Vila Nova de Cerveira quer crescer “sem maquilhagem”, mas ainda tem uma “espinha encravada”

Rui Teixeira é, desde 2021, presidente da Câmara Municipal de Vila Nova de Cerveira, mas, antes, foi vereador na Câmara Municipal de Caminha. Não entende que haja jogos políticos neste historial, definindo-o como “um processo natural” decidido pela “grande maioria” dos cerveirenses. Contrariando “aquilo que tinham sido oito anos de paragem sem visão e sem estratégia”, candidatou-se com o apoio do Partido Socialista (PS), contra Fernando Nogueira, do Movimento Independente Pensar Cerveira, e venceu as eleições, tendo como objetivo “dinamizar o concelho”, fazendo-o crescer nos mais variados sectores, sem “politiquices”. No entanto, ainda há projetos por concluir e a iniciar que, de 2023, transitaram para as Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2024.

Micaela Barbosa
26 Jan. 2024 11 mins
Vila Nova de Cerveira quer crescer “sem maquilhagem”, mas ainda tem uma “espinha encravada”

Após um período inicial de “adaptação, conhecimento e organização”, a sua equipa implementou a sua estratégia, apoiada na requalificação da área empresarial e centros escolares, na inovação e no desenvolvimento, na habitação, na cultura e no turismo (em que se inclui a hotelaria e o património), nos projetos das Juntas de Freguesia, na educação, nas famílias, nas associações e instituições de solidariedade social, na saúde, e no reforço na relação transfronteiriça, em particular, com Tomiño.

Poder central

A “prioridade à implementação do orçamento participativo jovem”, as “obras de ampliação da creche do centro de Apoio às Empresas”, a “construção do albergue de peregrinos”, entre outros, são alguns dos exemplos das propostas que se mantêm. Em 2024, o conjunto de promessas aumenta e, por isso, o Notícias de Viana quis perceber “porque, em 2023, não se conseguiu concretizar certos projetos, alguns até sem necessidade de grande investimento, como a implementação do orçamento participativo, e porque, ainda assim, a autarquia considera 2024 «um ano mais ambicioso»”. Em resposta, o autarca justificou “alguma dificuldade” com “o poder central”. “A Escola Superior Gallaecia está arrendada, na sua totalidade, ao Município. Aqui funcionará a Segurança Social, toda a área social do Município, e a Universidade do Minho. Já devia estar a funcionar há um ano, mas, infelizmente, ainda não está, porque estamos à espera de um pormenor de decisão que depende de Lisboa e não de Viana Castelo”, exemplificou, adiantando que têm, também, a intenção de criar um Gabinete da Juventude desde o início, mas não conseguiram concretizar. A sua previsão é que consigam abrir ainda este ano. “Como costumam dizer, «o sonho comanda a vida» e a ambição está associada a isso mesmo, quer na vida pessoal, quer na profissional. É preciso criar objetivos para nos automotivar e, aqui, é com a criação de projetos com os olhos no futuro, fazendo crescer o concelho”, defendeu, assegurando que, nos próximos quatro anos, pretende desenvolver os projetos a que se propuseram, mesmo sabendo que “não se fazem de um dia para o outro”. “Muitas vezes, depende de decisão governamental, apoios quer do Estado, quer da Comunidade Europeia e, portanto, não é fácil desenvolvê-los”, reiterou.

Servir os cerveirenses

Estes “avanços e recuos” são ainda justificados, nas Grandes Opções do Plano e Orçamento, por se viver “uma espécie de tempo não linear”. “Isso não é o tempo político normal?”, questionámos. “Não é linear pela política nacional e, principalmente, pela internacional”, disse, exemplificando com a pandemia Covid-19 e as guerras, que “trouxeram consequências significativas a vários níveis”. “Mas isso não é uma atitude desculpabilista?”, rebatemos, dando nota de que, ainda há uma semana, um artigo do Financial Times afirmava que vivemos numa sociedade de “risco” e de “preocupação” e que isso tem diminuído a possibilidade de crescimento económico. Rui Teixeira não hesitou: “Não”. “Temos de definir a estratégia de forma séria e responsável. É isso que temos vindo a fazer. Não posso falar dos outros”, respondeu, reforçando o balanço “positivo” que faz da atuação do atual Executivo e do “bom” feedback que recebe de Vila Nova de Cerveira e fora dela. “As pessoas veem que Vila Nova de Cerveira mexe, tem atividades, investimento, e isso é reconhecido. Essa é a nossa preocupação. Depois, o apoio em várias áreas”, salientou, assegurando que, “quando a estratégia estiver toda implementada, o concelho irá dar um pulo bastante significativo em termos de crescimento e de qualidade de vida”. “Fora do concelho, não posso falar pelos outros. Não sei quais são os objetivos de cada um. Seguramente, alguns podem ter objetivos mais pessoais. Eu não tenho esse perfil. Quando assumo a responsabilidade, é para assumi-la. Quando não estiver bem, deixo de estar. Quando vim para Vila Nova de Cerveira com este cargo, não foi para me servir do cargo, mas servir os cerveirenses”, frisou.

