Luís Nobre: “O meu percurso foi sempre muito racional, pragmático e pouco holístico”

Desde 2021 que Luís Nobre é o presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo. Apesar de ter sido o segundo ano em que o PS venceu com maioria absoluta, só conseguiu cinco mandatos para o Executivo municipal. Menos um que em 2017.

Micaela Barbosa
28 Mar. 2024 13 mins
Luís Nobre: “O meu percurso foi sempre muito racional, pragmático e pouco holístico”

Com projetos realizados e outros em marcha, o autarca espera que 2024 seja “um ano determinante em termos da evolução e execução” porque há “grandes projetos”, como a nova via de acesso ao Vale do Neiva e a nova ponte sobre o rio Lima, que “ainda não estão em obra” devido à sua “complexidade”. “Estas duas intervenções são estruturantes para o desenvolvimento do concelho, não só na resposta ao nível rodoviário e na facilitação dos acessos aos agentes económicos e à população, mas também na melhoria dos indicadores económicos”, salientou, acrescentando que potenciará “estruturas rodoviárias de primeiro nível”, como é exemplo a A27.

Luís Nobre destacou ainda que, na habitação, houve um reforço no investimento e, atualmente, o Município tem “mais de 18 milhões de euros” em obra.

Notícias de Viana (NdV): Desde 1994, o PS tem vencido as eleições na Câmara de Viana do Castelo. Se formos consultar os dados disponíveis sobre grandes empresas a operar no distrito, como a BorgWarner, a DS Smith ou a Safe-life, percebemos que têm 1.250, 356 e 1.000 trabalhadores, respetivamente. Segundo o Orçamento para 2024, só contratos de trabalho por tempo indeterminado na Câmara, o Município tem 1.234 postos de trabalho, pensando criar 118, extinguir 12 e ocupar 495. Estes dados não mostram que, durante estes 30 anos, houve uma incapacidade de potenciar empregos fora do sector do Estado?

Luís Nobre (LN): Rebato essa questão. O paradigma do tecido empresarial no nosso concelho, hoje, é muito diferente. O PS recebeu uma zona industrial desqualificada. Neste momento, tem cinco e projetadas quatro, e está a criar infraestruturas para potenciar não só as que estão, mas também criar condições para o aparecimento de outras, como a de Barroselas e Vila Fria, ampliar a de Deocriste e Lanheses, e dar densidade à de Nogueira e Cardielos. Ou seja, temos um tecido empresarial muito diferente. Hoje, temos 10 mil empresas à nossa escala.

A evidência do sucesso da estratégia do PS para a área económica está em duas coisas: as empresas referidas, que estão presentes no território, passaram recentemente por um processo de reinvestimento. Por exemplo, a Mephisto, a Browning e a Uchiyama reinvestiram milhões de euros. Atualmente, a DS Smith está a reinvestir 145 milhões de euros na fábrica. Isto é o melhor indicador de segurança que os agentes económicos têm no território, da confiança que têm na administração, seja pelos seus incentivos, seja pela segurança ao nível da governança. Portanto, há uma relação de confiança entre os agentes económicos que estavam no concelho e a administração de governança neste momento.

Neste período, sei que alguns intervenientes do nosso território têm dado nota de uma ausência de densificação de crescimento e de diversidade e resiliência do nosso tecido económico. Nós não temos só quatro ou cinco. Só de multinacionais, temos mais de 28, [refere algumas]. Fiz este exercício que mostra que há um universo de empresas/agentes económicos que, pela confiança e ambiente positivo que sentem pelo concelho, reinvestiram ou estão a reinvestir. E o nosso tecido económico foi densificado com um conjunto de players internacionais que nos dão segurança absoluta para consolidar a estratégia que tem vindo a ser trilhada e refletida nas atividades do Plano e Orçamento. Para o ano, é uma das grandes áreas de investimento, criando mais espaços mais qualificados.

E mais, hoje, as nossas áreas de acolhimento empresarial são áreas de excelência. Isto só no plano industrial. Poderíamos também falar do plano partilhados, tecnológico, inovação e desenvolvimento, que hoje existe e não existia no concelho.

Criámos condições para que os agentes económicos que estavam cá se mantivessem e, depois, que aparecessem outros players que enumerei. Não esquecendo os investidores locais como Painhas, Metaloviana e Lopes e Caldas. Por exemplo, na área da metalomecânica houve uma transformação, densificação e capacidade à escala nacional e internacional. Agentes económicos de Viana do Castelo que, hoje, têm relações económicas e comerciais à escala mundial. Isso não existia.

Também não é por acaso que estamos no top 10 na escala nacional. Somos dos concelhos mais exportadores. É porque temos condições de robustez económica e de transações de bens que nos colocam no topo.

