Recordar o “Escravo de Todos”

No dia 18 de setembro, celebrou-se o 1º aniversário de falecimento de D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo. Com o propósito de o dar a conhecer, o Notícias de Viana falou com familiares e amigos que o mantém vivo nas suas memórias, recordando-o como um homem “muito acolhedor”. Maria e Ângela Frazão, sobrinha e sobrinha neta, José e Luís Marques, amigo e afilhado, Alzira e Arnaldo Estanqueiro, um casal amigo, Mariana Pedro, sobrinha neta, Isolete Roriz, Inês Marques, Maria Graça Henriques, Clara e Rute Borges, amigas, foram algumas e alguns dos entrevistados.

Notícias de Viana
30 Set. 2021 15 mins
Recordar o “Escravo de Todos”

Notícias de Viana (NV): Como recorda D. Anacleto?Maria e Ângela Frazão (MA): Recordo o meu tio como uma pessoa simples e amável com todos, sempre disposto a ajudar. Um apaixonado pela natureza e por o que ela nos dá.

José Gonçalves Marques e Luís Marques (JL): Bom missionário.

Carmo, António e filhos (CA): D. Anacleto, dentro do que a sua agenda permitia, aceitava os convites para os encontros e festas de família. Ao seu redor havia sempre conversa serena, mas também animada, em que se discutiam diversos assuntos. Falava com muito entusiasmo das pessoas que ia conhecendo. Nos últimos anos, era das que encontrava quando se deslocava pelos recantos da Diocese de Viana, que mais falava. Para ele cada um desses encontros era muito importante, guardava boas lembranças de pessoas genuínas.

Alzira e Arnaldo Estanqueiro (AA): Um amigo, um conselheiro, um homem sempre preocupado a acolher tudo e todos de maneira muito particular, sempre atento a cada um, fosse quem fosse. Alguém sempre muito atento. Uma pessoa extraordinariamente culta, inteligente, estudiosa. Recordo, neste âmbito, o trabalho sobre “Os passos de S. Paulo”, que depois terminou numa viagem. Era, fundamentalmente, um amigo muito especial.

Isolete Roriz (IR): Recordo-o com muita saudade, com uma sensação de grande perda. Sinto falta das palavras afáveis e sábias ditas em baixo tom.

Maria Graça Henriques (MG): Recordo D. Anacleto como autêntica testemunha do Evangelho. D. Anacleto comentava muitas vezes: “Não Julgues para não seres julgado, não condenes para não seres condenado”. Uma expressão maravilhosa.

Inês Marques (IM): D. Anacleto era um homem de Igreja que servia como “escravo de todos”, um pastor que gostava de sentir o cheiro das suas ovelhas, numa coerência de vida em fidelidade à Palavra de Deus, que amava. Recordo-o como uma pessoa próxima, simples e atenta, firme nos seus princípios e ideias e com uma expressão clara e inteligente. Sinto uma grande gratidão a Deus pelo dom que ele foi para mim, ao confirmar-me e ajudar-me a crescer na fé.

Clara e Rute Borges (CRB): Recordo D. Anacleto como sendo uma pessoa muito amiga, sempre com bons conselhos para dar e destaco o seu bom humor.

(NV): Que característica destaca nele? Porquê?(MA): Dedicação e bondade são as características que, para mim, melhor o definem. Dedicação no seu trabalho e na fé, bondade para com todos os que se cruzaram na sua vida.

(JL): Dedicado à causa da Igreja! Explicando- se bem.

(CA): Era uma pessoa afável, acolhedora, com uma presença sempre bem-disposta… Embora a sua vida exigisse um trabalho académico intenso, gostava de trabalhar a terra, mantinha a sua horta e manifestava alegria pelos frutos… Era a ligação que mantinha com as suas origens…

(AA): A disponibilidade, a afetividade, a compreensão, o aconselhamento descomplicado, porque nós, que fazíamos parte de uma equipa de casais da qual ele era o Assistente, chegávamos com um problema, porque vivíamos as nossas vidas ou tínhamos filhos pequenos, e ele tinha a capacidade de descomplicar a situação, e isso era de uma leveza, de um conforto; ele descomplicava e, depois de nos abrirmos, ficávamos mais confiantes.

(IR): Das várias características de D. Anacleto, salientava-se o sorriso terno e acolhedor. Recorria frequentemente a casos verídicos para nos fazer entender a Palavra de Deus. Recordo quantas vezes me disse “Mulher, segue a tua vida”. Era um homem de paz.

(MG): Uma pessoa de uma humildade enorme, um verdadeiro amigo.

