Partida de D. Anacleto Oliveira: uma dor que me (nos) interpela Recordo-me de, um dia, ouvir Helena Sacadura Cabral dizer, a propósito da morte do seu filho Miguel, que “a fé a ajudou a «arrumar» a dor no sítio certo”. Na verdade, o crente, longe de reduzir a fé a um espiritualismo desencarnado da realidade, […]
Partida de D. Anacleto Oliveira: uma dor que me (nos) interpela
Recordo-me de, um dia, ouvir Helena Sacadura Cabral dizer, a propósito da morte do seu filho Miguel, que “a fé a ajudou a «arrumar» a dor no sítio certo”. Na verdade, o crente, longe de reduzir a fé a um espiritualismo desencarnado da realidade, é aquele que sabe que, na experiência mais dramática que tem de enfrentar – a perda de alguém que lhe é muito querido –, a fé serve, não tanto para eliminar a dor, mas muito mais para a iluminar.
Sinto-me, por conseguinte, mergulhado numa dor profunda e inundado por um misto de pensamentos e de sentimentos na sequência da morte inesperada de D. Anacleto, que tive a graça de conhecer de perto. Mas tento não deixar de reler a sua vida à luz do Evangelho, encontrando nela interpelações para o meu modo de ser cristão e, porventura, para o nosso modo de sermos Igreja.
Muito se tem dito nestes dias sobre a sua vida. O Cardeal D. António Marto afirmou mesmo que “a Igreja em Portugal fica com uma dívida de gratidão a este seu Bispo”. Falar de D. Anacleto é, na verdade, falar de alguém que marcou profundamente a sociedade e a Igreja, muito para além das fronteiras das Dioceses que serviu.
É missão vã sintetizar a vida de um verdadeiro homem do céu e da terra, do divino e do humano, em poucas palavras. Limito-me, por isso, a destacar três notas (entre tantas outras) que guardo do seu ministério sacerdotal e episcopal.
Em primeiro lugar, destaco a sua perseverança. Faço-o a partir de umas palavras concretas que me dirigiu, aquando da minha “Missa Nova”, e que me vêm à mente e ao coração, particularmente nas horas em que me sinto absorvido por uma certa rotina: “Celebra sempre cada missa como se fosse a primeira”. Senti permanentemente que vivia o que me pedia. Na dimensão celebrativa da fé (como não lembrar a forma entusiasta como presidia à celebração do Crisma ou ao modo como cativava as crianças nas Eucaristias), mas também nas outras dimensões, fazendo da fé celebrada e rezada uma fé verdadeiramente vivida. Mantinha sempre o entusiasmo da primeira hora: seguro de si, porque cheio de Deus, não desanimava nem desistia facilmente dos seus projetos e ideias, quando convencido de que tal era ação do Espírito Santo. E como é difícil, hoje, na Igreja e na sociedade, ser fiel, perseverante e vertical, resistindo à tentação do comodismo e do relativismo, que coloca o “eu” no centro.
Em segundo lugar, saliento o seu olhar de esperança sobre o mundo e, particularmente, sobre o ser humano. Ainda no contexto da atual pandemia, quantas vezes, sem negar a dramaticidade da situação, nos pediu que continuássemos a ver as “oportunidades” que este tempo nos podia e pode dar. Era assim que D. Anacleto olhava para os acontecimentos e para as pessoas: sempre pronto a ver o seu lado bom, aquilo que aí havia de positivo. Foi assim que aprendeu a amar a Diocese de Viana do Castelo, quase desconhecida aquando da nomeação, fazendo deste o “seu Povo”. E que lição esta, quando, tantas vezes, aquilo que no outro me “incomoda” me torna incapaz de ver as virtudes que nesse mesmo outro se escondem e, simultaneamente, se revelam.
Em terceiro lugar, refiro a sua profunda e verdadeira discrição. D. Anacleto tem um percurso académico notabilíssimo. E mais do que isso: foi capaz de o traduzir na linguagem da proximidade, da simplicidade e da humildade. Sei que se sentia bem, sobretudo, perto dos mais vulneráveis e marginalizados, isto é, nas “periferias”. Trazia para o centro aqueles que tantas vezes temos a tentação de colocar de parte. E gostava de o fazer com uma incrível discrição que eu próprio – confesso o meu “pecado” – procurava “contornar” no meu serviço no âmbito da comunicação social.
Muito mais poderia dizer de D. Anacleto – o Bispo que me acompanhou no Seminário, me ordenou e me confiou as missões que desempenhei até agora (incluindo a atual) e nas quais fui tão feliz. Mas mais do que isso. D. Anacleto foi presença amiga, solícita e acolhedora em cada momento da minha vida, ajudando-me a crescer e a superar barreiras. Foi, de verdade, um Pai! E continuará a sê-lo, na Liturgia Celeste, de onde me (nos) acompanha e aponta o caminho. Saiba a Igreja de Viana deixar-se inspirar pelo seu modo de ser Pastor. (Pe. Renato Oliveira)
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