CRAV, o clube arcoense que mostra que o rugby também é um desporto para mulheres

Este ano, nunca se falou tanto no rugby. A seleção nacional masculina fez história no Campeonato do Mundo de Rugby, e a feminina destacou-se na Europe Trophy. No Alto Minho, é o Clube de Rugby de Arcos de Valdevez (CRAV) a única associação desportiva que tem promovido a modalidade.

Micaela Barbosa
17 Nov. 2023 9 mins
CRAV, o clube arcoense que mostra que o rugby também é um desporto para mulheres

Inês Sousa é a capitã da equipa feminina sub-16 e sub-18. Tem 17 anos e está no CRAV há um ano. “Não conhecia o desporto e, depois dos meus colegas falarem, vim experimentar”, contou, descrevendo a experiência como “muito boa”. “Vive-se um clima de união entre a equipa e, acima de tudo, muito desportivismo”, salientou.

A jovem de Arcos de Valdevez confidencia que o facto de praticar rugby ainda faz alguma confusão aos colegas. “Muitos deles pensam que o rugby é um desporto agressivo e de muito contacto e, por isso, associam-no aos rapazes. No entanto, no rugby, tem de se evitar o contacto. As raparigas adaptam-se muito bem, assim como os rapazes”, assegurou, reconhecendo que ainda há um caminho a percorrer para mudar esta mentalidade, e trazer o rugby ao top de modalidades mais praticadas. “É necessário promover o desporto feminino e, essencialmente, junto das escolas, para que todos percebam que há lugar para todos em qualquer modalidade”, lamentando, contudo, a fraca adesão de adeptos nas bancadas nos dias de jogos de rugby. “Nos jogos dos rapazes, a bancada está sempre mais bem composta do que quando são os nossos jogos.”, reiterou.

Inês Sousa diz ser “muito apoiada” pelos pais e não esquece o que o rugby lhe trouxe: novas amizades, espírito de união e, sobretudo, respeito pela equipa, adversários e arbitragem.

Já Enya Gomes chegou ao CRAV com apenas cinco anos. Os pais eram fãs de rugby e, por isso, decidiram experimentar. Hoje, com 16 anos, está na equipa sub-18 e, recentemente, estreou-se pela equipa sénior. “Estava cheia de medo. Senti um peso enorme.”, confidenciou, assegurando que, depois de conversar com as colegas de equipa, tudo fluiu. “Elas acolheram-me muito bem e, quando estava a jogar, senti-me livre. O peso desapareceu e concentrei-me no jogo.”, afirmou.

Também natural de Arcos de Valdevez, a jovem enaltece o “bom” ambiente que se vive no CRAV. “As pessoas, aqui, são muito amigas, ajudam-se mutuamente e compartilham o mesmo espírito”, referiu, salientando a “boa” relação que se cria com as equipas adversárias.

Partilhando a mesma opinião de Inês, a jovem incentiva à experiência “porque só assim é que conhecem verdadeiramente o rugby”. “As pessoas têm ideia de que o rugby é um desporto bruto e, portanto, os rapazes são os que mais se adequam a esta ideia. As mulheres são mais delicadas, mas não é bem assim, até porque, enquanto mulheres empoderadas que somos, temos as mesmas capacidades para o rugby. Se gostam e querem praticar, devem fazê-lo.”, defendeu, lamentando a fraca massa adepta nos seus jogos, ao contrário do que acontece nos dos rapazes. “É preciso dar a conhecer a modalidade, explicando a missão do CRAV e os seus valores”, frisou.

“As jogadoras mais velhas querem ajudar as mais novas”

O treinador, Miguel Azevedo, já treinou a equipa masculina e está, agora, a treinar a feminina. Assegura que não há diferenças e que, muitas das suas jogadoras, são “mais brutas” do que os rapazes, e alguns deles, têm medo delas. “Sou treinador desde 2014. Comecei com os sub-16, estive com os sub-14 e, no ano passado, fui convidado para treinar a equipa feminina. Aceitei o convite de bom grado e o balanço que faço é positivo.”, disse, contando que o número de raparigas a inscrever-se no rugby tem aumentado. “Vê-se, ainda, que as jogadoras mais velhas querem ajudar as mais novas”, enalteceu.

O CRAV é o único clube do Alto Minho a promover a prática do rugby e, por isso, tem de procurar um campeonato fora. “Participamos nos torneios regionais entre Norte e Centro e, conforme os pontos, seguimos para os nacionais.”, explicou.

“Tudo é uma luta”

Catarina Galvão começou como jogadora de rugby aos 15 anos e, desde há seis anos, é diretora desportiva da equipa feminina. Os seus dois irmãos também praticaram, mas a vida levou a que deixassem. “Quando comecei a trabalhar reduzi aos treinos e, mais tarde, apercebi-me de que não conseguia jogar sem treinar e, por isso, comecei a ocupar outros cargos no clube”, recordou, contando que pratica TouchRugby. “Na altura em que jogava rugby, havia sempre colegas a questionar e a dizer ‘como é que é possível?’. Hoje, os colegas de trabalho percebem bem, porque são pessoas com uma cultura desportiva.”, afirmou, confidenciando que os seus pais não iam ver os seus jogos “por se tratar de uma modalidade mais agressiva”, mas hoje já assistem.

Com 34 anos, garante que o rugby lhe trouxe muitas amizades, muitos princípios, capacidade de trabalhar em equipa e de se abrir mais com os outros.

