Isabel Capeloa Gil é Professora Catedrática de Estudos de Cultura e atual reitora da Universidade Católica Portuguesa (UCP). Em conversa com o Notícias de Viana, refletiu sobre a educação e a cultura, defendendo um modelo educativo integral, que valorize tanto o conhecimento técnico quanto a prática. Já sobre a ação da Igreja na matéria, a mesma deve agir de forma descentralizada e inclusiva, formando cidadãos críticos e socialmente responsáveis.
Notícias de Viana (NdV): Num contexto de mudanças rápidas e constantes, como vê a evolução da relação entre educação e cultura nas próximas décadas?
Isabel Capeloa Gil (ICG): Em primeiro lugar, dizer que não existe educação sem uma base cultural. Portanto, esta articulação que o Papa Francisco fez, na reorganização do Ministério da Cúria, juntando a educação e a cultura, é muitíssimo adequada, sobretudo, na estratégia da Igreja, em que os bens culturais são essenciais para aquilo que é uma educação integral dos jovens.
Numa lógica não romana/vaticana, quando olhamos para o nosso modelo educativo, podemos falar de cultura de duas maneiras: aquilo que é ensinado nas universidades e nas escolas como fazendo parte da produção criativa e universal, e aquilo que são as nossas práticas do dia-a-dia.
É absolutamente essencial que não se avance para um modelo educativo que seja meramente vocacional e profissionalizante e que retire aquilo que é o cultivo da criação, música, arte e literatura, que são formas de conhecimento próprias do mundo. Seria uma tragédia.
É fundamental que um engenheiro possa reconhecer uma sinfonia de Beethoven, e que um historiador de arte tenha competências quantitativas. Precisamos de ter modelos educativos que sejam transversais e que articulem com as competências instrumentais e os elementos de uma formação mais profunda e baseada nas grandes produções.
(NdV): No artigo “Portugal, país por cumprir”, mencionou que “o sistema educativo português é razoável, mas não excelente”, e que “existe uma instabilidade nos ciclos de formação inicial”. De que está a faltar?
(ICG): A dificuldade do sistema, sobretudo ao nível do primeiro ciclo, é conseguir transmitir aquilo que são as características necessárias para que uma criança possa desenvolver-se de forma integral para o futuro.
Por um lado, estamos com dificuldades estruturais para manter um quadro de professores com o número necessário para as necessidades do país. E por outro, temos uma diminuição demográfica que contrasta com o grande crescimento de crianças que vêm de contextos culturais distintos. Isso cria um desafio para o sistema. Daí que seja necessária uma formação adequada ao nível daquilo que são as competências estruturantes: a língua materna e a aritmética (matemática). Ou seja, são instrumentos de criatividade, permitindo aos alunos ter confiança para arriscar e falhar.
Tem de haver um conjunto de mecanismos que, por um lado, seja estruturado ao nível das competências e, por outro lado, consiga fomentar a competitividade. E é isso que não vejo no sistema. Não vejo nos ciclos iniciais. Não vejo no início do segundo ciclo e, depois, com uma realidade trágica, que é um sistema que obriga os jovens de 14 anos a especializar-se e, no 10º, 11º e 12º anos, pode haver consequências. Isto põe em causa a capacidade de formação integral dos jovens, que é fundamental para o futuro.
Precisamos, cada vez mais, de pessoas que tenham essa capacidade de fazer leituras abrangentes do mundo.
(NdV): No mesmo artigo destacou o valor de educar para a responsabilidade e para a autonomia, enfatizando a importância da independência crítica. Como podem as universidades desempenhar um papel crucial neste processo de formação de cidadãos críticos e responsáveis, capazes de atuar, independentemente das políticas públicas do Estado?
(ICG): A primeira coisa que têm de fazer é criar instrumentos que permitam o desenvolvimento de projetos autónomos de intervenção social ou económica, nomeadamente através de instrumentos de empreen
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