Seminário Maior, uma casa que questiona certezas através do discernimento

Discernimento é, talvez, a palavra que mais se ouve nos testemunhos de seminaristas. Em Braga, no Seminário Conciliar de São Pedro e São Paulo, são mais de 40 os jovens que procuram respostas para as suas inquietações vocacionais. No interior do edifício, destaca-se a Capela Árvore da Vida, diversas vezes premiada, e que ampara os seminaristas ao longo da sua caminhada. Um lugar discreto, feito em madeira onde cada recanto, cada objeto litúrgico provoca e interpela. João Cruz, Renato Costa, Flávio Gonçalves, João Santos, João Cerqueira, Saúl Narciso, Rodrigo Ferreira e Rúben Oliveira são oito dos nove jovens vianenses que estão no Seminário Maior para completar a sua formação.

Notícias de Viana
5 Nov. 2020 12 mins
Seminário Maior, uma casa que questiona certezas através do discernimento

“Trata-se de um caminho que se vai fazendo e percorrendo”

No quarto ano de Teologia, João Cruz admite que ainda está “num caminho de descoberta”. “Não é algo para que se tenha uma resposta formulada e precisa. Trata-se de um caminho que se vai fazendo e percorrendo e, com o tempo, a resposta vai-se dando”, disse. Renato Costa está no mesmo ano e lembrou a sua vinda para o Seminário no 7º ano. “Desde pequeno, fui conhecendo a realidade de ser padre. Além disso, as pessoas iam-me incentivando até que, no 6º ano, comecei a pensar porque não entrar para o Seminário e conhecer um pouco mais desta realidade. Falei com os meus pais e com o meu Pároco e fiz o pré-seminário e, mais tarde, o seminário. Hoje, estou ainda a fazer o meu caminho, em que a formação é permanente”, contou. Já João Santos namorava quando tomou a decisão de entrar para o Seminário. “De manhã, estava com a minha namorada e, de tarde, ia à Eucaristia. Aí sentia uma enorme paz e, por isso, comecei a questionar-me sobre a minha vinda para cá”, explicou, acrescentando que também está a procurar respostas, se este é ou não o seu caminho.  

Na reta final, Flávio Gonçalves está no 5º ano de Teologia e confidenciou que, quando tomou a decisão de vir para o Seminário, estava “numa indecisão bastante grande”. “Não sabia se queria entrar ou não, mas antes de entrar para o 12º ano, decidi arriscar.  Achei que haveria ali um discernimento a fazer e que o melhor caminho era no Seminário e, por isso, entrei”, contou. 

No terceiro ano, João Cerqueira recordou que a interrogação do sacerdócio foi colocada por uma catequista. “Ela decidiu que os rapazes iam todos acolitar e, mais tarde, o meu Pároco também aproveitou a deixa e perguntou-me se queria ir para o Seminário. Fiz dois encontros de pré-seminário e depois, decidi arriscar e entrei”, lembrou.

Saúl Narciso está há 11 anos no Seminário e assegura que a vontade de ser padre se mantém desde muito cedo, mas agora com mais certezas. “Quando tinha cinco anos, costumava ir à Missa com a minha avó. Fascinava-me a imagem do meu Pároco no altar. Estava sempre alegre e feliz e queria ser como ele. No 7ºano, uma senhora da minha Paróquia questionou-me sobre a entrada no Seminário e nem hesitei. Fiz o pré-seminário e no 7º ano entrei para o seminário”, contou, admitindo que gostava de tê-lo feito mais cedo. “Desde os cinco anos que dizia que queria ser padre. Hoje, com 22 anos, digo que quero ser padre com as mesmas palavras, só que saem de coração. São muito mais maturadas e discernidas”, salientou. Já Rodrigo Ferreira confidencia que “não achava seca ir à Missa” como todas as crianças, e que encontrou um fascínio pela vida vocacional quando via o seu vizinho a rezar. “No dia 14 de fevereiro, na escola, tivemos que escrever uma carta às namoradas. Não fiz, e disse à professora que queria ser padre. Falei com os meus pais e com o meu Pároco, mas acharam que seria cedo e, por isso, só no 9º ano é que fiz o pré-seminário e no 10º entrei para o seminário”, contou, admitindo também que tem a mesma vontade de ser padre.

Há quase dois meses no Seminário Maior, Rúben Oliveira admite que a dúvida já existia “há alguns anos” e, por isso, quis conhecer o Seminário para perceber como é a vida de um padre. “Resolvi este ano falar com o meu Pároco para discernir se esta é a vontade de Deus”, afirmou, adiantando que ainda está “num processo de habituação”. “A perceção que tinha do Seminário era diferente. Algumas pessoas não são assim tão religiosas e, acima de tudo, são pessoas que aceitam a minha decisão. No entanto, não deixa de ser ainda tudo novo para mim, mas já fiz algumas amizades”, confidenciou.

