“Não tem explicação”

O largo recinto, aberto e amplo, torna-se, lentamente, num labirinto humano. Procurar percorrer nem que seja uma curta distância, é atrever-se a contornar o pouco espaço que ainda está disponível, entre os muitos grupos que se reúnem e esperam o início da oração do terço. O trânsito está já muito condicionado, e estacionar dentro dos limites do civismo é já uma tarefa pouco provável. O sol, entretanto, vai desaparecendo, dando lugar a uma noite particularmente gélida e ventosa.

Notícias de Viana
18 Mai. 2023 4 mins
“Não tem explicação”

Do lado sul do Santuário vão chegando os membros de um numeroso grupo que, oriundo de Viana do Castelo, peregrinou a pé até Fátima. Chegaram na quinta-feira. Ao todo, são 95. Impulsionados por Joaquim Araújo, natural de Perre, Viana do Castelo, que há 23 anos organiza o caminho. No grupo, as experiências são variadas. Uma das entrevistadas tem 55 anos, e é a primeira vez que participa. “Sempre disse que um dia seria peregrina (…) e, no dia dos meus anos, prometi que vinha”, conta. Apesar de “ir passando” muitas vezes pelo Santuário ao longo do ano, movia, em especial, um filho que, entre lágrima, diz pedir para ser mais autónomo.  

Entre todos, um caso curioso é o de um jovem oriundo de Mondim de Basto, Vila Real. Conheceu o grupo por intermédio de um senhor que é cliente no restaurante dos pais, na sua terra natal. Ao longo do caminho, assume que o que o tocou mais foi encontrar pessoas “disponíveis para ajudar, sem esperar nada em troca”. Na conversa, assegura que está “muito feliz e muito orgulhoso pelo grupo”, em especial pela entreajuda. Através da educação, garante que cedo percebeu que o cristianismo foi um fator de evolução das sociedades, e considera que, por isso, Fátima, nos dias de hoje, é um alerta para a necessidade de oferecer a vida como “um gesto de agradecimento, e não como moeda de troca”.

Para outra peregrina, o que a leva a caminhar em direção à Cova da Iria pela quarta vez, “são coisas que não se comentam. Coisas que se sentem no dia-a-dia, que movem e deixam mais leve” quem abraça este desafio no meio de dias “muito duros, muito dolorosos e muito cansativos”. “Sou mãe, sou avó, sou amiga, tenho amigos, netos e filhos, por quem tenho muito que pedir”, confessa. 

Quatros vezes é, também, o número de ocasiões nas quais Rosa Abreu peregrinou a Fátima. 2011, 2017, 2018 e 2023, mais especificamente. Conta que, durante o caminho, “os problemas que existem no dia-a-dia se vão transformando num alívio”. A chegada ao Santuário deixa-a sem palavras, de tal modo que, explica, desta vez “mal chegou ao recinto, terminaram as dores”. 

A sensação é semelhante à de Alípio. “Vêm-nos as lágrimas aos olhos quando descemos para a Capelinha”. Testemunha que veio pela segunda vez, motivado pela caminhada e pela oportunidade de ajudar os outros, mas, também, por achar que é necessário sair de casa não só para pedir. “Esquecemo-nos, muitas vezes, de agradecer”, atesta. 

De facto, o caminho só seria possível com a ajuda de muitos grupos que, na berma da estrada, ajudam os peregrinos, quer com cuidados médicos, quer com alimentação. É o caso de Secundino Pinto, que a partir da experiência de peregrinação, achou necessário dar assistência ao caminheiros numa região específca de Pombal, onde ficou de 8 a 11 de Maio. “É um apoio para todos”, afirma. Passado tanto tempo ainda reconhece que a experiência é inexplicável. 

Ao longo dos anos, aumentando a experiência, parece que o mistério só se adensa. Fátima Santos completou pela 13ª vez a peregrinação. Veio de Serreleis, Viana do Castelo. Da primeira vez caminhou por promessa, hoje reconhece que não consegue ficar em casa. “Não há explicação. Chega-se à altura, e sentimos que temos de vir”, garante, aconchegada por uma manta para temperar o vento forte que se faz sentir. 

Ainda assim, a alma do grupo é a Irmã Ercília, de 92 anos, sentada no meio de um grupo de peregrinas que, simpaticamente, trata por “netinhas”. A primeira e a segunda vez que veio foi por promessa; desde lá são, segundo conta, “23 vezes ou mais”. Nunca teve uma bolha, mas, nesta ocasião, “já não a deixaram fazer todo o percurso a pé”, acabando por intercalar com viagens de carro. “Enquanto puder”, diz, “venho sempre. E para o ano, já dei o nome”, assegura. Vem para pedir, sobretudo, pelos outros e, por isso, termina dizendo, que pede muito por quem “quer vir e não pode”.

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