(CRB): A característica que destaco é a sua empatia. Era fácil gostar dele, pois tinha com ele algo de amigável, que atraía amizades.Colocava quem o rodeava, à vontade e sentíamos-mos bem em tê-lo por perto. De sorriso fácil, todos os momentos eram muito bem passados.

(NV): Que primeira recordação tem dele? Como se conheceram? Que relação foram estabelecendo?(MA): Recordo-me, ainda em pequena, das férias de verão que passávamos juntos na praia, em família, e em que todos os dias de manhã, assistíamos à Missa por si celebrada.Apesar de longe, o meu tio fazia questão de vir à sua terra natal sempre que podia, tendo tido o privilégio de poder passar bons momentos com ele à volta da mesa.

(JL): Quando estudava na Alemanha, na missão católica portuguesa. Colaborava com ele na missão católica portuguesa.

(CA): Recordo-o rodeado de sobrinhos pequenitos, e eu entre eles. Na véspera do casamento da irmã mais nova, fomos à Senhora do Monte, à capela onde ia ser celebrado. Primeiro, foi verificar se estava tudo pronto para a celebração e depois fomos, na brincadeira, apanhar pinhões nos pinheiros ao lado da capela. Saboreávamos estes momentos intensamente, pois contava muitas histórias interessantes e divertidas, recheadas de perguntas, que nos faziam soltar a imaginação. As nossas cabeças voavam, sentíamo-nos a viver verdadeiras aventuras…

(AA): Nós pertencíamos ao MEC (Movimento de Educadores Católicos) e ele era Assistente desse Movimento e tínhamos diversas atividades com ele. Ainda sendo ele padre jovem, aí começámos uma caminhada, já muito inovadora para a época. Foi muito bom caminhar com ele. Depois de o Movimento acabar, fizemos uma equipa de casais.

(IR): As minhas primeiras recordações foram quando ele nos caiu na comunidade portuguesa, na Alemanha – Gronau, a celebrar Missa para nós. Passámos a ter Missa dominical, deu formação a cate- quistas (a mim, inclusive) e organizou os vários anos da catequese e um grupo de jovens. Mais tarde, organizou um Curso Bíblico para adultos.Passámos de uma relação de conhecidos a amigos e, mais tarde, irmãos. Era para mim como um irmão mais velho, encontrando-se sempre disponível no momento e hora certas.A nossa amizade foi crescendo aos Domingos, quando nos juntávamos e almoçávamos juntos. Chegámos a confraternizar na época natalícia. Chegou a batizar uma das minhas filhas, celebrou as minhas Bodas de Prata bem como outros Sacramentos.

(MG): Conheci D. Anacleto há muitos anos, através do meu Grupo Bíblico. Todas as semanas nos reuníamos para falar sobre a importância de Deus nas nossas vidas, e interpretar a Bíblia, traduzindo à letra muitas passagens difíceis de perceber para nós.A nossa relação foi crescendo, passando a ser o meu diretor espiritual. Muito me ajudou a suportar momentos menos bons, fazendo-me acreditar que Deus nos põe à prova para ver até onde chega a nossa Fé e a nossa força; dava-me como exemplo o livro de Job.

(IM): Conhecemo-nos em 2008, num encontro de preparação para o Sacramento do Crisma, na Paróquia de Bombarral, no Patriarcado de Lisboa. Nos encontros com os crismandos, D. Anacleto tinha o hábito de lançar uma pergunta para poder ouvir e conhecer cada um deles, cujas respostas anotava ordenadamente num pequeno caderno. Nesse dia perguntou “O que sentem, quando entram na igreja?”. Logo nesse momento, suscitou em mim o sentido da presença de Deus vivo, pela proximidade e diálogo profundo que desde aí estabelecemos, e que fomos desenvolvendo e aprofundando ao longo dos anos, numa relação de amizade que, entretanto, se estabeleceu. Tenho a graça de ter aprendido com D. Anacleto a reconhecer a presença de Deus em cada pessoa, a procurar conhecer a Sua vontade e a ser testemunha do Evangelho, “com pés e mãos, à maneira do próprio Jesus e dos Seus discípulos” como gostava de dizer. Visitei-o várias vezes em Viana do Castelo, Diocese que amava, e deu-me a conhecer as suas pessoas, geografia e cultura, sempre com alegria e afeto.

(CRB): Acompanhou-nos desde as nossas bodas de prata. O D. Anacleto ofereceu-se para realizar a celebração connosco em Fátima.A amizade perdurou, realizou a cerimónia de casamento da nossa filha e os batizados dos nossos netos.Estávamos juntos com regularidade e foi com muito sofrimento que perdemos um amigo verdadeiro.