“Viver o celibato foi também uma escolha minha”

Do outro lado, são muitos os comentários que se ouvem acerca da vida de um seminarista. João Cruz começou por desconstruir a imagem, segundo a qual, os seminaristas são “mais santos do que os outros” e assegura que têm uma vida “completamente normal”, continuando a ser eles próprios. “Possivelmente, rezamos mais um bocado do que os outros, porque temos a liturgia diariamente, mas posto isto, é como no exterior. Temos também a nossa oração pessoal, estudamos, lemos e etc.”, exemplificou, brincando: “Em minha casa, a minha mãe diz-me para fazer a cama, aqui ela não diz nada, mas faço-a na mesma.” 

Já João Santos vai mais longe, e fala da ideia de clausura e da falta da liberdade. “Ao aceitar os votos, como é exemplo o de celibato, não me estou a privar de nada. Tenho conhecimento que seguir este caminho implica isso e, portanto, viver o celibato foi também uma escolha minha e, ao sê-la, há liberdade”, enalteceu.

“Nunca fomos privados de viver a nossa infância”

A transição do Seminário Menor para o Maior implicou “algumas mudanças” na vida de João Cerqueira e de Rodrigo. “O Seminário Maior é um tempo em que nós, mais diretamente, alinhamos a questão num sentido mais profundo e de avançar num caminho. Ou seja, procuramos algo mais intenso e é sempre uma fase de transição que nos custa bastante”, admitiu, referindo ainda que a principal dificuldade é “o olhar das pessoas”. “Do ponto de vista de muita gente, temos de encaixar nuns certos moldes e não podemos seguir por um lado ou pelo outro. É naquela linha”, considerou João. Já Rodrigo, fala da comunidade. “A maior diferença foi na comunidade. Éramos seis e passamos a ser mais de 40 seminaristas. A equipa formadora também é outra, mas os objetivos continuam a ser os mesmos, porque a finalidade é a mesma”, considerou. “Nunca contabilizei, mas já convivi com muitos colegas que acabaram por deixar o Seminário. Ao estar aqui, não implica que só exista esta opção, que temos de seguir sempre e acabou. Não temos porta, nem janela de saída”, acrescentou Saúl, enaltecendo que, quando saiu de casa, ganhou “mais uma quantidade de irmãos enorme” e pais na formação. “Entrei no Seminário com 12 anos e nunca fomos privados de viver a nossa infância e, por isso, é que me senti muito bem no Seminário”, realçou.

“O importante é que alguém nos mostre que ainda há esperança”

Como em todas as caminhadas, existem altos e baixos e, no Seminário, não há exceções. Dos nove seminaristas, a maior parte deles admite que teve vontade de desistir. No entanto, frisam que o segredo “é não desistir à primeira” e “discernir”. “Não é tanto as dúvidas que existem, mas aquilo que tento fazer é consolidar certezas”, disse João Cruz. “É importante pensar que, por muito que os obstáculos apareçam, uma pessoa não pode ceder logo à primeira. Além disso, tem que existir um trabalho interior, em que nos vamos apercebendo que estávamos de cabeça quente e, por isso, a decisão não pode ser tomada assim. Tem de ser uma decisão pensada e refletida”, salientou Saúl. “Esse tipo de decisão tem que ser alicerçada, pelo menos em dois pontos: na parte divina, ligada à oração e na parte humana, ligada ao diretor espiritual, à família ou até mesmo a um amigo próximo aqui da casa”, acrescentou João Santos. Já João Cerqueira, lembra ainda que “uma coisa que nunca se podem esquecer”: “Qualquer que seja caminho que sigamos, vão existir sempre altos e baixos e, possivelmente, nos baixos é que pensamos em desistir. Desta forma, o importante é que, quando estivermos quase a bater no fundo, alguém nos mostre que ainda há esperança, apontando novamente o rumo e um possível caminho a trilhar”, realçou.

“Devemos procurar aquilo que nos faz felizes”

Recentemente, os jovens viram um dos seus colegas abandonar o Seminário. No entanto, asseguram que “a vontade foi e é respeitada”. “Vivemos esse momento com alguma normalidade. Já nos dávamos bem com ele há vários anos, mas compreendemos a sua decisão. Se ele achou que não era por aqui o seu caminho, então não vale a pena forçar uma coisa que não queremos. Somos ainda muito jovens e temos uma vida pela frente e, por isso, devemos procurar aquilo que nos faz felizes. Não é por um ano que vamos perder a vida toda. Logo, mais vale sair e pensar naquilo que realmente se quer e, mais tarde, se é isto, volta, se não, continua o seu caminho numa outra direção”, disse Renato.

