Queremos príncipes ou jovens reais?!

“Educar é apostar e infundir no presente a esperança que rompe os determinismos e fatalismos com que muitas vezes o egoísmo do forte, o conformismo do vulnerável e a ideologia do utopista se querem impor como único caminho possível” (Certeau, 2010).

Notícias de Viana
29 Out. 2021 8 mins
Queremos príncipes ou jovens reais?!

Em tempos de desumanização, o desafio a Ser tenta responder ao avanço técnico que temos verificado nas sociedades atuais e que domina o espetro organizacional, incluindo as escolas. Na educação para o ser, a redescoberta da identidade, como seres únicos e não uma projeção dos educadores, é o primeiro passo para a maturação contínua da personalidade onde vários interlocutores estão presentes, desde a família, a escola ou a própria comunidade eclesial onde está inserida. A família assume-se como o primeiro lugar onde somos aceites, de forma incondicional. Por sua vez, a escola dota-nos de chaves que nos permitem interpretar o mundo que nos rodeia, articulando o passado, o presente e o futuro. A comunidade eclesial desenvolve a dimensão espiritual da pessoa, na redescoberta do eu. O conhecimento de si mesmo permite ao ser humano a abertura ao outro, ser com, que em contexto escolar favorece a aprendizagem cooperativa e a descoberta do ser para, a procura do sentido, onde os interlocutores família, escola e comunidade propiciam o desejo do absoluto, o êxodo de si mesmo, no exercício da liberdade individual.

Como educadores temos de fomentar a educação para o Ser, para que as gerações mais novas tenham a possibilidade de desenvolver a sua personalidade e estar à altura de agir com cada vez maior capacidade de autonomia, de discernimento e de responsabilidade pessoal. Também temos na Escola a persecução do Perfil dos Alunos à saída da escolaridade obrigatória de base humanista, orientado pela dignidade humana e pelo cuidado das relações interpessoais, a educação para o Ser assume um papel preponderante no currículo das disciplinas, que se pauta, em grande parte, pela educação para os valores. O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória é o documento de referência para a organização do sistema educativo, sob o qual se devem basear as decisões relativas ao desenvolvimento curricular e que pretende ser uma orientação significativa para a reflexão sobre o que é relevante nos diversos contextos educativos. Pretende ainda contribuir para a definição de estratégias, metodologias e pedagogias a utilizar em contexto letivo, apesar da sua natureza abrangente. Sendo um documento norteador é por isso um compromisso de todos os agentes educativos. No entanto vários estudos já realizados demonstram o desconhecimento de grande parte dos pais e encarregados de educação em relação a este documento. Na sua especificidade, a Igreja Católica contribui também com a disciplina de Educação Moral e Religiosa Católica onde se contribui de forma direta para a construção de competências éticas e sociais plurais; para a humanização e inculturação dos(as) alunos(as); para compreender os fundamentos civilizacionais, culturais, independentemente, das crenças.

Tal como em outras organizações, na escola, o fundamental são as pessoas e a qualidade da relação entre as mesmas. O êxito não vem apenas das pessoas. São as relações que fazem a diferença. Os diferentes atores educativos devem sentir-se envolvidos de forma colaborativa e subsidiária. Nessa medida, é relevante torná-los participantes ativos da escola da qual fazem parte, sendo que a participação na conceção, realização e avaliação dos documentos que a sustentem e, sobretudo, orientem rumo a determinados objetivos, devem ser consideradas de uma forma perentória. E quando falamos de envolvimento, falamos do envolvimento de todos aqueles que compõem a comunidade educativa.

Será que a escola tem cumprido a sua tarefa?!

A escola ainda não cumpriu o seu pleno potencial na tarefa incomensurável de esbater a relevância do contexto de nascimento na realização do projeto de vida de cada aluno. Ainda persistem muitas desigualdades postas a nu, mais recentemente, pelas dificuldades derivadas da pandemia. 

Após longos períodos de interrupção da atividade letiva normal e ensino à distância as nossas escolas voltaram-se a encher de alunos com vontade de encontrar os amigos, de marcarem presença. No entanto, e sem generalizar, estes alunos voltam à escola com comportamentos já, anteriormente, evidenciados. Há uma apatia generalizada e crescente em relação ao aprender; ao conhecimento e envolvimento na construção de uma sociedade proativa.