(NV): O que aprendeu com ele?(MA): Aprendi a simplificar as coisas da vida, a valorizar o pouco e a saber aproveitar o presente. Aprendi a servir.

(JL): Dever de continuar na Igreja e colaborar; e ser ativo.

(CA): Aprendemos a viver todas as coisas de forma muito intensa, valorizando principalmente as pessoas simples, independentemente do seu estatuto social. Com o seu exemplo, aprendemos o valor da fidelidade, principalmente ao Evangelho, com todas as exigências que isso acarreta.

(AA): Aprendemos com ele exemplos de vida. Aprendemos a aceitação do bom e do menos bom. Ajudava a viver o momento atual. Na altura, éramos jovens e ele era uma pessoa que estava presente, diferenciando cada um.

(IR): Com ele aprendi a ter mais calma, a saber ouvir, a não dar importância ao que não é importante. Fez-me ver a vida com coragem, vivendo-a um dia de cada vez e dando valor às pequenas coisas. Aprendi a amar, dando-me sem querer nada em troca. Com D. Anacleto, aprendi algumas interpretações bíblicas, a saber acolher com simpatia, que só a ele pertencia.

(MG): Aprendi a ser mais Igreja, cresci espiritualmente, e a viver a vida acreditando que a Deus tudo é possível.

(CRB): Aprendi que a amizade e a família são o bem mais precioso que temos. É que desde o momento em que nos conhecemos, nasceu uma amizade com mais de 20 anos.

(NV): O que pensa que o marcou (momentos, pessoas …)? O que foi decisivo na vida de D. Anacleto? Porquê?(MA): Os anos que viveu em Roma e na Alemanha certamente o marcaram, assim como as pessoas que por essas terras conheceu. A sua ida para Viana, como Bispo, foi um dos momentos mais marcantes da sua vida. Ele adorava as pessoas, que tão bem o acolheram, assim como os costumes.

(JL): A sua disponibilidade, pondo de parte os sacrifícios e sempre disponível!

(CA): Pensamos que a família onde cresceu, e de que falava com frequência, o marcou profundamente.É nessa base que assenta a sua estrutura. Ao longo da sua formação aconteceu o Concílio Vaticano II. A novidade e a abertura que trouxe à Igreja foram profundamente assimilados e vividos ao longo da sua vida de pastor.Destacamos também a figura de S. Paulo, a que dedicou estudo aprofundado e que procurou dar a conhecer e a viver à Igreja, particularmente no Ano Paulino.Já em Viana, aquilo que mais destacava eram as suas gentes. Amava-as e admirava-as muito, sentia verdadeiro gosto nelas. O encontro com Frei Bartolomeu dos Mártires foi uma grande surpresa e fonte de inspiração para a sua ação pastoral.

(AA): A ida à Alemanha, deu-lhe uma visão de uma outra Europa a que Portugal ainda não tinha acesso. Nós aqui éramos muito limitados. Por exemplo, na nossa zona era habitual os padres fazerem questão de ser “senhores padres” e os bispos eram quase “sumidades”, mas ele era uma pessoa simples e ninguém se apercebia destes gestos da parte dele.

(IR): Acho que o povo de Viana do Castelo o marcou pela forma como D. Anacleto se expressava. Na sua vida, foi decisivo o seu empenho em aprofundar a vida e morte de S. Bartolomeu dos Mártires. Penso que a decisão mais profunda da sua vida foi amar a Bíblia e aprofundá-la, chegar ao máximo de conhecimento sobre todos os povos que a escreveram. Era interessado numa interpretação mais fiel da Bíblia e na sua divulgação.

(MG): O que o marcou foram as idas a Fátima quando era criança e aí sentiu o chamamento à vida de Sacerdote. Também gostava de estar com os amigos, mas principalmente junto da família, seu pilar.

(IM): Acredito que o amor à Palavra de Deus marcou a sua vida. Para aprofundar o estudo da Bíblia, esteve dez anos na Alemanha e aí foi marcado pela amizade com São Paulo, ao qual dedicou a sua tese de doutoramento. Este tempo passado no estrangeiro desenvolveu a sua capa- cidade de abertura a diferentes culturas, que acredito ter sido também decisiva na sua vida.

(CRB): Penso que o que marcou e o que foi decisivo na vida dele, foi sempre a sua entrega à Igreja, com paixão. Paixão esta que contagiava todos em seu redor.