Em contrapartida, Flávio está perto de terminar os seus estudos e, neste momento, o que o mais preocupa “é não conseguir cumprir” a sua missão. “Não conseguir ter e estar com as pessoas, e não conseguir levar Cristo às pessoas. Se não fizer isso, falharei”, adiantou, frisando que a caminhada que tem feito no Seminário “é fundamental” para ajudá-lo. “Quando há boas bases de oração, este é um passo que é bem tomado. Se isso não for bem ponderado e se não estivermos bem com a nossa vocação, possivelmente, mais vale adiar. É essencial pensar que estamos perto e que a ordenação é cada vez mais real e, por vezes, também nos toca na pele e, por isso, devemos refletir”, acrescentou.

“A formação é uma etapa crucial”

Ainda com dois anos pela frente, João Santos já tem uma imagem de padre que deseja vir a ser. “Vejo-me como uma pessoa próxima e interativa, procurando cativar as pessoas a crescer em comunidade”, disse. Já João Cerqueira compara o processo de descoberta como “o subir uma montanha”. “Há momentos em que tenho de parar, montar a tenda, acalmar e pensar nas coisas e, outras vezes, tenho de continuar a subir a pique. No entanto, há também momentos em que, a nível interior e intelectual, estamos tão bem que o caminho se faz muito bem, mas este subir a montanha, tão depressa se sobe, como se está estagnado. É isto que o Seminário nos tem ajudado a fazer: a crescer a nível pessoal e interior”, frisou. “Para mim, este processo tem sido positivo pelo facto de não fechar as coisas. Não fico só pela igreja a rezar. Sim, faço as minhas orações pessoais e as que a comunidade propõe, mas também saio para beber um café e, se estiver um dia bom, bebo uma frize de limão (risos). É como diz o Papa Francisco, na exortação apostólica ’Cristo vive’: ’Jovens não vos apresenteis antes do tempo, abri a porta da gaiola e saí a voar’. Ou seja, somos seres do mundo que vamos conviver com outros seres do mundo, por isso, não acho positivo e educativo, estarmo-nos a fechar a uma realidade quando, posteriormente, teremos que nos adaptar a ela e é por isso que a formação é uma etapa crucial, porque, hoje mais do que nunca, temos de ser crentes. Por isso, imagino-me a ser um Pároco alegre, com sentido de humor e que captará as pessoas para Cristo. É bom não saltarmos etapas, se uma pessoa não vai à igreja, primeiro temos de a conhecer e só depois de conhecermos a sua realidade, é que lhe podemos falar de Cristo”, acrescentou Renato.

“Somos os pastores de amanhã”

Atualmente, a Igreja sente a falta de jovens. Cientes desta realidade, os seminaristas sentem que são “a mudança”. “Faz falta desmontar a perspetiva das pessoas, não só do Seminário, mas também da Igreja. Se calhar, a ideia é que só há pessoas idosas a rezar e, se fossem realmente ver, não é bem assim”, considerou João Cerqueira. “Este é um dos nossos grandes desafios. Somos os pastores de amanhã. Temos de levar Cristo às pessoas e a imagem deste Deus que é Pai e Amor para cada pessoa. Este é o marco que tem de nos guiar: ser à imagem e semelhança de Deus, no sentido de mostrar às pessoas este Deus, e no sentido mais humano que se possa ser, com humanidade, presença e com aquilo que nos é pedido”, realçou João Cruz.

Pe. Vítor Novais: “A formação dos presbíteros é um grande desafio que a Igreja nunca pode descurar”

Vítor Novais é reitor do Seminário Maior de Braga há 13 anos. Sem conseguir sintetizar estes anos de ministério, afirma que “a formação dos presbíteros é um grande desafio que a Igreja nunca pode descurar”. “É um desafio que se pauta, essencialmente, por uma proximidade confiante aos candidatos, fazendo com que eles, a partir dessa experiência de confiança, façam uma caminhada para que não percam o medo de se abrir a novas paisagens”, começou por dizer.

Sobre a proximidade, o reitor acrescenta que “deve ser libertadora, que não controla nem abandona”. “É tremendamente importante que os jovens não se sintam controlados e dominados, mas, sobretudo, não abandonados, porque as interrogações, inquietações e dificuldades do presente serão sempre mais iluminadas pela experiência de alguém que já as viveu, mas de um modo mais amadurecido e que pode ajudar mais serenamente a fazer o discernimento”, considerou, salientando que “é belo semear”. “’Seminário’ vem da palavra ‘semente’. É uma casa sementeira e, por isso, é belo ver que a semente está a amadurecer. Nunca plenamente madura, e é sempre dessa forma que nós nos colocamos, mesmo no dia das ordenações de alguém que está em processo. Um processo ainda não concluído, mas em processo, e que nos garante uma certa confiança que o Espírito vai continuar a trabalhar e amadurecer, efetivamente, e a tocar o coração do candidato”, concluiu.

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