Depois de tão assolador acontecimento todos pensamos que as pessoas voltariam diferentes às suas vidas; aos seus hábitos e rotinas; voltariam mais empreendedores, confiantes e despertos para um mundo diferente e mais próximo de cada um. Não é o que constatamos todos os dias e não é o que contatamos na escola. A escola vive um momento crucial de desejo de normalidade; de espaço de verdadeira aprendizagem; de território de tolerância e ambiente pacífico e respeitador; de mentes abertas ao saber.

Estamos perante toda uma geração que olha para a escola, sem correr o risco da generalização, com indiferença, sem envolvimento por inteiro, que mesmo procurando adquirir conhecimento, apenas o fazem para alcançar o objetivo da avaliação, mas sem envolvimento humano. Sabemos que, como professores, nos encontramos perante uma geração digital com elevados índices de literacia tecnológica, mas que nem sempre se traduz em literacia digital ou em literacia da informação. Os professores não precisam de ficar intimidados com a forma como os jovens utilizam a tecnologia devendo antes importar-se com a forma como a tecnologia pode ser, de facto, integrada no processo de ensinar e aprender. Ao mesmo tempo, pais e alunos devem refletir sobre a forma como dominam as tecnologias digitais e se estas os ajudam a formar no Ser. 

Vivemos tempos em que o virtual ocupa o presencial. Em que o contacto físico se fez substituir e trazer ao de cima o melhor e o pior de cada um de nós. Por onde passa a tão discutida inclusão nestes círculos giratórios em todos os nossos contextos e nomeadamente no espaço escola?

Deste modo, e sem dúvidas, o funcionamento do elevador social será tanto mais benéfico quanto melhor operar a escola, nomeadamente a pública. Quanto à inclusão, recordo o recente Decreto-Lei 54, cuja bitola de Escola Inclusiva trouxe alterações às condições da prática docente, incrementando sobremaneira o seu alcance e exigência. Neste campo, a escola tem o desafio decisivo de ser força motriz de inclusão, alinhada com os Direitos Humanos e o bem comum. Por fim, a ecologia integral: num tempo em que as consequências da pegada humana se fazem sentir negativamente em diversos fenómenos globais. Não resisto a recorrer a uma figura da minha área original de formação, o Papa Francisco, que propôs um apelo bem fundamentado e sistematizado a este respeito na sua carta encíclica “Laudato Si”, nos seguintes termos: «Lanço um convite urgente a renovar o diálogo sobre a maneira como estamos a construir o futuro do planeta. Precisamos de um debate que nos una a todos, porque o desafio ambiental, que vivemos, e as suas raízes humanas dizem respeito e têm impacto sobre todos nós.»(Francisco, 2015 no 14). Neste capítulo, a escola não pode ficar à margem.

Nenhum de nós pensa num mundo melhor sem uma aposta e um compromisso global na educação das novas gerações. Sem romper definitivamente com uma geração de príncipes e princesas em que o sofrimento e sacrifício diário da própria família lhes passa à margem. Necessitamos romper com este discurso por vezes oco e bacoco de facilitismo com os nossos filhos, com os nossos alunos.

Neste sentido, é função da escola, enquanto agente promotor de educação, dotar os seres humanos de ferramentas que os habilite e capacite para intervir de forma consciente numa sociedade e num mundo em constante evolução. 

A educação é o ponto mais importante para a construção de uma sociedade responsável, com atuação cidadã e que possa batalhar por melhores oportunidades, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. O processo educativo iniciado desde os primeiros anos de vida da criança é responsável pela formação do potencial académico e cultural daquela pessoa, e também contribui para a formação do caráter e capacitação das suas habilidades cognitivas e sociais.

Os pais devem ter consciência de que: o que os vossos filhos fizerem, ou não, durante a infância e juventude, ou antes dela, vai moldar o cérebro deles. Aprender uma atividade que implique autocontrolo ou estar sentado a olhar para ecrãs tem resultados distintos. Aquilo que fizermos na adolescência e o tempo que investirmos nisso serão determinantes na construção das reservas cognitivas e anatómicas do cérebro e na forma como ele também envelhece. Não podemos criar e potenciar seres humanos acríticos, frágeis em relação às dificuldades, nem príncipes que esperam que os pais os alimentam uma vida inteira e lhes resolvam todos os problemas. A vida esgotasse…ao atuar desta forma não estamos a contribuir para um futuro de sonho dos mais jovens, mas sim, para um pesadelo de convivência isolada, sem sentido e sem recursos emocionais, psíquicos, de competência e sobrevivência.

Apostemos, todos, em ser educadores para o pensamento crítico e cívico!

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