O futuro da educação 

Ivone Sá, António Maciel e Alexandre Carvalho são professores de Física e Química. São três dos milhares de professores que estão a lutar “pelo futuro da educação”, numa carreira que descrevem como “injusta, burocrática e instável”. O que está em cima da mesa neste momento? Qual a prioridade reivindicativa? E como conjugar a luta por direitos e o cuidado pelos alunos? Foram algumas das questões lançadas.

Notícias de Viana
26 Jan. 2023 5 mins
O futuro da educação 

A vida resumida a um jogo de sorte

Sente que a carreira docente se tornou “uma questão de sorte”, embora assegure, sempre, que esta foi a sua primeira escolha. Ainda assim, sente-se, não tanto desfraldada com a “subida dos escalões”, mas, acima de tudo, com “o facto de não haver uma carreira”, chegando a confessar a tristeza de não ter “nenhum aluno do ensino secundário, que queira ser professor”.

Para descrever a situação geral, Ivone Sá conta uma história pessoal. Demorou 15 anos a efetivar. Chegou, inclusive, a dar aulas nos Açores, apesar de ser de Viana do Castelo. Mas, quando tive a primeira filha, em 2006, não teve licença de maternidade. Como quem não fica colocado, permite que outros colegas “lhe passem à frente”, teve que se “sujeitar”. “A minha filha nasceu em junho e fui colocada em Ponte de Lima no dia 1 de setembro do mesmo ano. Fui lá colocada com um horário de 20h. O completo são 22h. Quando fui colocada, o diretor da escola disse-me que se fosse trabalhar, completava o horário. Se não fosse, não completava. E eu fui. Na altura da gravidez, estava colocada no porto e dei aulas até ao final do tempo. Acabei por me arrepender, mas foi o que foi”, confessa.

A professora de Físico-Química afirma que o facto de a reprovação dos alunos ser cada vez mais difícil, leva a que eles cheguem ao ensino secundário com dificuldades, o que conduz a uma exigência menor, impossibilitando a escola pública de concorrer com a privada”.

Alexandre Carvalho e António Maciel concordam, e este último chega mesmo a declarar que, neste momento, “estamos a caminhar para uma situação de cada vez maior desiguldade”. “Quem não tiver condições financeiras não consegue aceder. Fica para trás. E isso vê-se, até, no acesso ao ensino superior, onde só entra quem tem as melhores classificações”. António Maciel não tem dúvida: “tudo isto aumenta o fosso entre público e privado, até porque no privado estas situações [greves] não acontecem”. 

Não faço greve “para ir passear para o shopping”

Alexandre Carvalho aponta o dedo a uma educação “muito superficial”, com “uma forma pouco rigorosa”, onde as avaliações “escondem o que se passa na realidade, para mostrar elevadas taxas de sucesso”. Este professor não tem medo de classificar o sistema como “hipócrita”, quer pela pressão colocada para que os alunos passem de anos, quer pela destruição da atratividade da carreira docente. 

Um testemunho disso mesmo, conta, é o facto de se elaborarem “atas nas quais dizemos maravilhas, onde registámos que a medidas surtiram efeito, apesar de vermos que as coisas não são bem assim”. 

Quanto à greve explica que não a faz para prejudicar os alunos, e que chega a não faltar quando se trata de alunos que se aproximam de um exame nacional, mas ambos assumem que os professores têm uma péssima imagem pública. Exemplo disso mesmo é Ivone Sá sentir a necessidade de dizer categoricamente que não faz greve para ir passear para o Shopping, mas para “ficar fora do portão da escola”. “Trabalha-se muito numa escola. Fala-se que os professores têm muitas férias, mas então porque é que ninguém o quer ser?”, questiona. 

Preocupado com o futuro da educação, consciente de que “todas as últimas reformas levadas a cabo pelos vários governos têm levado à situação em que o ensino se encontra atualmente”, António Maciel também concorda que “muitas pessoas não têm uma ideia muito positiva dos professores”. Por isso reforça que a carga horária não pode ser resumida no trabalho em sala de aula. “Temos muito trabalho em casa”, comenta, “e muitas vezes até em prejuízo da vida familiar. Eu venho a correr para casa porque tenho muito trabalho para fazer. Nós trabalhamos muito para além do nosso horário. 

Um grande sinal vermelho: STOP

Na sua maioria com experiências sindicais anteriores, mesmo que de breve trecho, todos olham para o surgimento do STOP com esperança. António Maciel afirma que nunca viu a comunidade de professores tão unida como neste momento, destacando o facto de o STOP ser um “sindicato mais livre e não preso a um ideal político restrito”. 

Reforçando que não sente nenhum tipo de reconhecimento do Ministério da Educação, Ivone Sá vê no STOP não só a voz dos professores, mas, também, a dos funcionários, “que são pessoas importantes na vida das escolas”. 

Ainda assim diz: “não gosto de escândalos. Eles [STOP] fizeram greve no passado e eu nunca fiz nenhuma, mas hoje faz sentido. Queremos um sistema em que não haja cunhas. Na escola não pode haver cunhas. Não pode haver favorecimentos de ninguém, a não ser o trabalho de cada um”.

Fotografia em destaque: Daniel Rocha

Tags Economia

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