Da rua para o Convento. Do Convento para a rua.

Foi entre a R. de São Sebastião e algumas casas cujo quintal dava para a antiga R. das Rosas que, em 1560, Bartolomeu dos Mártires, então Arcebispo de Braga, decidiu fundar um convento dominicano, em Viana do Castelo. Figura de relevo da Igreja do séc. XVI, é reconhecido como uma das principais vozes que lutaram pela reforma da vida eclesial, confrontada, externamente, com a reforma protestante, e, internamente, com uma desorientação humana profunda. Passados quase 500 anos, os corredores do antigo convento são, hoje, povoados por outros protagonistas que, mesmo volvidos 5 séculos, continuam a principal preocupação do homem que promoveu e acabou por, 30 anos depois, morrer no lugar que, todos os Domingos de manhã, ajudam a preencher: reformar e renovar a Igreja e a comunidade. “Depois da pandemia”, assume o Pe. Vasco Gonçalves, Pároco de Nossa Senhora de Monserrate, “depois do ‘tempo das igrejas vazias’, em que houve uma apatia de toda a comunidade, era necessário revitalizar e investir na evangelização e no primeiro anúncio”. É sobre este movimento que falamos, nesta reportagem.

Notícias de Viana
23 Mar. 2023 5 mins
Da rua para o Convento. Do Convento para a rua.

Convidar e acolher

“Só um bocadinho, está bem?”. A entrevista é interrompida por breves segundos. Joaquim Castro, de 53 anos, corre até à porta para cumprimentar quem acaba de chegar. “Bom dia! Estás bem? Como correu a semana?”. Já foi chefe do Agrupamento de escuteiros da Paróquia, colabora com a redação do boletim paroquial e, também, no Conselho para os Assuntos Económicos, mas, neste momento, veste o papel de coordenador das atividades do Alfa, que descreve como um momento de “partilha, fé e amizade”. A sala vai-se enchendo rapidamente. A sessão desta semana está quase a começar. Em cada uma delas há um momento de acolhimento, com um pequeno-almoço e uma conversa ligeira entre os grupos, segue-se a visualização de um vídeo sobre um tema específico, e posteriormente o diálogo acerca do que acabou de se ver. O público-alvo é vasto. Na sala estão crentes e não crentes, católicos e cristãos não católicos, mas o objetivo é claro: oferecer um reencontro com a fé e com a Igreja.

Ainda assim, esta é só uma parte de uma iniciativa maior. No seu todo, trata-se de uma dinamização abrangente das manhãs de Domingo, chamada “Café con(vida)”. O nome tem uma intenção programática, como explica o Pe. Vasco Gonçalves: “É preciso criar uma cultura do convite, porque uma comunidade tem de estar sempre a convidar e a acolher”. Mas, no conjunto, trata-se de uma iniciativa intergeracional. Simultaneamente, em cada Domingo de manhã, quer jovens e crianças da catequese, quer adultos, estão em reflexão, independentemente da etapa e do compromisso que tenham: as sessões de catequese para os mais novos; os encontros Alfa, como instrumento de primeiro anúncio; as “células”, em que se reúnem pessoas que já fizeram essa experiência. Entre todos, procuram expressar uma força e uma “intensidade” diferentes. “As crianças que vêm à catequese não se sentem abandonadas. Percebem que fazem parte de algo maior”, como esclarece o Pároco, que reforça o desejo de “despertar um sentido comunitário, uma maior proximidade, um maior entusiasmo em colaborar”.

Recarregar

Por seu lado, Cidália, Ana Cristina, Ana Luísa e Francisco Sequeiros participaram na primeira edição dos encontros Alfa, pelo que integram um dos grupos denominados “células”. Não têm dúvidas de que foi uma experiência impactante e vêm esta nova modalidade de encontros, no pós-Alfa, como uma forma de “recarregar as baterias para a semana”. “São momentos de partilha, de convívio, de falar sobre o que se passou, mas, para além do ensinamento que, todas as semanas, o nosso Pároco nos deixa, o início de cada encontro é reconhecer Deus na semana que passou e perguntar ‘o que é que fiz por Deus?’ e ‘o que é que Deus fez por mim?’”, sublinha Cidália.

Também já integrados na dinâmica, estão Carina e Óscar Neto, ambos brasileiros de origem, com 48 e 49 anos, respetivamente. Hoje, assumem o papel de animadores de mesa dos encontros Alfa, ou seja, como Óscar explica, devem “incentivar o diálogo nas mesas, organizar o pequeno grupo que têm a cargo, organizar o acolhimento, preparar a logística, inclusive a limpeza”. Nas palavras de Carina, “retribuir todo o amor, todo o cuidado que nos foi dado, para ajudar os outros a viver o que nós, também, vivemos, e ajudar os outros a reencontrar-se”.

Óscar conta que, quando participou no Alfa, trazia consigo uma ideia “ainda primitiva” do cristianismo. “Estava habituado a ver a Igreja como um consumidor. Participava na Eucaristia e depois ia para casa. Mas o que se vive no Alfa trouxe-me a vontade de participar, de me dar, de contribuir. E, quando terminei, pensei: ‘como vão ser os Domingos?’ ‘o que vou fazer agora?’”.

Carina fala de uma experiência muito forte. “Como imigrante, eu e a minha família precisamos de fortalecer a fé, de quebrar o gelo com a comunidade, de quebrar as dúvidas que temos, de ganhar capacidade para falar sobre Deus”, relata.

A verdade é que as novas dinâmicas sociais, designadamente aquelas ligadas à imigração, estão também presentes nas manhãs de Domingo da Paróquia de Monserrate. “Já tivemos connosco vários casais brasileiros e de outros países da América Latina, e ainda um casal italiano”, indica o Pe. Vasco Gonçalves, falando de uma “experiência muito heterogénea” e de um processo que visa a criação de uma “comunidade inclusiva”. “Nem sempre é fácil, mas esta abertura aos outros, que muitas vezes nos vêm ‘provocar’, e mostrar outras formas de ser Igreja, é muito importante”, assume.

“Dá-Me de beber”

Nesse Domingo, o Evangelho retomava a passagem do encontro de Jesus e da samaritana. Os corredores do convento, com grupos que chegam, que circulam, que se cumprimentam efusivamente, estão cheios, transformados em trilhos e em passagens de uma comunidade que traz, de novo, àquele espaço, os dominicanos pioneiros do séc. XVI, que para ali vieram dar vida a uma experiência, igualmente nova e inédita. É uma espécie de carreiro só construído através da sede. É a partir daí que ambos começam.

Tags Religião

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