Apesar de o rugby ter evoluído desde há quase 20 anos, aquando da sua entrada no CRAV, Catarina sente que ainda há um longo caminho pela frente. “Antigamente, nem jogávamos rugby de 15. Éramos sete contra sete, porque não havia o mesmo número de atletas de hoje”, exemplificou, lamentando o reduzido número de equipes – sete – no campeonato de honra. “Com rugby de 15, trabalhamos em parceria com uma equipa do Porto. Só assim é que a equipa sénior consegue participar no campeonato.”, acrescentou.

Além disso, reconhece a dificuldade de manter as jogadoras na equipa sénior. “Das sub-16 e sub-18, temos um número considerável. Quando vão para a faculdade ou começam a trabalhar, acabam por sair.”, lamentou, especificando: “Ainda há muito para se fazer, mas, aqui, fazemos o que podemos. Começamos pelo recrutamento nas escolas, apresentando a nossa oferta. Para manter, é preciso um trabalho diário, falando com elas e percebendo se está tudo bem. Já com as seniores, é ainda mais difícil. Umas trabalham e outras estudam.”

As equipas femininas são maioritariamente compostas por atletas arcoenses, mas há três que são de Ponte da Barca. “Asseguramos o transporte da escola para os treinos e, no final, levamo-las a casa.”, justificou.

Até sub-14, as equipas são mistas, e só depois transitam para as equipas masculinas e femininas, embora o regulamento português permita jogos com equipas mistas até aos 16 anos.

Relativamente à desigualdade, Catarina Galvão diz que, a nível nacional, há equipas que ficam em segundo plano. “Imaginemos que precisamos de marcar um jogo… Os clubes que têm campo, se a equipa masculina não tiver jogo, podemos jogar. Caso contrário, temos de marcar para outra data”, exemplificou, falando dos apoios da Federação Portuguesa de Rugby. “Temos de lutar muito. Tudo é uma luta.”, atirou, agradecendo os apoios dos patrocinadores locais para o CRAV. “Notamos que nem é muito pela visibilidade que trará, mas pela vontade de ajudar.”, enalteceu.

A diretora desportiva defende ainda a criação de equipas de rugby no Alto Minho devido a um conjunto de condicionantes, nomeadamente, deslocações. “A equipa sénior terá de ir quatro/cinco vezes a Lisboa em poucos meses”, apontou, falando ainda na desigualdade que existe entre as equipas do norte e do centro do país. “Elas têm jogos entre si. Nós é que temos de nos deslocar até lá”, disse, reconhecendo a dificuldade de conciliar a vida pessoal e profissional com a vida familiar.

A visão de seguir uma carreira profissional no rugby é quase inexistente. “Temos uma atleta sénior que está na seleção há muitos anos. Já jogou no Sporting, mas nunca como profissional. Além disso, estudou medicina. Atualmente, é médica em Braga e, se lhe fizessem alguma proposta, acredito que não arriscaria. A prioridade dela é a medicina.”, especificou, explicando que, no país, já começa a ver-se uma ou outra atleta a singrar no rugby, mas são poucas. “Aqui, não há essa visão. E, nós, incentivamos a que estudem.”, acrescentou.

“O rugby é um desporto atrativo para qualquer género”

Ana Emília Pinto jogou rugby até há pouco tempo. Aposentou-se e, agora, treina a equipa sub-8. “A época passada voltei a jogar, mas nesta senti que, fisicamente, já não ia conseguir dar o meu melhor. Como não queria afastar-me do clube, dou apoio enquanto treinadora e diretora do feminino”, esclareceu, contando que o primeiro contacto com o rugby aconteceu na escola primária. No entanto, só aos 23 anos é que experimentou. ”Fiquei fascinada com o desporto. Senti-me acolhida na equipa e uma enorme vontade de aprender e evoluir para poder jogar”, afirmou, recordando as “inúmeras aventuras” nos “muitos quilómetros” em equipa. “O rugby trouxe momentos únicos de superação, princípios e valores que me acompanham no dia a dia, amizades… O rugby já faz parte da minha identidade. É um desporto que nos torna física e mentalmente mais fortes.”, salientou.

A treinadora confidenciou, ainda, que os valores que pretende transmitir às suas atletas são responsabilidade, disciplina, espírito de entreajuda e respeito por colegas de equipa, adversário, árbitro e treinador. “E, coragem para enfrentar os desafios e espírito de sacrifício, nunca esquecendo o respeito por nós próprios, que passa muito por reconhecermos os nossos limites”, acrescentou.

Sobre a presença das raparigas no rugby, embora seja menor do que nos rapazes, Ana Emília Pinto sente que a mentalidade está a mudar. “O rugby é um desporto atrativo para qualquer género e o rugby feminino tem evoluído e com qualidade”, considerou, defendendo a importância de os clubes continuarem a trabalhar para formar bons atletas e a promoverem o rugby na comunidade, para captar mais atletas.

A partilhar da mesma opinião que Catarina Galvão, a treinadora refere que, em Portugal, o rugby é “um desporto amador” e, por isso, “é difícil” fazer disso carreira. “Eu consigo gerir tudo o que faço por uma questão de prioridades, como tudo na vida. O desporto é um contributo fundamental para a minha saúde mental; por isso, na época passada, para poder voltar a treinar, lembrei-me que a solução mais fácil era levar as minhas filhas comigo. A mais nova, que tem cinco anos, treina e não quer faltar a um. Já a mais velha, só faz parte do movimento, como ela costuma dizer (risos), mas acompanham-nos nos jogos”, admitiu, reconhecendo a dificuldade e o cansaço. No entanto, nestas alturas, Ana Emília Pinto, lembra-se “sempre” que “ir para o campo é uma lufada de ar fresco no meio da azáfama do dia-a-dia e tudo passa”. “Estar no rugby e no CRAV é um privilégio para nós.”, frisou.

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