D. Antonino Dias: “Toda a Igreja deveria sentir o problema vocacional como uma questão própria”

A propósito dos 50 anos de sacerdócio, o Notícias de Viana entrevistou D. Antonino Dias que é, atualmente, o Bispo da Diocese de Portalegre-Castelo Branco.

Micaela Barbosa
4 Abr. 2024 12 mins
D. Antonino Dias: “Toda a Igreja deveria sentir o problema vocacional como uma questão própria”

Antonino Eugénio Fernandes Dias é natural de Longos Vales (Monção) mas, a partir dos 18 anos, foi viver para Mazedo (Monção).

Desde que é Bispo, pertenceu à Comissão Episcopal do Clero e Vocações, e à Comissão Episcopal do Laicado e Família, da qual foi presidente durante dois mandatos.

Participou no Sínodo dos Bispos sobre “A Vocação e a Missão da Família na Igreja e no Mundo Contemporâneo”, em Roma.

Em 2015, foi membro do Conselho Permanente da Conferência Episcopal e, atualmente, é membro da Comissão Episcopal da Missão e Nova Evangelização.

Notícias de Viana (NdV): Quando e como surgiu a sua vocação?

Antonino Dias (A.D.): Surgiu naturalmente, numa caminhada de discernimento que se foi fazendo, com a seriedade e a responsabilidade que a vida a todos merece, seja qual for o caminho a seguir. Ao longo desse percurso de discernimento, surgem dúvidas, fazem-se perguntas. Algumas delas nunca têm resposta, deixando mais dúvidas e provocando mais perguntas. Com o diálogo, a oração, o estudo, o acompanhamento e o conselho de quem pode ajudar, vai-se fazendo caminho. E porque não se pode ficar sempre em cima da ponte, chega um determinado momento em que, pesadas todas as coisas, há que arriscar e decidir, com confiança n’Ele, que não falha. Quem não arrisca, arrisca muito mais.

Se Deus chama aqueles que entende, não obriga, mas também ninguém se pode impor ou exigir. É preciso entrar nesse diálogo amoroso com Quem chama e, em plena liberdade, tomar uma decisão. Mas isso também não basta. Não sendo preciso ser “cavalo de raça”, é preciso ter capacidade para o ser, com tudo o que isso abarca, intelectual e moralmente. E como a vocação é uma realidade mediada, é necessário que a Igreja, pela pessoa dos seus responsáveis e pelas provas que se vão dando, aceite essa pessoa, pois não basta alguém dizer que se sente chamado e quer ser.

(NdV): Após 50 anos de sacerdócio, o que significa verdadeiramente uma vida dedicada à Igreja?

(A.D.): Significa entrega total, sem estar com um pé dentro e outro fora, sempre em obediência aos Bispos que fui tendo. Comecei por trabalhar na redação do Diário do Minho. Depois, D. Francisco Maria da Silva, Arcebispo de Braga, nomeou-me Pároco de Santa Marta de Portuzelo, em Viana do Castelo. D. Armindo Lopes Coelho foi aí convidar-me para Reitor do Seminário Diocesano, primeiro em Monção, onde também fui Administrador Paroquial da Paróquia da vila, depois em Viana do Castelo, no novo Seminário, com muitas outras tarefas que fui exercendo, simultaneamente, na Diocese de Viana do Castelo. Daqui, fui nomeado Bispo Auxiliar de Braga, em 2000, por São João Paulo II. Em 2008, por nomeação de Bento XVI, passei a Bispo de Portalegre-Castelo Branco, e cá estou, no fim de linha, vivo e escorreito, sempre aberto às surpresas de Deus e dos homens! São 50 anos! A olhar para trás, 50 anos não são nada, são um sopro. A olhar para a frente… 50 anos é muito tempo!…

(NdV): Em 2001, foi ordenado Bispo. Como recebeu a nomeação?

(A.D.): Fui nomeado em 2000 e ordenado em janeiro de 2001, junto ao túmulo de São Bartolomeu dos Mártires, para Auxiliar do Sr. Arcebispo de Braga, onde estive cerca de oito anos: de janeiro de 2001 a outubro de 2008. Daqui é que fui nomeado Bispo de Portalegre-Castelo Branco. A nomeação foi encarada com surpresa; foi o Sr. D. José Pedreira que me deu a notícia. Nunca fui contactado fosse por quem fosse, como, aliás, assim aconteceu quando, mais tarde, fui nomeado Bispo de Portalegre-Castelo Branco. E também nunca me apercebi de que alguém falasse sobre essa possibilidade de eu vir a ser eleito Bispo. Alguém, porém, deve ter tido a culpa; eu é que não, e até me custou ter de encaixar a ideia… e a realidade.

(NdV): Quais as principais diferenças entre ser Padre e ser Bispo? O que trouxe esta última nomeação à sua vida?

