A “chieira” invisível da Romaria de Nossa Senhora d’Agonia

No mês de agosto, em Viana do Castelo, vive-se uma das maiores romarias do país. A Romaria de Nossa Senhora d'Agonia. A “chieira” minhota sai às ruas, mas por detrás dela há ainda uma outra “chieira” que é invisível aos olhos dos muitos milhares de pessoas que desfrutam da festa. Após quase três anos sem festas e romarias, devido à pandemia covid-19, dezenas de vianenses voltaram a arregaçar as mangas para cumprir a tradição.

Notícias de Viana
8 Set. 2022 8 mins
A “chieira” invisível da Romaria de Nossa Senhora d’Agonia

“Foi dos melhores anos em que se organizou as festas”

José Valença é vianense e tem 83 anos. É um dos rostos que faz acontecer a Romaria de Nossa Senhora d’Agonia, pertence à Comissão de Festas há 16 anos, e foi responsável pela montagem e desmontagem dos stands, da feira de artesanato e dos vendedores na Alameda Alves Cerqueira, e pela marcação das diversões e “comes e bebes” no Campo da Agonia. “Em janeiro começámos a trabalhar. Todos temos a nossa missão na Comissão de Festas”, contou, especificando: “Os contactos e a marcação no mapa são feitos no armazém junto à Praia Norte. Os divertimentos são quase sempre os mesmos. Já os stands, são sempre muitos, mas todos os anos entra muita gente nova. São à volta de mais de uma centena e o meu papel é acompanhar a montagem para que não falhe nada quando a festa começar.”

Sobre o significado da romaria na sua vida, José diz-se “um orgulhoso vianense” que, antes de pertencer à Comissão de Festas, sempre assistiu aos vários momentos festivos. “Desde que me integrei na organização, começo, de certa forma, a viver a romaria mais cedo para que, quando chega a altura de montar os stands, tenhamos tudo organizado”, referiu, admitindo que há “algum” trabalho que ainda é invisível, sobretudo, no armazém. No entanto, o balanço que faz é “muito positivo”. “Julgo que foi dos melhores anos em que se organizou as festas. A mudança da tribuna para o fundo da avenida permitiu que o cortejo não se partisse”, defendeu.

No final, a Comissão de Festas tem ainda prazos a cumprir de modo a “facilitar o funcionamento normal da cidade” sem as festividades. “O que sentimos é que fomos bem sucedidos. O nosso trabalho foi compensado pelos festejos”, salientou.

“É sempre recompensador servir a Rainha”

Também Valdemar Gavinho, de 61 anos, ajuda na concretização da romaria ao pertencer à Comissão Administrativa. É responsável, sobretudo, pela parte financeira. “As dificuldades existem sempre. O trabalho é árduo, mas no final o sentimento é de dever cumprido”, começa por sublinhar, acrescentando: “No final, o resultado compensa o esforço. Aliás, é sempre recompensador servir a Rainha e a comunidade.”

Há cinco anos a fazer parte da Comissão, o vianense admite ainda que “há muito trabalho que continua a ser invisível”. “O sentimento pela romaria é indescritível. A seguir às festas, o sentimento é de dever cumprido e antes, é de amor à causa. Vivermos as nossas tradições e a nossa fé”, destacou, considerando que, este ano, “as pessoas tinham sede de festas”. “Notei uma grande euforia e, por isso, o balanço só pode ser superpositivo”, referiu, sustentando: “Vale a pena ver as nossas gentes, a nossa cidade e, sobretudo, a nossa Santa ser divulgada. É importante não a esquecer.”

“A cidade foi abraçada por milhares de pessoas”

De uma vida dedicada ao mar, mais concretamente à pesca, João Pacheco e a sua família têm uma ligação “especial” à romaria. Levam os andores nas suas embarcações na procissão ao mar. “Sou pescador há 14 anos, mas fui para o mar com 12. Tenho fotografias de 1977 com o meu avô. Era um miúdo”, começou por contar, referindo que a família é “muito ligada” à romaria. “A minha família vive disto. Levamos os andores nas nossas embarcações e acabamos por envolver também os nossos amigos”, acrescentou.

Sobre as festas deste ano, o pescador de 49 anos afirmou que foram “muito intensas”. “O pessoal já não vinha há quase três anos devido à pandemia”, referiu, admitindo que o número de pessoas a ver a procissão superou as suas expectativas. “A cidade foi abraçada por milhares de pessoas. Estava à vista de todos”, considerou, contando que tem um empreendimento ligado ao turismo que esteve lotado durante o fim de semana das festas. “Este ano estávamos naquele impasse por causa da pandemia que poderia ter acabado com alguns costumes, mas felizmente isso não aconteceu. Todo o pessoal apareceu para trabalhar na noite de 19 e depois, assistir à procissão”, disse.