Albergue de peregrinos de gestão municipal

Para 2024, entre os vários projetos que o Executivo pretende realizar, está o primeiro albergue de peregrinos de gestão municipal, que irá funcionar em 2025, no edifício da antiga Escola Primária de Loivo, e cujo financiamento foi aprovado recentemente. A abertura de concurso público para a execução da obra pode avançar ainda este mês de janeiro.

Com uma capacidade de alojamento para 32 pessoas, o Albergue de Peregrinos de Vila Nova de Cerveira resultará da requalificação do edifício da antiga Escola Primária Luís Maria Costa Pereira, datado de 1937, e cuja cedência à Câmara Municipal foi protocolada em 2022, pela Junta de Freguesia de Loivo, a título gratuito, por um período de 30 anos. “O futuro albergue vai dar mais vida aos Caminhos de Santiago, potenciando o seu valor turístico, proporcionando experiências inolvidáveis aos peregrinos, que os convençam a ficar mais tempo em Cerveira e lhes deem vontade de regressar, incentivando a criação de alojamento específico e fomentando o desenvolvimento económico, social e ambiental do concelho”, sublinhou o autarca.

Por se tratar de um edifício histórico, ambas as partes assumiram o compromisso de manter a traça original, bem como de outros elementos passíveis de recuperação, de forma a preservar a memória coletiva da antiga utilização do espaço. Uma das especificidades do futuro albergue de peregrinos é a existência de um quarto reservado para hospitaleiros, pessoas que voluntariamente se disponibilizam, durante um período, a prestar o serviço de receção e manutenção do espaço, disponibilizar quatro bicicletas elétricas para a deslocação ao centro histórico, e a colocação, em Braille e em áudio-guias, bem como a disponibilização de dois monitores tácteis, com toda a informação e sinalização do Caminho e da oferta turística do concelho.

O investimento total subjacente ao futuro albergue de peregrinos é de 383.644,00 euros, com um financiamento do Turismo de Portugal – Linha + Interior Turismo de 268.550,80 euros, tendo a Câmara Municipal que despender de 115.093,20 euros de capitais próprios.

Espinha encravada

A concessão do castelo, que prevê a reconversão em hotel, procurando, através de um projeto europeu, novas soluções para o futuro do imóvel do séc. XIII, é “a espinha encravada” de Rui Teixeira, que pretende reverter a situação.

Na altura do comunicado, em novembro do ano passado, em que deu nota desta decisão, o autarca afirmou que o atual Executivo Municipal, de maioria socialista, “não quer que o ‘ex-líbris’ do concelho seja transformado em hotel, até porque existem atualmente três projetos privados” na área do alojamento e hotelaria. “É um edifício que deveria estar integrado no centro da própria vila e utilizado diariamente quer para serviços, comércio, restauração e alojamento”, defendeu, sublinhando o “aumento do próprio terreno” como objetivo principal. “Esta concessão é do antigo Executivo e tivemos de dar continuidade, passando a licença. No entanto, a verdade é que não se fez qualquer intervenção e, pior ainda, com o vandalismo que aconteceu no seu interior, o próprio concessionário, que tem como dever preservar aquele património, nunca fez nada”, atirou.

Em causa está o castelo com origens no século XIII, mandado construir pelo rei Dom Dinis, classificado como monumento nacional e onde, até finais de 2008, funcionou a pousada com o mesmo nome. “Queremos dinamizar aquele património e devolvê-lo aos cerveirenses e a todos aqueles que visitam o nosso concelho, sendo ele uma marca do nosso centro histórico”, frisou.  

Habitação complexa

Nas Grandes Opções do Plano e Orçamento para 2024, está ainda incluído um Plano Municipal de Integração dos migrantes mas, antes de falar dele, o Notícias de Viana quis saber “quais foram as conclusões do diagnóstico feito à população migrante residente no concelho”, uma vez que a questão demográfica é uma das suas questões centrais.