(A.D.): O ministério eclesiástico é exercido em ordens diversas, por aqueles que são chamados bispos, presbíteros e diáconos. A participação ministerial no sacerdócio de Cristo tem, de facto, dois graus de participação: o episcopado e o presbiterado. A ordenação confere aos bispos a plenitude do sacramento da Ordem, torna-os transmissores do múnus apostólico em comunhão com Pedro, o Papa, e com os outros bispos. Como sucessores dos Apóstolos, os bispos transmitem o múnus do seu ministério em grau diverso a diversos sujeitos, instituindo-os na Ordem do presbiterado, para serem seus cooperadores no desempenho da missão apostólica que lhes está confiada por Cristo, isto é, a missão de santificar, ensinar e governar a Igreja particular, a Diocese. Embora não possuam a plenitude do sacerdócio e dependam dos bispos no exercício do seu ministério, os padres estão-lhe unidos na honra do sacerdócio, são consagrados à imagem de Cristo, sumo e eterno sacerdote, para pregar o Evangelho, ser pastores dos fiéis e celebrar o culto divino como verdadeiros sacerdotes do Novo Testamento (cf. LG 28). A responsabilidade do bispo é diferente, mas tem no seu presbitério, no serviço dos diáconos e no povo de Deus, os seus valiosos cireneus.

(NdV): Está há 16 anos em Portalegre-Castelo Branco. Como descreve a experiência?

(A.D.): Tem sido uma experiência feliz, uma experiência cristã, pascal. O envolvimento tem sido de tal forma, que os anos passaram quase sem dar por isso. Não quero dizer que tudo quanto se fez devesse ser feito ou não pudesse ter sido feito melhor ou de outro modo. Foi o que foi, e pronto, ponto. Não há nada a fazer para remendar o passado, senão assumi-lo, e seguir em frente com alegria e esperança no gosto de servir. O que vou sentindo, de forma cada vez mais acentuada, sem remédio à vista, é o despovoamento e a fuga dos mais novos. O interior, mesmo que inspire poetas e oradores, não oferece condições para fixar as pessoas. O envelhecimento da população, com tudo o que isso arrasta de desertificação do território, é uma realidade. Fecham-se escolas e serviços públicos, abrem-se lares e alargam-se os cemitérios. O último, se não sofrer de Alzheimer, apagará a luz. Os autarcas e outras instâncias locais ou regionais, bem pelejam, persistentemente, pela região, mas não basta. O Governo ainda não está voltado quanto deveria, com vontade e determinação, para estas bandas. Para contentar a malta, vai-as salpicando com o cumprimento de algumas promessas feitas há décadas, já com barbas brancas. É certo que as políticas decisoras vão debatendo a situação e afirmando que agora é que vai ser; fica-lhes bem, mas logo ignoram aquilo que disseram, veem, sabem e todos lhe dizem.

(NdV): Recorda-se das diferenças encontradas quando entrou, comparando com as Dioceses de Braga e de Viana do Castelo?

(A.D.): A Diocese de Portalegre-Castelo Branco tem território de três distritos: Portalegre, Castelo Branco e Santarém, ou seja, Beira Baixa, Alto Alentejo e Ribatejo. É o rio Zêzere que lhe serve de fronteira, confrontando com as Dioceses de Guarda, Coimbra, Évora, Mérida-Badajoz e Cória-Cáceres. Depois de Évora e Beja, é a maior de Portugal, em território. Notam-se algumas diferenças de Província para Província, mas não tanto que possam pôr a cabeça à roda. Vive-se e convive-se normalmente, é tudo boa gente, gente delicada e atenciosa. A nível da prática religiosa, a não ser que eu ande muito distraído, não noto muitas diferenças, nem em relação ao Alto Minho. Se uns frequentam porque é costume, outros não o fazem porque não é costume; as razões são idênticas. O culto sem a cultura na fé, faz que Maria vá, ou não vá, com as outras. Outros, como em muitos lados, reduzem os rituais cristãos ao “testemunho” público da sua vida espiritual privada, só aparecem em procissões, festas e romarias. No resto, optam por “eu cá e Deus, me entendo”. Deles, regra geral, a colaboração não existe, embora haja boas exceções. Deus acaba por ser uma espécie de bombeiro, ao qual se bate à porta quando a casa está a arder. Boa parte, porém, graças a Deus, tem consciência de pertença à Igreja, procura formação, celebra a vida e as coisas da vida em Igreja, dando as mãos, seguindo juntos e ativos, animando e sentindo-se animada. Não vão à Igreja como quem vai ao supermercado, quando precisam ou a curiosidade o empurra. São Igreja, valorizam e agradecem a sua comunidade cristã como suporte da sua caminhada na fé.

