Convento de Cabanas, o lugar “incomum” e renovado que inspirou Pedro Homem de Mello e que inspira Nathalie D’Ornano

No ano em que se celebram os 120 anos do nascimento de Pedro Homem de Mello, um dos poetas maiores do século XX, o Convento de Cabanas, em Afife, é transformado num boutique hotel. Um lugar que continua a ser “incomum” por quem o visita e por quem ali vivenciou e viu nascer algumas das mais reconhecidas letras de fado que, hoje em dia, multidões cantam em apoteose.

Micaela Barbosa
26 Ago. 2024 6 mins

Junto ao lugar que esteve abandonado, e que era quase só percorrido por locais e peregrinos do Caminho de Santiago de Compostela, existe, “há três verões”, a esplanada de um café, que se tornou referência, não só pelas suas características arquitetónicas, como também pelas suas características naturais. A impulsionadora é a cantora lírica Nathalie D’Ornano que, em 2019, comprou o Convento de Cabanas para habitação própria. São, ao todo, sete hectares que, como confidencia Bianca Silva, assistente da direção geral, Nathalie se viu obrigada a recuperar na totalidade “dadas as suas características”.

Se recuarmos no tempo, o local foi, outrora, o Convento de S. João de Cabanas. Foi herdado por Pedro Homem de Mello que, todos os anos, no dia 6 de setembro, dia do seu aniversário, promovia uma festa para “os aristocratas e amigos de Afife, Carreço, Argas e, sobretudo, de Dem e São Lourenço da Montaria”. E, quem conta esta história são as pessoas que o conheceram nos tempos de Cabanas, que privaram com ele, e que aprenderam a tratá-lo por “Dr. Pedro”.

Camilo Ramos tinha dez anos quando começou a frequentar o convento, depois de acompanhar a sua irmã, que servia, vestida à lavradeira, nas festas de aniversário. “Ele foi criado em ambiente de festas e romarias”, salientou, recordando que “muitos dos seus convidados, traziam arroz-doce e cabritos assados à cabeça”.

Apesar de o associarem a uma pessoa “snob”, todos asseguram que Pedro Homem de Mello era uma figura “elegante”, “distinta” e “peculiar”, que se sentia bem “no meio das pessoas mais simples do povo”. O poeta chegou a registar isso mesmo no seu livro “Folclore”, quando escreveu: “Tudo aquilo que, até hoje, escrevi ou mostrei, resultou apenas, do que sentiram, durante meio século, os meus olhos, os meus ouvidos, os meus pés (e o mesmo será dizermos o meu corpo e a minha alma!) de bailador”.

E, segundo António Lopes, de Areosa, “o que o Dr. Pedro escreveu foi inspirado na dança”. Dos mais conhecidos aos inéditos ou, pelo menos, pouco conhecidos. “Um dos mais belos textos alguma vez escritos na língua portuguesa chama-se “Saudade” e está escrito numa pedra tumular no cemitério de Afife à memória de Ilda Gomes, uma das suas empregadas”, confidencia, contando que tinha 15 anos quando o conheceu.

É conhecedor de vários poemas e, hoje, tem um blogue dedicado ao “único poeta” que conheceu na sua vida. “Era uma pessoa ímpar”, afirma, destacando a forma como tratava as pessoas. “O Dr. Pedro era amigo de toda a gente. Era muito, muito educado, e tinha um trato com os outros que os punha em píncaros”, sublinhou.

Sérgio Mesquita partilha da mesma opinião e, “não obstante Pedro Homem de Mello ser próximo de nobres, de catedráticos e de escritores, foi de entre as pessoas mais simples – mas, nem por isso, menos dignas – que ele escolheu para o seu círculo de amizades como Ofélia das Cachenas, Domingos Enes Pereira, Deolinda da Castelhana e Nelson Vilarinha”. Personalidades do folclore alto-minhoto que ensinaram o poeta a dançar e a impulsionar o folclore. “Se Giacometti foi precursor na recolha etno-musical, Pedro foi-o no inventário e prática de um folclore esquecido”, comparou o professor José Pacheco. No entanto, António Lopes sublinha que “o Dr. Pedro nunca se considerou folclorista”. “No livro “Folclore”, ele explica que colocou o nome sem nada ter a ver com isso. Ele afirma que a sua paixão foi a dança”, reforça.

Entre os vários poemas que escreveu, existe um outro “inédito”, que está gravado no muro “rústico” da casa de Maria Olívia. Chama-se “Contraste” e é dedicado ao seu falecido pai. “Lamento muito não ter aprofundado esta relação de amizade entre os dois, mas lembro-me que o meu pai se referia ao Pedro como sendo um dos seus amigos de infância que, muitas vezes, ia ter com ele de bicicleta ao trabalho para conversarem entre os intervalos da passagem dos comboios”, recorda.

Também Cristina Presa não privou com o poeta, mas envolveu-se nas celebrações do centenário do seu nascimento porque o conheceu “através de testemunhos dos seus familiares”. “De tal forma se apaixonou pela terra, pelas suas paisagens e se envolveu com as suas gentes que, em Afife e não só, se considera que o poeta é um dos nossos”, afirma.

Já a neta Mariana Homem de Mello, que tem um poema com o seu nome, recorda os verões em Cabanas e as visitas à casa de Moledo, onde o seu avô “gostava tanto de ir”. “Lembro-me dos lanches fantásticos na varanda da quinta a ouvir aquele barulho inesquecível e único do ribeiro de Cabanas e que, por mais anos que viva, nunca vou esquecer. O cheiro da magnólia, a Glória sempre na janela da cozinha à nossa espera, as caminhadas até ao poço azul e à mata de cima”, recordou, admitindo que o que a fascinou na sua obra, é o seu “modernismo singular” porque “consistia em ser ele próprio, sem seguir moldes tradicionais, sem imitações”. “Há uma liberdade poética, uma personalidade marcada assente na sua própria consciência e na maneira como ele sentia e via o mundo”, especifica.

Embora os poemas do avô sejam amplamente conhecidos, o facto de, após a Revolução de 74, Pedro Homem de Mello ter sido colado, por muitos, ao Estado Novo, e apelidado de “salazarista e marcelista”, pode ter ajudado ao seu afastamento do cânone. Evaristo Parente de Carvalho afirma que essa colagem ao regime é uma falsidade. Segundo conta, quando foi apurado na inspeção militar em 1968 para cumprir o serviço militar, a sua mãe pediu ajuda ao “Dr. Pedro” para, “pelo menos”, o livrar da guerra. “Ele respondeu à minha mãe que gostaria muito de poder ajudá-la, mas não tinha amigos, nem conhecidos, no Governo”, confidencia, assegurando não ter dúvidas de que, “se o Dr. Pedro tivesse conhecimentos entre o Governo de então, tudo faria para o ajudar” porque era “um grande amigo” da sua mãe.

O final da sua vida foi passado no Porto, mais especificamente, nos cafés a vender os seus livros, inclusive a declamar os seus poemas. Ficou sepultado em Afife porque “ele quis”. E, apesar de morrer na penúria, ainda hoje encanta o Alto Minho. “O Dr. Pedro tem coisas… Só uma vivência de pormenor e de entrosamento com aquilo que se passava na realidade é que explica”, garantem Camilo Ramos e António Lopes.

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