A Solidão

Bate à porta de muita gente. Parece que o homem virou ao contrário da vontade do Criador já que, segundo a narração bíblica “não é bom que o homem esteja só…”

Notícias de Viana
2 Dez. 2022 3 mins
A Solidão

Mas não admira, porque, no tempo em que vivemos, parece que tudo está ou anda ao contrário. Vivo numa zona protegida, mas nem assim fugimos à poluição, que parece nada ter a ver com a solidão, mas não é verdade. Ando por esses trilhos, caminhos, carreiros, por meio de bouças e pelas margens dos regatos, a fazer a minha caminhada diária, sempre que a meteorologia mo permite e os meus afazeres obrigatórios também, mas quase sempre, como dizem os nossos irmãos do Brasil, “arrumo um tempinho”.

Pois outro dia parei num dos braços do rio Coura, porque a teimosia dos letrados e conhecedores ainda não provou se o Rio Coura nasce na Chã de Lamas ou no Corno de Bico… e foi nos braços deste regato, que agora já parece rio, e que conheço há mais de cinquenta anos na geografia real, que encontrei outra solidão. Antes conhecia o contrário: a abundância, o cardume, não só dos relatos do Aquilino, quando na “Casa Grande de Romarigães” relata um daqueles almoços que os senhores de posses faziam, e nos quais estava sempre presente um ou outro membro do clero local.

Num deles, era o abade de Bico – hoje seria eu – que chamava os acólitos, dizendo:

– “Vamos à santa trincadeira…” e era um prato de trutas do Rio Coura que, de escabeche, eram de um gosto divinal. Quase como as do Xisto, nestas alturas, passe a publicidade, que bem a merece.

Pois hoje, não se pode saborear tal prato devido à solidão, e eu explico.

Passei então nas margens do Coura e nunca cá nas alturas, perto da nascente, tinha visto, ultimamente, o reluzir das trutas apressadas, remando contra a corrente, procurando os insetos.

Mas ontem, vi! Porém, tentando ver e rever, deparei só com uma – a solidão até no rio. Assim não há reprodução!

É a solidão dos humanos a passar aos peixes, é a saudade do passado de caminhos e trilhos cheios de gente, era o falar das pessoas no campo. Hoje caminho uma hora, agarrado ao meu terço, e nada… nem trutas nos rios, nem humanos nos trilhos… Não há gente, nem há trutas – apenas a solidão de um caminhante e uma truta no rio.

É o que há por cá… nas alturas do Corno de Bico e nas nascentes de águas muito abundantes do Coura!

E eu, que muito longe do Gadanha e nos regatos da minha aldeia, já apanhei enguias e trutas quando regava os campos da minha família nos meus tempos de menino, lá prás bandas de Monção.

Bem diferentes dos de hoje.

Então, a solidão não existia!

Hoje é que é o que se vê e o que se sente.

Mas não me sinto só, descansem. Ele e eu caminhamos juntos em diálogo secreto, através desta natureza, das palavras da Escritura, e das conversas virtuais.

Também lanço mão da lista do meu telemóvel para dar um “olá”, sobretudo aos que, como eu, viveram estas experiências e que agora estão mais parados por imperativos de saúde.

Penso ser possível aliviar a solidão de muita gente deste jeito.

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