Proclamar e testemunhar o Evangelho da Vida

Nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma persistência de determinadas forças políticas e sociais na legalização da eutanásia. Foram várias as vozes vindas de todos os quadrantes da sociedade, organizações médicas, judiciais, associações profissionais de diversos contextos profissionais e alguns partidos políticos que se pronunciaram contra tal decisão. O próprio Tribunal Constitucional foi […]

Notícias de Viana
19 Mai. 2023 6 mins
Proclamar e testemunhar o Evangelho da Vida

Nos últimos anos, temos vindo a assistir a uma persistência de determinadas forças políticas e sociais na legalização da eutanásia.

Foram várias as vozes vindas de todos os quadrantes da sociedade, organizações médicas, judiciais, associações profissionais de diversos contextos profissionais e alguns partidos políticos que se pronunciaram contra tal decisão. O próprio Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre a constitucionalidade de tal diploma e obrigou a várias correções.

Por último, o Sr. Presidente da República julgou necessário remeter novamente o mesmo diploma à Assembleia, por julgar que necessitava de novos esclarecimentos.

Apesar de todas estas vozes e interpelações, alguns deputados, e não só eles, em oportunismo político, levam o mesmo diploma novamente a votação que, segundo as leis da Republica, terá de ser promulgado.

Acresce que esta matéria, tão grave e de implicações culturais e civilizacionais de alcance incalculável, não fez parte dos programas da maioria dos partidos, senão de todos, na campanha eleitoral, da qual resultou a atual composição da Assembleia da República.

A Igreja, embora reconhecendo que estamos perante uma matéria que diz respeito ao todo da sociedade e não fica restrita a qualquer questão de consciência ou de religião, sente o seu dever de oferecer a sua reflexão para iluminar a consciência dos homens e mulheres que vivem ameaçados por estas posições fraturantes a saber decidir, tanto a nível individual como no que diz respeito à sua participação cívica.

Embora a Conferência Episcopal Portuguesa se tenha pronunciado a seu tempo sobre esta matéria (Comunicado de 9 de junho de 2022), com a catadupa de acontecimentos e com a agenda mediática que constantemente desvia para outros assuntos, esta matéria de relevância máxima para a sociedade atual, parece passar como se de algo trivial e banal se tratasse.

Tal como acontece com a legalização do aborto, a eutanásia revela um retrocesso cultural e civilizacional.

Após todo um caminho que se foi fazendo a nível europeu, e mesmo em outros continentes, em repudiar todas as formas de violência contra a vida humana, somos agora confrontados com determinados decisores políticos a decretar a possibilidade de se matar.

Claro que o argumento é sempre o da livre determinação do próprio perante determinados fatores que são enumerados na lei. Mas, neste caso, não se trata de decidir a morte perante o sofrimento e nem sequer é uma questão individual, porque estamos perante um património social e civilizacional.

Para combater o sofrimento, exigem- -se medidas concretas que afastem o sofrimento, porque a eutanásia não é contra o sofrimento, é contra a vida. Esta verdade está mais que afirmada, mas teimosamente não reconhecida.

A vida é o dom essencial e fundamental no qual se incluem e alicerçam todos os outros elementos da vida humana. Para se ser livre, exige-se a vida como pressuposto prévio.

Esta ocasião é propicia para revisitarmos alguns documentos da Igreja que nos ajudem a aprofundar esta temática. Realço apenas dois, ambos de S. João Paulo II: «O Evangelho da Vida» (25 de março de 1995) e «A Igreja na Europa» (28 de junho de 2003). 

Porque a cultura europeia não se compreende sem as suas raízes cristãs, importa lembrar o que o Papa S. João Paulo II nos refere quando afirma que «a crise da memória e herança cristãs, acompanhada por uma espécie de agnosticismo prático e indiferentismo religioso, fazendo com que muitos europeus dêem a impressão de viver sem substrato espiritual e como herdeiros que delapidaram o património que lhes foi entregue pela história» (EE, 7). 

E, num outro passo, realça que «na raiz da crise da esperança, está a tentativa de fazer prevalecer uma antropologia sem Deus e sem Cristo» (EE, 9). 

De facto, «esta forma de pensar levou a considerar o homem como o centro absoluto da realidade, fazendo-o ocupar astuciosamente o lugar de Deus e esquecendo que não é o homem que cria Deus, mas é Deus que cria o homem» (EE, 9). Aliás, «o ter esquecido Deus levou a abandonar o homem, pelo que “não admira que, neste contexto, se tenha aberto amplo espaço ao livre desenvolvimento do niilismo no campo filosófico, do relativismo no campo gnoseológico e moral, do pragmatismo e também do hedonismo cínico na configuração da vida quotidiana» (EE, 9). 

Por fim, conclui o Papa, «a cultura europeia dá a impressão de uma “apostasia silenciosa” por parte do homem saciado, que vive como se Deus não existisse» (EE, 9). 

Voltado para o continente europeu, no qual se inclui o nosso país, o Papa S. João Paulo II lança o desafio que sintetiza dizendo que «à vista deste estado de coisas, é necessário servir o Evangelho da vida, nomeadamente através de uma mobilização geral das consciências e de um esforço ético comum, para se actuar uma grande estratégia a favor da vida» (EE, 96). 

Daí afirmar que é absolutamente necessário que todos juntos devamos construir uma nova cultura da vida. 

Deveras, segundo as suas palavras, «este é um desafio imenso que temos a responsabilidade de enfrentar, sabendo que o futuro da civilização europeia depende muito duma decidida defesa e promoção dos valores da vida, núcleo do seu património cultural; trata-se efectivamente de restituir à Europa a sua verdadeira dignidade, ou seja, a dignidade de ser um lugar onde toda a pessoa veja afirmada a sua incomparável dignidade» (EE, 96).

Já na Encíclica «O Evangelho da Vida», atrás citada, o Papa S. João Paulo II, referindo-se ao valor da vida, sublinha que «a Igreja, perscrutando assiduamente o mistério da Redenção, descobre com assombro incessante este valor, e sente-se chamada a anunciar aos homens de todos os tempos este “evangelho”, fonte de esperança invencível e de alegria verdadeira para cada época da história» (EV, 2). 

Daí concluir que «o Evangelho do amor de Deus pelo homem, o Evangelho da dignidade da pessoa e o Evangelho da vida são um único e indivisível Evangelho» (EV, 2). 

A lei deve defender a dignidade humana e não o seu contrário. A vida é o fundamento de toda a dignidade humana, que deve ser defendida. 

Exige-se a todas as instâncias educativas, família, escolas, movimentos e associações, igrejas, que programem uma formação sólida na defesa da vida contrariando os sinais de cultura da morte que teima em ser imposta na sociedade. 

Que a verdadeira consciencialização de toda a sociedade esvazie, na prática, o conteúdo destas leis contra a vida humana.

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