(NdV): São 50 anos de vida sacerdotal. Viveu certamente momentos muito bons, mas outros difíceis. Em todo o seu percurso, o que foi mais difícil?

(A.D.): De facto, não é tudo linear, nem tudo é plano e fácil de percorrer, nem tudo é espinhoso e difícil de trepar. Há momentos de Sexta-feira Santa, há momentos de Domingo de Páscoa, coisa que toda a gente experimenta. No entanto, sempre procurei olhar as coisas pelo lado positivo. Não tenho nada que me tivesse marcado negativamente, a ponto de ficar a moer e a remoer, com azia e cara de vinagre. Mesmo que alguma vez acontecesse, está na minha maneira de ser e estar, não guardar coisas menos felizes, muito menos me queixar; tenho capacidade de encaixe. Por onde passei, procurei viver sempre a tempo inteiro e com alegria as tarefas que me estavam atribuídas, partilhando-as e fomentando a amizade entre todos, procurando que outros me ajudassem a remar a barca.

(NdV): Em 2021, em entrevista à Renascença, disse que ordenou três sacerdotes e já foi ao funeral de mais de 40. Como é que a Igreja olha para esta falta de vocações? O que falta ainda fazer nesta e noutras áreas?

(A.D.): Sim, nestes 16 anos só ordenei três sacerdotes e já fui ao funeral de mais de 50. Pergunta-me como olha a Igreja para esta falta de vocações. Essa pergunta, com toda a delicadeza, poderia devolver à senhora jornalista, pois também é Igreja. Esta situação diz-nos respeito a todos, como Igreja que somos. A Igreja pode viver sem este ou aquele padre, mas não pode existir sem o sacerdócio. O problema vocacional não é um problema dos bispos, nem dos padres. E, é um problema dos bispos e dos padres, sim, mas é um problema de toda a Igreja, de todo o povo de Deus. Toda a Igreja deveria sentir o problema vocacional como uma questão própria, e fomentar a cultura da vocação, a começar no seio familiar. Isso, de facto, habitualmente, não acontece. Mesmo no que se refere à vocação ao matrimónio, veja quem se importa com isso… Ninguém! E o que temos!?… A Igreja, porém, não perde a esperança; se a história é mestra, a Igreja sempre renasce dos momentos menos bons. É certo que, como costuma dizer-se, temos de fazer tudo como se tudo dependesse só de nós, mas na certeza de que tudo depende d’Ele e Ele está no meio de nós… Quando toda a Igreja acreditar, mesmo, que Ele está no meio de nós, quando a Igreja quiser e agir como o Senhor nos mandou, quando houver amor à camisola, a coisa mudará mesmo!…

(NdV): Em dezembro do ano passado, completou 75 anos. Pediu resignação? Como está a viver este momento? O que vai fazer depois?

(A.D.): Sim, no fim do ano passado cheguei à idade em que, pela força do Código de Direito Canónico, e de outros documentos da Igreja, devo apresentar a minha renúncia ao Santo Padre. Depois de ele a aceitar, decorre, através da Nunciatura Apostólica em Portugal, o processo para a nomeação de um novo Bispo. Será o Sr. Núncio Apostólico a desenvolver esse processo. Obedecendo a normas, ele consultará quem entender para melhor o fazer. Consultará Bispos, Sacerdotes, Diáconos, Membros da Vida Consagrada e Leigos da Diocese em causa e, possivelmente, da Diocese de origem do putativo candidato. Completado o processo e enviado a Roma, será o Santo Padre quem, regra geral de entre três nomes apresentados pela Nunciatura, nomeará o novo Bispo, podendo ser nomeado um Bispo já ordenado ou um Sacerdote a ordenar Bispo, de perto ou de longe. Aguardemos em jubilosa esperança, com serenidade, embora estejamos conscientes que a demora na substituição nem é positiva para a Diocese em causa nem para o Bispo que espera o sucessor. Após ser substituído, é evidente que irei fazer o que sempre fiz, embora noutra situação e circunstâncias. Não gosto de sair, ficando, acho que não é curial nem bonito.

(NdV): Que mensagem gostaria de deixar aos diocesanos neste, que é um momento festivo?

(A.D.): Que sejam felizes, mas que também façam por isso. A felicidade não é uma gorjeta que se nos dá como quem deita milho aos pombos. É uma conquista, exige luta, implica dizer não a muita coisa que nos apetecia fazer, implica dizer sim a outra que nos apetecia mandar às malvas, implica tirar as pantufas e saltar do sofá, não se colocar à janela a ver passar a banda. E embora Ele não se imponha, mas apenas se proponha, aconselho a que, sem preconceitos, se abeirem e conheçam cada vez mais Aquele que nos disse: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos … aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para o vosso espírito; o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (cf. Mt 11, 28-30).

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