(NdV): Recentemente, uma área do parque da cidade tornou-se disponível para construção, criando uma oferta habitacional que, claramente, não é acessível a todos. Recentemente, a Câmara Municipal libertou área do PDM (Plano Diretor Municipal) para construção de 225 habitações. A Câmara consegue garantir que esta será uma habitação socialmente acessível?

(LN): Não é só essa. Há uma coerência no PS relativamente às políticas de habitação, e elas não só assentam no 1º Direito e nos mais de 51 milhões de euros que estão contabilizados. Ela centra-se noutros conjuntos de apoios e incentivos que temos criado: desde logo, somos o único concelho com 10 áreas de reabilitação urbana, que não só nos comprometem com intervenção e requalificação do espaço público, mas também com a criação de condições, nomeadamente, ao nível fiscal, para que os proprietários e investidores no domínio da habitação possam ter condições mais favoráveis, como o IVA, que deixa de ser 23% e passa para 6%. Ou seja, criámos condições favoráveis para quer os proprietários, quer os investidores do sector, assegurando um ambiente seguro de estabilidade fiscal e de segurança ao nível das taxas e impostos. Além disso, têm vantagens ao nível do IMT.

Defendemos uma política fiscal que, com a estratégias de redução ou incentivo, impacte e influencie de forma positiva os vários sectores, neste caso, o da habitação. E, temos também a isenção de taxas para quem construir em lotes já infraestruturados. Existem loteamentos pelo nosso concelho que, quem construir aqui, não paga taxas.

Temos ainda isenção de taxas para agregados familiares até aos 35 anos. Temos apoiado o movimento cooperativo em Viana do Castelo, quer nos projetos que já aconteceram, quer naqueles que estão em desenvolvimento, e são vários, como, por exemplo, em Lanheses, em Areosa e em Santa Marta. Estes são os mais avançados, mas temos outros. Ou seja, garantir o apoio na construção dos seus empreendimentos.

Aprovámos um regulamento de atribuição de espaços de construção no concelho para que os vianenses com rendimentos superiores a 1.700 euros possam ter condições de ter uma resposta. E estamos a trabalhar noutros projetos, chamando parceiros privados. Há um deles, que ainda não posso revelar, mas que vai dar uma resposta significativa.

As nossas respostas têm sido integrais e complementares. Temos densificado porque acreditamos que, ao criar condições para todos, há várias soluções em qualquer ponto do concelho, optando por aquela que mais lhe interessa. Por isso, atuamos também na administração de gestão e planeamento, olhando o território e dando respostas, não só ao proprietário como aos agentes do sector.

Surpreende-me que, muitas vezes, como na proposta referida na questão, a oposição vote contra. Não compreendo. Por vezes, apelam à alteração do PDM. Isto é atuar no território. Pegar numa parte dele e criar condições administrativas e de planeamento, com os recursos territoriais certos, para que o espaço possa ser reestruturado, valorizado e colocado no mercado, aumentando a oferta.

(NdV): Algo que tem sido notório, é o aumento de tráfego na cidade, tornando, por exemplo, o hospital dificilmente acessível em horas de ponta, até pela falta de corredores de emergência. A Câmara tem algo pensado para o efeito?

(LN): A própria intervenção que fizemos na avenida 25 de Abril, junto à parte inferior do funicular, foi para facilitar o acesso às vias de emergência.

Hoje é uma realidade e, muitas vezes, é discutida, desejar essa possibilidade, que era o aumento da população na área urbana. Isto também tem convenientes, nomeadamente, ao nível da mobilidade. Eu diria ainda que não estamos numa situação crítica, mas estamos a interpretar, e temos feito alguns ajustamentos ao nível das regras de trânsito (sentidos e sinalização vertical e horizontal), no sentido de mitigar essa evolução e crescimento.

Estamos também a terminar o nosso Plano de Mobilidade Urbano Sustentável para trazer alguns indicadores relativamente às soluções e às opções que vamos ter de criar e tomar. Portanto, estamos atentos e a trabalhar. Não tomamos medidas avulsas, e há também que perceber que, se há aumento da população, vão aumentar naturalmente os fluxos.

Agora, podemos ainda estar mais disponíveis, em alguns percursos, para os fazer a pé, contribuindo para os indicadores de saúde e ambientais. Isto também faz com que haja a apropriação do espaço público.

A cidade requalificou-se, para disponibilizar ruas, praças, áreas pedonais muito mais favoráveis para que pudéssemos caminhar na nossa cidade. Não podemos, agora, não o fazer. Temos de caminhar mais, andar de bicicleta, e usar outros meios que nos facilitem e permitam deslocar mais rápida e confortavelmente.

É mais uma situação em que tem de haver o contributo de todos, face à nova realidade. E, por isso, se tivermos mais pessoas na área urbana, vamos ter também um processo de mobilidade mais exigente, complexo e denso.

