Nós, bichos sociais

Teremos presente que a nossa relação com os outros é (também) a nossa maior preciosidade?

Marlene Ferraz
19 Jul. 2024 4 mins
Nós, bichos sociais

Os estudos têm sido tão claros: é a quantidade e a qualidade das nossas relações humanas que mais determinam a (suspirada) felicidade – quando sentimos que pertencemos a um círculo relacional de suporte e aprofundamos a intimidade com um número mínimo de outros, tendemos a perceber mais sentido e propósito na nossa experiência existencial e a superar melhor os inevitáveis desafios da vida, o que tem um efeito positivo na saúde física e psicológica e leva, até, a vivermos mais anos. Os outros são, afinal, a grande preciosidade (a contrariar a afirmação de Sartre, o inferno são os outros) e é de maior importância investirmos dedicadamente na nossa rede, que, podendo ser vista como um sistema vivo, pede cuidados de manutenção. Evoluímos para bichos sociais precisamente por ser mais seguro estar em grupo, o que ajuda a regular o stresse e, portanto, a melhorar os indicadores de saúde – é esta a hipótese avançada por Robert Waldinger, professor da Universidade Harvard e orientador de um dos estudos mais longos sobre desenvolvimento humano. Os resultados investigativos vieram mostrar, por exemplo, que a satisfação com os relacionamentos aos 50 anos previa melhor a saúde física do que os níveis de colesterol e futurava pessoas mais saudáveis aos 80. E, ainda, aquelas com maior satisfação na relação romântica relatavam menos dor física e emocional. Sabe-se já que a solidão (e o isolamento indesejado) é tão prejudicial à saúde como o verbo fumar, a condição de obesidade e a poluição ambiental – pela urgência em abrandar a já considerada epidemia, há países, como o Japão, que avançaram com a criação de um ministério da solidão. Mas nem todos os relacionamentos contam para este reservatório de felicidade – alguns podem manifestar-se abusivos, marcados por uma necessidade excessiva de dominação do outro, em que uma das partes acaba por ser estimada com menor valor ou poder e, portanto, com as suas necessidades e interesses mais desconsiderados. Interações de má qualidade têm o efeito contrário, podendo, até, assumir contornos mais graves, o que pede a tomada de decisões favoráveis que garantam a nossa segurança e bem-estar. E se é tão evidente que a nossa ligação com os outros tem esta influência aumentada na composição de uma vida mais inteira, importa, então, apostarmos, não apenas no desenvolvimento ou melhoramento das nossas competências profissionais, mas também nas relacionais – sabermos estar (eficientemente) com o outro será, assim, uma das grandes mestrias para o florescimento da desejada humanidade mais consciente e ligada.

Portanto, a pergunta de hoje: teremos presente que a nossa relação com os outros é (também) a nossa maior preciosidade? Colocar a nossa rede relacional com prioridade na agenda é investir, claramente, na nossa saúde e felicidade – e, num mundo apressado e ocupado como o de agora, dedicar tempo (intencionalmente) ao outro é o primeiro andamento para uma nova revolução.

“É TUDO SOBRE RELACIONAMENTOS. A mensagem final é que os relacionamentos nos farão felizes. Porém, a mensagem completa é que precisamos aprender a trabalhar dentro destes relacionamentos – e há muito trabalho a ser feito.” Robert Waldinger

PRÁTICA

– ter um mapa interior das nossas relações importantes

– investir tempo de ligação com regularidade

– criar experiências e memórias positivas

– apostar numa resolução de conflitos construtiva

– manifestar afeição nas coisas mais simples

 

Floresçamos. Juntos.

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