E, como manda a tradição desde 2002, no final da procissão, os pescadores regressaram ao mar com flores, para homenagear os náufragos e os pescadores falecidos. “Este ano, tivemos uma surpresa do nosso Pároco, Pe. Vasco Gonçalves. Teve conhecimento do ‘ritual’ e fez questão de nos acompanhar e fazer uma oração antes de lançarmos as flores ao mar”, revelou, salientando que o sentimento que se vive naquele momento é “íntimo”. “As pessoas têm de ser lembradas. Nós nascemos na terra e acabamos pó para a terra, mas as memórias ficam”, reiterou.

“O principal significado das festas é a capacidade de mobilizar as pessoas”

No que diz respeito à parte mais técnica, a Câmara Municipal também tem um papel “muito importante” na realização da Romaria de Nossa Senhora d’Agonia. “O balanço foi muito positivo”, afirmou o vereador do pelouro da Cultura, Manuel Vitorino, confidenciando que, “naturalmente, há sempre aspetos a melhorar”, mas são “minudências” no programa. “O significado principal é a alegria que proporciona às nossas pessoas, permitindo-lhes o reencontro com a comunidade em geral e com a comunidade de imigrantes. É um ambiente de festa que extravasa o próprio concelho”, sublinhou, referindo ainda que a romaria tem “a capacidade de mobilizar as pessoas de todas as freguesias”. “Quando usamos a palavra ‘chieira’ é disto que falamos… Não é da vaidade das pessoas que gostam de se pavonear. É a ‘chieira’ no sentido de orgulho pelas nossas tradições e valores. Naquilo que temos de melhor. É uma festa do povo para o povo”, defendeu.

Este ano, foi a sua primeira romaria enquanto vereador. “Foi uma experiência gratificante e, simultaneamente, de grande responsabilidade. Gratificante, porque estivemos envolvidos na conceção, no desenvolvimento e no planeamento de todo o programa das festas, com a expectativa de um regresso aos moldes habituais. Por outro lado, de responsabilidade, porque aquilo que se exigia era ter as festas, pelo menos, ao nível das edições anteriores, o que foi amplamente conseguido e até ultrapassado desde o envolvimento das pessoas, das associações e das Juntas de Freguesia, que se traduziu em todo o programa religioso e profano”, disse, confirmado com a “adesão massiva das pessoas”, que foi “superior” aos anos anteriores. “O trabalho é coletivo e começou há pelo menos uns 10 meses atrás. Há aqui uma grande logística com os Serviços Municipalizados e outros serviços que colaboram durantes as festividades, como a Proteção Civil, os Bombeiros, a Polícia e muitas outras entidades”, contou, admitindo “algumas dificuldades” devido aos quase três anos de paragem devido à Covid-19. “Estávamos há quase três anos fora da rotina porque as festas se realizaram sobretudo no espaço digital e, por isso, a logística deixou de ser a mesma. Voltar a fazer as coisas tem sempre dificuldades, mas foram claramente superadas”, sustentou, salientando que, no final, o sentimento é de dever cumprido. “Teremos uma reunião de avaliação, não só para procurar aspetos a melhorar, como já a começar a pensar no próximo programa”, acrescentou.

“Gostamos de ver a cidade com gente”

António Barros é vianense e engenheiro eletrotécnico de profissão. Desde 2013 que é responsável pela instalação das bancadas na avenida e pela instalação elétrica da ornamentação nos vários eventos. “O pessoal já sabe o trabalho que é, por isso, não tivemos qualquer dificuldade”, contou, fazendo um balanço “positivo” da romaria devido à “adesão” das pessoas. “Este ano, acho que foi por demais evidente a adesão das pessoas… Nós é que acabamos por não usufruir das festas porque trabalhamos muito de noite”, explicou, garantindo que a sua preocupação é “não causar transtorno àqueles que ‘usam’ a cidade durante o dia. “O trabalho exige muitas horas, mas gostamos de ver a cidade com gente e que as coisas que planeámos e trabalhámos corram bem. Estamos orgulhosos do nosso trabalho”, assegurou, mostrando-se disponível para o próximo ano. 

“Correu tudo muito bem”

Assim como António, Bruno Moura, designer e gerente da empresa que ficou responsável pelas ornamentações e luz única, também está disponível para abraçar de novo a organização. “Somos uma empresa em Fafe e foi a primeira vez que trabalhámos para a festas em honra de Nossa Senhora d’Agonia”, explicou, contando que começaram a trabalhar “logo no início do ano”. “A partir do momento em que nos foi adjudicado o projeto, desenvolvemos os produtos no armazém, desde a serralharia, instalação das luzes e etc., até à montagem e ligação”, relatou, fazendo igualmente um balanço “positivo”. “Correu tudo muito bem. Embora esta festa tenha outra dimensão, trabalhamos de igual forma para todos os clientes”, salientou, garantindo que, no final, o sentimento foi de dever cumprido.

A Romaria de Nossa Senhora d’Agonia requer, portanto, um esforço diário que vem diretamente do coração, que recusa formalidades e aposta num encontro pessoal e intransmissível. O José, o Gavinho, o Milhões, o Pacheco – como são tratados pelos amigos –, a Câmara Municipal, as empresas e outras entidades também se dão “de alma e coração” pela “chieira” minhota.

Tags Religião

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