(NV): Qual considera ser o seu maior legado?(MA): O meu tio deixou-nos todos os seus conhecimentos, que partilhou com os seus alunos e colegas de uma vida dedicada à Palavra de Deus.

(JL): Exemplo cristão.

(CA): O seu lema episcopal: “Escravo de todos”. Testemunhou que, na Igreja, existem homens profundamente fiéis, que vivem esta fidelidade no aqui e agora, contextualizada no serviço aos outros. E isso é um convite para nós, para que em cada momento vivamos o Evangelho.

(AA): Acho que ele pretendeu sempre que nós vivêssemos o dia-a-dia da melhor maneira possível sem, no entanto, viver- mos reféns de falsos moralismos, porque, se a moral é necessária, é para a pôr ao serviço de todos. Ele dizia que era o “escravo de todos”, mas a verdade é que ele tentava sempre ajudar. O seu grande legado é a amizade. Eu penso que não o vamos esquecer.

(IR): D. Anacleto deixou-nos pegadas bem profundas de quem amou, partilhou, trabalhou com retidão e justiça. Era uma pessoa boa.

(MG): O maior legado deixado por D. Anacleto à Igreja, entre outros, foi nunca exagerar no falar, muito menos no agir, para não cair em extremos, pois qualquer que seja, será sempre perigoso. A virtude está no meio, não nos extremos. D. Anacleto dizia: “A solidão só existe para quem não tem Vida Interior”.

(IM): Procurou viver, experimentar e saborear a presença de Deus na vida de cada pessoa, em proximidade e simplicidade. Por isso, acolhia cada uma como o anúncio da mensagem e da pessoa de Cristo, e tinha especial cuidado com a instrução do Povo de Deus.Empenhou-se nas cartas pastorais que, anualmente, escrevia aos diocesanos, nos catecismos e guias de catequistas para os quais contribuiu e preparou, e, mais recentemente, na nova tradução da Sagrada Escritura.

(CRB): O seu maior legado foi essa mesma entrega e paixão pela Igreja, mas também a sua empatia e humanidade que acabava por reunir muitas pessoas em seu redor com vontade de o acompanhar nesta jornada.

(NV): Quais acredita terem sido os seus maiores sonhos e projetos para a Igreja? (MA): Um dos seus maiores sonhos, por ele partilhado, seria traduzir a Bíblia, projeto esse que iniciou e que tanta alegria lhe deu. A descoberta de Bartolomeu dos Mártires também foi um dos projetos que abraçou com muita felicidade.

(JL): Não lhe conheci grande ambição pessoal, além de cumprir o seu dever.

(CA): Acreditamos que vivia em profunda comunhão com o Papa Francisco e sonhava com uma Igreja próxima dos mais necessitados, que acolhe, principalmente os que estão nas margens, com uma Igreja que é de todos e para todos.A tradução da Bíblia era o projeto que tinha em mãos e que desejava poder concluir…

(AA): Penso que ele pensava muito na reforma da Igreja e que queria investigar cada vez mais para esclarecer os que o rodeavam. Desejava uma Igreja presente e atual. Era um insatisfeito na parte intelectual.

(IR): Acredito que os seus maiores sonhos eram tornar o povo mais humano e mais justo. Na Igreja, gostaria de terminar o seu projeto bíblico. D. Anacleto deu o maior testemunho de vida. Deixou documentos entre nós que o fazem imortal. Em suma, era uma pessoa boa, amiga do seu amigo.

(IM): Na Carta Pastoral aos diocesanos de Viana do Castelo para a vivência do terceiro ano do projeto trienal 2017-2020, celebrativo dos quarenta anos da Diocese, “Somos Igreja que Acolhe”, D. Anacleto, em meu entender, deixou-nos os sonhos que tinha para a Igreja: uma Igreja em que Deus reine; em que o maior é o mais pequeno; acolhedora de todos, em especial dos mais débeis na fé; que pratica a correção fraterna e não se alheia dos que excluem Deus da sua vida; que vive do perdão ilimitado, seguindo o modelo de Jesus. “Que bom será se eles descobrirem em mim o rosto do Evangelho, visível na simpatia e carinho com que os acolhi, tratei e amei!”, era seu desejo e que acredito ser marca na vida de muitos.

(CRB): Penso que um dos seus maiores sonhos era o de despertar a Fé nas pessoas. Estou convicta que o conseguiu, pois tive a oportunidade de assistir às cerimónias e a adesão foi sendo cada vez maior.

Fotografia em destaque: Arménio Belo

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Tags Entrevista

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