De acordo com Rui Teixeira, o diagnóstico mostrou que, no concelho, vivem entre 800 e 900 migrantes, em que “50% é de origem asiática (Índia, Paquistão e Bangladesh) e uma boa parte do restante vem da América do Sul (Venezuela, Brasil e Argentina)”. No total, Vila Nova de Cerveira contabiliza “quase 30 nacionalidades”. “O nosso propósito foi conhecer quem está cá, as condições em que vive e as suas necessidades, e se pretende ficar. Aqui, as coisas ficam mais duvidosas porque, os de origem asiática, a maioria, não pretende ficar. Já os da América do Sul têm mais intenções de ficar a residir”, adiantou, sublinhando o apoio do município, com um gabinete próprio, na sua integração, e as aulas de português, que estão integrados no Plano Municipal de Integração dos migrantes. “Associado a isto, temos a questão da habitação, que é mais complexa. O foco é sempre o município, por ser o governo de proximidade, mas, se formos à base, eles vieram para trabalhar. Quem os trouxe para cá foram as empresas, devido à necessidade de mão-de-obra. Contudo, as empresas só tratam de dar emprego. O resto está esquecido”, explicou, lamentando ainda a atuação das próprias instituições do Governo, “que, agora, nem existem”. “Abriram as portas, mas sem qualquer seriação e criação de condições para que essas pessoas possam estar cá. Portanto, não será a medida mais correta”, considerou, admitindo “algumas situações chatas” no concelho. “Há toda uma gestão que é necessário fazer nesta vertente da habitação”, defendeu, apelando a um debate entre Governo, municípios e empresas, para “avaliar e aplicar medidas adequadas à realidade”.

Bola de ilusão

Percentualmente, o Chega teve a sua maior votação em Vila Nova de Cerveira, nas últimas eleições. “Acredita-se que é por causa desta questão (da migração)?”, perguntamos. O autarca responde negativamente à questão, defendendo uma reflexão sobre a perceção das pessoas sobre a política, desde o estado das instituições públicas e da economia de onde residem. “Cada vez mais, a juventude (pós 25 de abril) é reivindicativa em relação ao modo de vida e de trabalho. Tem uma maneira diferente de ver as coisas. Esta visão, na minha opinião, aumentou durante a pandemia Covid-19. Quer tudo, sem fazer muito”, referiu, considerando que o Chega foi “um catalisador” de “todos os descontentes”. “Diz-se que muitos polícias são Chega. Não se consegue perceber em que vai o Chega ajudar nas suas carreiras”, atirou, frisando a necessidade de refletir sobre o que é este partido. “O Chega é André Ventura? Quem é que pertence ao Chega? Apesar de vermos algumas figuras na Convenção, em Viana do Castelo, como o senhor que disse ser fascista e o jovem que pensa como André Ventura, mas que não lê os pensamentos dele. É uma coisa sempre estranha”, acrescentou, referindo que se criou “uma bola de ilusão” devido à “boa capacidade oratória” de André Ventura. “Não sei quem, em Vila Nova de Cerveira, vota no Chega, mas devem ser aquelas pessoas que estão descontentes”, considerou, defendendo uma melhor educação para a cidadania nas escolas.

Maquilhagem orçamental

Comparativamente ao ano de 2023, o orçamento municipal de Vila Nova de Cerveira sofreu uma redução de cerca de 280 mil euros (1,4%). Num comunicado enviado à imprensa, a autarquia explicou que se deveu, por um lado, a um esforço de consolidação orçamental e, por outro, a algum atraso na abertura de concursos no âmbito do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência) e do Portugal 2030, de programas temáticos que vão ao encontro das prioridades traçadas para o concelho. Na entrevista, Rui Teixeira recorre à mesma justificação, acrescentando que “a redução, que é pequena, é fruto da evolução dos projetos em desenvolvimento”. “No ano 2023, concluímos o Centro Escolar e o Palco das Artes, que tinham um valor significativo”, exemplificou. No entanto, também referiu que “depende da maquilhagem orçamental que se queira dar”, admitindo que, se pretendesse dar uma visão de crescimento em termos orçamentais, “também o poderia fazer”. “Dizer que subiu o orçamento não serve para nada. Ou somos realistas e sérios no que estamos a fazer ou não somos. Eu prefiro não fazer publicidade e marketing pessoal, nem nada que se pareça. Estou aqui para trabalhar, e devemos ser responsáveis no que fazemos”, afirmou, observando que, “muitos caem nessa ratoeira”. “Fomos considerados um dos municípios com melhor execução económico-financeira. Esse é também o objetivo: ter as contas de modo transparente e sério, tendo uma boa execução na receita e na despesa”, frisou.

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