(NdV): Seguindo a vida pública em Viana do Castelo, fica-se com a sensação de que são sempre os mesmos a gerir quase tudo. Ainda em janeiro, por exemplo, ficámos a saber que a Associação Empresarial de Viana do Castelo (AEVC) vai liderar a Comunidade Portuária de Viana do Castelo. Isto é excesso de competência, ou falta de cultura democrática?

(LN): A entidade portuária não é uma entidade municipal. É uma entidade criada pelo Governo para criar um espaço de interpretação, auscultação e garantia de todos os interesses: do Porto de Mar e de todo o seu espaço envolvente. Neste sentido, todos os agentes foram chamados. Há representantes da Administração dos Portos do Douro, Leixões e Viana do Castelo (APDL), AEVC, agentes transitários e agentes económicos que interagem com o Porto de Mar, a Comunidade Intermunicipal (CIM) do Alto Minho e também do Município.

Todos os agentes se autopropõem para cumprir e gerir os mandatos. O Município foi convidado para manter a presença na Assembleia Geral. Aceitei. Defendo que temos de estar neste órgão mantendo uma relação de proximidade, porque é do nosso território e da nossa cidade. Temos responsabilidades de gestão, tendo um papel ativo na evolução e avaliação do que é hoje o Porto de Mar.

As entidades envolvidas entenderam apresentar uma lista. Não houve mais nenhuma. Qualquer um destes agentes podia ter apresentado uma. Na minha opinião, o Município e a CIM do Alto Minho não fariam sentido, porque desempenham papéis que lhes dão alguma representatividade e de acompanhamento, como a Assembleia Geral. A AEVC é um dos parceiros. Apresentou uma lista.

O presidente da Câmara e o Município não têm nenhuma ação direta sobre a candidatura da AEVC para liderar. Nisto, estou absolutamente confortável. Todas as entidades têm funcionado. Não influencio. A única responsabilidade que tenho é sobre a minha equipa no Executivo Municipal e na Assembleia Municipal. Ou seja, que resultou da candidatura autárquica. Nas outras situações, não posso opinar. Naturalmente que podem pedir-me opinião ou onde temos responsabilidade direta. Para sermos ouvidos, dou a minha opinião com toda a frontalidade, sempre na perspetiva da competência, porque sei que os vianenses exigem de mim e do Executivo e, por isso, é isso que tenho de pedir e às outras instituições. E, se estivermos melhor nessas instituições, também funcionarão melhor e irão ajudar-nos para que tudo aconteça dentro da dinâmica e da virtualidade que pretendemos para esta ação coletiva.

(NdV): Defensor Moura foi deputado pelo PRD e candidato à presidência da República em 2011, quando havia já um candidato do PS, Manuel Alegre. José Maria Costa teve uma aproximação juvenil ao CDS e apoiou António José Seguro contra António Costa, de quem foi Secretário de Estado. Luís Nobre apoiou José Luís Carneiro. O PS, em Viana do Castelo, é o “bom malandro” dos socialistas portugueses?

(LN): Não é “bom malandro”. O PS é um partido livre no pensamento e na ação. Há um conjunto de valores nos quais me revejo absolutamente, como liberdade, igualdade, democracia e direitos humanos. Nunca serão colocados em causa por mim. Agora, eu sou livre de pensamento para ter uma ação de cidadania e política. No que é o plano local, colocarei sempre os interesses dos vianenses sobre a minha condição partidária ou orientação ideológica. Muito recentemente, fi-lo, e os vianenses sentiram a minha forma de estar e de agir e os resultados que refletem.

É sempre nessa perspetiva que vou. Sempre num pensamento livre, respeitando os princípios. Tenho um fio condutor muito claro na minha vida. O meu percurso foi sempre muito racional, pragmático e pouco holístico.

Os partidos têm essa dinâmica. Os líderes vão-se alterando. Cada líder tem as suas perspetivas. Deu nota de duas personalidades que lideraram o PS no concelho com toda a excelência e competência num princípio de complementaridade, de atualização do que foi o exercício de cada um deles e que transformaram Viana do Castelo. Eu orgulho-me e revejo-me em que há áreas estruturais e, em algum momento, serão abandonadas. Serão reorientados e consolidados, porque acreditamos que elas são altamente determinantes para o coletivo na aposta da educação, da área social, do desenvolvimento económico, da requalificação do nosso património, da projeção nacional e internacional, da requalificação dos nossos centros cívicos, da disponibilização de infraestruturas e da qualificação do território como um todo. Não é só na área urbana. É em todo o concelho. Isto não tem a ver com personalidades e desencontros. Isto tem a ver com o que é essencial e estrutural, dando densidade e continuidade com liberdade de pensamento e da opção do que acreditamos, naquele momento, ser melhor.

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