«Histórias Viandantes» dão vida ao centro histórico de Viana do Castelo

A maioria dos centros históricos parece estar esquecida do que diz respeito ao edificado. Muitos são os edifícios devolutos que, há muito tempo, não têm movimento. Quem lá vive, ou até mesmo aqueles que vivem nas ruas envolventes, não conhece o património que lá existe. Foi com o propósito de lhe dar vida através de ilustrações que contam as mais variadas histórias, que os irmãos Rui e Luísa Coelho pintam fachadas do centro histórico de Viana do Castelo.

Micaela Barbosa
22 Dez. 2023 5 mins
«Histórias Viandantes» dão vida ao centro histórico de Viana do Castelo

São irmãos e, em 2020, candidataram-se ao concurso “Jovens com Talento”, promovido pela Câmara Municipal de Viana do Castelo, para pôr em prática um projeto interventivo que nasceu quando estavam a fazer pós-graduação em Ilustração e Belas Artes, no Porto: colocar as ruas a contar histórias. Inicialmente, foi projetado para a cidade do Porto, mas a Covid-19 trocou-lhes as voltas, e afinaram-no para a sua cidade natal: Viana do Castelo. “Queríamos, igualmente, fazer refletir sobre o que são os centros históricos e o que estão a fazer-lhes ao remodelá-los, embora continuem vazios porque ninguém lá vive”, explicou Rui Coelho, alertando para a desertificação dos centros históricos das cidades.

No total, pintaram nove paredes. Contaram histórias sobre pessoas e tradições de Viana do Castelo, que “é mero quotidiano”. “As histórias que estão nas paredes não têm nada de extraordinário. Não é um facto histórico, um acontecimento ou uma vitória. Acreditamos que cada pessoa tem uma ou mais histórias que são perfeitamente interessantes e são do interesse de toda a gente”, salientou, reconhecendo que esta “é a riqueza e a magia” do projeto.

As «Histórias Viandantes» retratam as histórias de moradores das ruas secundárias, das quelhas, dos becos ou das ruelas. A última parede foi feita na Viela das Padeiras e, segundo Rui Coelho, conta a história de um engraxador de seu nome António Ferradosa, mas mais conhecido por Fumfum. Andava muito pela Praça da República no séc. XX, e tinha uma relação especial com os pardais. “Algumas histórias foram-nos contadas pelos moradores e vizinhos das ruas por onde passámos, familiares das personagens e mesmo familiares nossos. No entanto, fizemos muita pesquisa bibliográfica através dos levantamentos de Amadeu Costa”, contou, confidenciando que, segundo o que lhes contaram, “no dia do seu funeral, os pardais seguiram o seu caixão até à cova para se despedir”.

Outras das histórias são sobre a D. Otília, as pessoas que pintam a loiça de Viana, a tradição do andar às vozes, a tenda, a Drogaria 26, o Túlio, a família dos Mendes (seca do bacalhau) e sobre os banhos quentes. No entanto, todas estas histórias são passageiras. “É uma dinâmica temporária. Aliás, foi a nossa ‘moeda de troca’, para conseguir todas as autorizações para pintar as fachadas porque, para além de ser o centro histórico, um edifício pode ter mais do que um proprietário. Ou seja, as fachadas já estavam degradadas e comprometemo-nos a embelezá-las, alertando para a sua degradação”, frisou Luísa. “Sendo centro histórico, foi a única forma de termos uma autorização da Direção Regional da Cultura do Norte. Os centros históricos são protegidos. Ou seja, isto nunca, ou quase nunca, poderia ser uma instalação permanente por causa das leis, que fazem sentido, mas, ao mesmo tempo, são contraditórias, porque temos os centros históricos protegidos e a cair, feios, degradados e desabitados”, acrescentou Rui. Contudo, os dois irmãos asseguram que o esforço “valeu a pena”. “Sai do corpo”, referiu Rui, confidenciando que um dos desgostos foi não conseguir terminar o projeto no período previsto de um ano, devido aos imprevistos. “No início, não tínhamos consciência da dimensão do trabalho em que nos estávamos a meter”, admitiu, assegurando que “valeu a pena”, pelo feedback que foram recebendo das pessoas. “A reação delas foi ótima, mas, inicialmente, estávamos com algum receio porque pensávamos que íamos levar na cabeça, essencialmente pelos moradores das ruas que, por serem mais velhos, poderiam não compreender ou aceitar”, enalteceu Luísa, frisando que, durante o período de execução do mural, sentiram-se parte das “pequenas comunidades” por onde passaram. “Ofereciam-nos café e, entre brincadeiras, existiram alguns despiques entre moradores de ruas, afirmando que a deles estava mais bonita”, recordou entre risos.  

Dependendo do mural, os dois irmãos demoraram um dia ou mais, e até mesmo semanas, para terminar as histórias. “Têm de existir mais iniciativas como esta porque, assim como disse à Câmara Municipal, o caminho certo é apoiar os artistas. Embora sejamos uma cidade pequena, temos muita qualidade artística. Temos tanta gente com talento e reconhecimento pelo país fora, mas passam ao lado. Embora estejam cá em trânsito, não têm oportunidade, nem meios para fazer as coisas cá, ou até serem reconhecidos na cidade onde cresceram e se formaram”, defendeu Rui, frisando que “cria vontade”. “Em cada edição, há sempre projetos novos e espetaculares. Isso prova que há muito talento”, acrescentou Luísa.

O projeto vai culminar num mapa para as pessoas percorrerem as ruas e um livro, que será lançado ainda este mês. “No livro, estão as histórias que o Rui escreveu acompanhadas de ilustrações de ruas”, revelou Luísa, adiantando que estará disponível na AISCA – Associação de Intervenção Social, Cultural e Artística.

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