25 de abril sempre: Serviço Nacional de Saúde (quase) SEMPRE!

Falar de Abril, é falar do fim da ditadura, é falar da liberdade. É celebrar a possibilidade de cada um se exprimir livremente. É celebrar a igualdade de acesso à educação para todos os portugueses. É celebrar o direito a um trabalho digno e justo e o reconhecimento dos direitos de todos os trabalhadores. É […]

Maria Luís Cambão
26 Abr. 2024 6 mins
25 de abril sempre: Serviço Nacional de Saúde (quase) SEMPRE!

Falar de Abril, é falar do fim da ditadura, é falar da liberdade. É celebrar a possibilidade de cada um se exprimir livremente. É celebrar a igualdade de acesso à educação para todos os portugueses. É celebrar o direito a um trabalho digno e justo e o reconhecimento dos direitos de todos os trabalhadores. É celebrar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Mas não podemos falar de Abril, sem falar de uma das suas maiores conquistas: o Serviço Nacional de Saúde (SNS), aquele que garante o acesso a um serviço de saúde universal e tendencialmente gratuito, assegurado pelo Estado, a todos os portugueses, de forma igual e transversal.

Se por vezes temos dúvidas, ou nos fazem duvidar, da importância do SNS, basta revisitarmos a história, para que todas as dúvidas se desvaneçam. Na década de 60, em Portugal, para além dos baixos níveis de literacia e da falta de acesso a cuidados de saúde, muitos dos principais indicadores do estado de saúde populacional estavam entre os piores da Europa. Por cada mil crianças nascidas vivas, 78 morriam com menos de um ano. Hoje, morrem 2,6 por cada mil nascidas vivas, número esse abaixo da média europeia. A esperança média de vida rondava os 60 anos, quando, atualmente, ultrapassa os 80. As doenças infetocontagiosas eram o mais comum e a população vivia entre tifo, varíola, tuberculose e as simples gripes que provocavam a morte.

O direito à saúde surge a primeira vez em 1971, quando o Decreto-Lei n.º 413/71, que promulga a organização do Ministério da Saúde e Assistência, explicita princípios “como sejam o reconhecimento do direito à saúde de todos os portugueses, cabendo ao Estado assegurar esse direito, através de uma política unitária de saúde da responsabilidade do Ministério da Saúde, a integração de todas as atividades de saúde e assistência, com vista a tirar melhor rendimento dos recursos utilizados, e ainda a noção de planeamento central e de descentralização na execução, dinamizando-se os serviços locais.”. Contudo, só após a revolução de abril surgiu a força política necessária para dar os primeiros passos na criação do SNS, que colocou em prática o direito à saúde, até então só expresso em decreto. Um sistema de saúde com objetivos muito democráticos – universalidade, generalidade e gratuitidade. Até aí, o acesso a cuidados de saúde estava reservado aos poucos que descontavam para a Caixa de Previdência ou aos que tinham capacidade económica para aceder aos serviços privados. Os hospitais estatais localizavam-se nos grandes centros urbanos e um ou outro fora daí, ligado às misericórdias.

Tornava-se claro que ter uma força de trabalho doente comprometeria a própria produção económica do país. Não era aceitável deixar o interior pobre do país sem acesso a cuidados de saúde. Surgiu, assim, o projeto sem o qual, provavelmente, hoje não existiria SNS como o conhecemos – o Serviço Médico à Periferia (SMP). Este, que é a pedra basilar do SNS, surge em 75, em pleno Verão Quente, movido não só pelas exigências das populações dos subúrbios por serviços públicos, mas também pela luta dos jovens médicos por carreiras e por um SNS. Foram os médicos que se auto-organizaram, deslocaram aos concelhos mais necessitados e, juntamente com as populações locais, criaram condições mínimas de alojamento (muitas vezes precárias) e avaliaram as infraestruturas existentes necessárias ao arranque do SMP. Ficou, então, consagrado, na Constituição de 1976, que todos os recém-licenciados em Medicina que quisessem ingressar na carreira médica, teriam que prestar um ano de serviço na periferia, conseguindo-se, assim, uma cobertura médica e hospitalar de todo o país, lei que permaneceu até 1982. Ainda hoje, quando lemos testemunhos de quem prestou SMP, conseguimos perceber a felicidade com que se trabalhava dia e noite. Todos o descrevem como um tempo “inesquecível”.

Apesar do serviço público de saúde português, o SNS, só ter visto a sua consagração legislativa em 1979, na conhecida lei de Arnaut, todos reconhecem que o seu nascimento data quatro anos antes, com o SMP.

E hoje, 50 anos depois, onde estamos? Passamos de um país com um estado de saúde debilitado, para um com um sistema de saúde que ocupa o 25º lugar do Mundo (Health Care Index, 2023). Mas se hoje estamos aqui, também é verdade que já estivemos numa posição melhor. E urge pensarmos porquê. Se há 50 anos tínhamos profissionais motivados na prestação de cuidados de saúde que chegassem a toda a população, hoje temos profissionais desmotivados, a lutar constantemente por melhores condições de trabalho e por uma progressão na carreira. A saída de médicos do serviço público para o setor privado ou para a emigração, é uma constante.

A verdade, é que a saúde em Portugal só voltará a melhorar quando percebermos que este não é um problema dos médicos, mas sim uma luta que tem que ser de todos. O SNS não sobreviverá sem profissionais satisfeitos e motivados. Voltaremos 50 anos atrás, com um sistema de saúde pobre e apenas para os mais pobres. Por isso, é cada vez mais importante que todos tenhamos uma responsabilidade e participação ativa na nossa saúde.

Ainda e apesar de todo o desinvestimento dos últimos anos na área da saúde, sabemos que foi Abril que permitiu que chegássemos a um serviço público que rivaliza com os melhores do mundo e, por isso, lembramos com muita gratidão os que por ele lutaram.

 Como li num testemunho dado a Raquel Varela, no livro “Uma Revolução na Saúde”, o resultado foi um “outro país, onde mais ninguém teve de ir ao médico, tocar-lhe e dizer-lhe ‘Estou bem, só vim aqui porque nunca tinha visto um médico na vida’”. Por isso, não deixemos que o SNS se torne um SNS de quase sempre.

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