A Câmara Municipal de Melgaço atravessa uma situação financeira que o atual executivo classifica como “preocupante, para não dizer catastrófica”, levando à suspensão de apoios considerados não prioritários, entre os quais o MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, cuja edição de 2026 não se realizará.
O município, liderado desde outubro pelo social-democrata José Albano Domingues, aprovou para 2025 um orçamento na ordem dos 37 milhões de euros, mas herdou um passivo elevado e compromissos financeiros significativos, de acordo com uma auditoria interna realizada após a tomada de posse do novo executivo.
Segundo dados revelados pelo presidente da Câmara, Melgaço tem mais de 26 milhões de euros de passivo, dos quais cinco milhões correspondem a dívidas a fornecedores, somando-se ainda cerca de 20 milhões de euros em compromissos assumidos que transitam para exercícios futuros. “Quando chegámos à Câmara, deparamo-nos com uma situação financeira preocupante, para não dizer catastrófica”, afirmou José Albano Domingues, admitindo que os resultados da auditoria foram piores do que o esperado, sobretudo no que diz respeito aos compromissos já assumidos.
Em declarações à Rádio Vale do Minho, o autarca sublinhou que o esforço de consolidação financeira “não é um trabalho para meses”, mas sim para “dois ou três anos”, defendendo que o município não pode “viver acima das suas possibilidades”. “Obviamente que vamos cortar naquilo que não é prioritário”, afirmou, assegurando que áreas como a água, resíduos sólidos, saúde e ação social não serão afetadas. “A população está consciente, solidária, e compreenderá que temos de melhorar a situação financeira da Câmara e impedir que o problema se prolongue”, acrescentou.
É neste contexto que surge a decisão de suspender o apoio municipal ao MDOC – Festival Internacional de Documentário de Melgaço, um dos eventos culturais mais relevantes do concelho e que se preparava para a sua 12.ª edição.
A associação AO NORTE, responsável pelo evento, revelou que o município contribuía com cerca de 140 mil euros, valor que correspondia a aproximadamente 90% do orçamento total do festival, tornando inviável a sua realização sem esse financiamento.
Em declarações à Rádio Vale do Minho, José Albano Domingues explicou que, após analisar o caderno de encargos apresentado pela organização, o executivo concluiu que “a Câmara não tem dinheiro para pagar”. “Entendemos que o MDOC não é prioritário”, afirmou o autarca, sublinhando que, apesar da suspensão do festival, o projeto audiovisual desenvolvido nas freguesias continuará em 2026.
A decisão foi criticada pelo Bloco de Esquerda, que classificou a suspensão do MDOC como “um retrocesso grave e inaceitável”, acusando o executivo do PSD de manter uma “relação problemática com a cultura”. Para o partido, trata-se não apenas de um ataque à cultura, mas também “à população de Melgaço e à sustentabilidade do concelho”, num território marcado pelo despovoamento.
Também nas redes sociais a suspensão do MDOC gerou uma onda de reações, lamentando o fim do festival e a questionarem as prioridades do executivo municipal.
Várias publicações sublinham que o MDOC “sempre foi mais do que um festival de cinema”, destacando o seu papel na preservação da memória, da identidade e do território, num concelho que acolhe o Museu de Cinema Jean-Loup Passek, um dos poucos museus dedicados ao cinema na Europa. “Quando se acaba com um bem, ficamos de luto carregado”, escreveram, falando numa “experiência que pôs Melgaço no mapa”.
Outros comentários destacam a dimensão formativa e comunitária do festival, lembrando cursos de verão, masterclasses, residências artísticas, exposições nas aldeias e o envolvimento direto da população local. “O MDOC era um festival de qualidade excecional, que não se limitava a passar filmes”, lê-se numa das publicações, que enumera nomes de programadores, formadores e artistas ligados ao projeto ao longo dos últimos 11 anos.
Há também críticas diretas à argumentação financeira do executivo. Algumas pessoas questionam a dramatização das dívidas herdadas e defendem que o valor do apoio ao MDOC é reduzido quando comparado com outros eventos municipais. “140 mil euros divididos por 200 mil pessoas do Alto Minho são 70 cêntimos por pessoa”, escreve um comentador, acrescentando que “quem não aceita esse valor para preservar a memória e a identidade, não se importa com as pessoas do amanhã”.
Outras reações acusam a nova maioria de falta de ambição cultural, alertando para o risco de regressar a uma programação centrada em eventos populares de curto alcance. “É talvez o único evento cultural de dimensão internacional que Melgaço organiza”, escreve outro utilizador, defendendo que a decisão deveria ser “uma causa suprapartidária”.
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