos, quer pelas manifestações políticas a respeito do mesmo. Onde encontrar o Humanismo nesta situação?

Curiosamente, um dos humoristas portugueses referiu há uns dias que os professores “não sabem ensinar”, isto porque, na sua perspetiva, a posição de alerta dos professores já é antiga e bem conhecida de todos. Os professores têm vindo numa crescente sequência temporal a chamar a atenção para a situação catastrófica para a qual caminha a escola pública, e estes não falaram, durante anos, só de carreira e respeito; falaram, e falam, de atenção para com o número de horas que os alunos passam nas escolas, da participação das famílias, no número de horas que eles próprios gastam em burocracia em vez de aplicar o tempo em preparação de aulas e dedicação aos seus alunos; falam de conteúdos excessivos em prazos exequíveis; falam de competências e aprendizagens essenciais que, por força da burocracia e das orientações, não são devidamente tidas em conta.

Há muitos anos que falhámos na educação em Portugal; limitámo-nos a copiar ou adaptar modelos estrangeiros, tomando-os como os melhores e válidos para a realidade portuguesa e para os objetivos do país. Quando iremos compreender que política educativa não se faz à imagem da política económica ou social? Não podemos reproduzir modelos estrangeiros, como não podemos alterar a política educativa de um país sempre que um governo muda. Tenhamos a coragem de optar por uma política educativa, na verdade, portuguesa e estendida no tempo. Não interessa construir homens, como pretendia a pedagogia mecanicista, mas descobrir homens (Delfim Santos). Porque o verdadeiro drama dos professores é fazer ouvir e dizer que “ser bom professor consiste em adivinhar a maneira de levar todos os alunos a estarem interessados; a não se lembrarem de que lá fora é melhor” (Diário de Sebastião da Gama, p. 131) e isso não depende só deles.

Haja coragem para não deixar alienar a sociedade pela educação!

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