Mas Como Operacionalizar A Nova Evangelização?

A Passagem do Testemunho Cristão em Épocas Passadas Recordo sobretudo duas: a Idade Média e a época do Barroco. É curioso que na Idade Média, apesar do analfabetismo da maioria das pessoas, a evangelização e a catequização foi feita, de um modo particular, através do teatro popular: representação cénica de autos de mistérios, milagres, vida […]

Notícias de Viana
21 Nov. 2019 7 mins
Mas Como Operacionalizar A Nova Evangelização?

A Passagem do Testemunho Cristão em Épocas Passadas

Recordo sobretudo duas: a Idade Média e a época do Barroco.

É curioso que na Idade Média, apesar do analfabetismo da maioria das pessoas, a evangelização e a catequização foi feita, de um modo particular, através do teatro popular: representação cénica de autos de mistérios, milagres, vida de santos e de moralidades. Gil Vicente, o pai do teatro português, é um herdeiro de toda a tradição popular, renovando-a e introduzindo-a na época clássica. É considerado o primeiro grande dramaturgo de Portugal; daí ser considerado o pai do teatro português. Não se limitou a escrever peças de teatro, era também músico, ator e encenador. Ainda hoje, Gil Vicente é um dos dramaturgos portugueses mais encenados. Compôs peças para todos os estratos sociais, inclusivamente para a Corte Real. Recordo aqui algumas, as de temática cristã, como Monólogo do Vaqueiro ou Auto da Visitação (1502), Auto dos Reis Magos (1503), Auto da Fé (1510), Auto da Feira (1527), Auto da Alma (1508), Auto da Barca do Inferno (1516), Auto da Barca do Purgatório (1518), Auto da Barca da Glória (1519), Auto da História de Deus (1527), Diálogo de uns Judeus e Centúrios sobre a Ressurreição de Cristo, Auto da Cananea (1534), Auto de São Martinho (1504), Quem Tem Farelos? (1505), Auto da Índia (1509), Farsa de Inês Pereira (1523).  Ainda hoje, em muitas Paróquias se representa o Auto do Natal e da Paixão de Cristo. Achei curiosa a afirmação que um pastor de uma confissão cristã fez ao expressar-se desta maneira “os católicos só aparecem na Páscoa”, referindo-se às múltiplas representações da Paixão do Senhor e às diversas procissões da Semana Santa. Esta atitude evidencia a importância que tem o texto dramático e demais expressões culturais religiosas, como veículo de evangelização que cativa e galvaniza os fiéis.

Também no período Barroco, cujo estilo aparece muito associado à evangelização feita particularmente pela Companhia de Jesus na época da contra-reforma, a Igreja impulsiona significativamente a arte sacra como motor de evangelização. A arte barroca aparece em Itália no fim do século XVI e estendeu-se até ao século XVII. A Igreja católica queria reafirmar e difundir a doutrina de Jesus Cristo. E é nesse processo de construção e decoração que nasce a arte barroca. A igreja Gesù foi a primeira de estilo barroco, construída em Roma por um dos mais importantes arquitetos italianos, Giacomo della Porta, entre 1571 e 1575, e pertencia à Companhia de Jesus. Arquitetos, pintores e escultores tinham a “missão” de transformar as igrejas em espaços cénicos para a representação de uma espécie de “teatro sagrado”. A meta era sensibilizar os cristãos para a perseverança nos compromissos de fé.

Fascínio Hodierno Pela Idade Média

Já nos habituamos às feiras medievais que hoje em dia se realizam por toda a parte. A Idade Média reflete a alma e a cultura do povo, é uma espécie de inconsciente coletivo junguiano que exprime todas as valências culturais de um povo, que estão na base da idiossincrasia de cada país. Por isso, o Romantismo, ao salientar o nacionalismo, tem como referência primordial todo esse lastro cultural e cultual. 

Isto vem a propósito da necessidade que tem a Igreja de estar presente no espaço do nosso tempo com teatro e musicais. Há aspetos em comum entre a Idade Média e o Mundo Contemporâneo: todas as pessoas gostam de teatro e de música e andam à procura do que é diferente e genuíno. Outro aspeto análogo é o facto de a maioria dos medievais serem analfabéticos e uma grande parte dos contemporâneos não gostarem de ler, embora cultos. O que é novo no nosso tempo é a dispersão e a comunicação fragmentária e encurtada devido, penso eu, às múltiplas solicitações mundividências. Mas o que é certo, é que as pessoas apreciam um bom teatro em moldes de sketch.  É uma oportunidade privilegiada para jovens e demais pessoas ativas. Era importante que a Igreja também estivesse presente com uma tenda nas feiras medievais através da arte dramaturga e musical.

A Nova Evangelização

Esta expressão aparece pela primeira vez no Concílio Vaticano II. É retomada nomeadamente por S. João Paulo II, Bento XVI e o Papa Francisco. A necessidade da Nova Evangelização advém da urgência de se encontrar uma resposta, segundo o cardeal Joseph Ratzinger, para “o processo progressivo e preocupante de descristianização e de perda dos valores humanos essenciais. Uma boa parte da humanidade de hoje não encontra na evangelização permanente da Igreja o Evangelho, ou seja, uma resposta convincente à pergunta: como viver? Eis por que procuramos, além da evangelização permanente, jamais interrompida e que nunca se deve deter, uma nova evangelização, capaz de se fazer ouvir por aquele mundo que não encontra o acesso à evangelização clássica.” (Roma: Congresso dos Catequistas e dos Professores de Religião e Moral em 10 de dezembro de 2000).

A Nova Evangelização, que pressupõe “novo ardor, novos métodos e novas experiências”, parece que morreu na praia e tornou-se um slogan que ainda ecoa nos nossos ouvidos. O que encontramos de vontade inovadora e com empenho de contínua reformulação, ocorre no âmbito da catequese e movimentos pastorais. Porém a grande maioria dos cristãos ficou à margem dos novos processos de comunicação. 

A evangelização tem que se processar a dois níveis: no primeiro, anúncio festivo da Boa Nova que há-de despertar para a fé; em seguida, ou simultaneamente se é exequível, o respetivo aprofundamento vivencial na catequese e na liturgia. Acontece que muitos dos nossos cristãos batizados, em termos práticos, nunca passaram por algo equivalente a um catecumenato. Todos nós sabemos que, na Igreja Primitiva, os catecúmenos só participavam na primeira parte da missa. Só depois do batismo é que tinham acesso àquela. É evidente que a Eucaristia é um momento privilegiado de evangelização, mas só o será com toda a eficácia se investirmos no primeiro nível.

Apesar da Nova Evangelização estar tão bem estudada e expressa com argumentos persuasivos em belíssimas comunicações e homilias, que nos encantam, fracassou. Faltou-lhe a pragmática, não foi operacionalizada. Segundo a minha modesta opinião, esta tem que ser a nova fase; urge operacionalizá-la para a concretizar particularmente neste terreno europeu de missão. Nas minhas deambulações pela cidade, está sempre presente a minha assiduidade na visita às livrarias, inclusive, como não podia deixar de ser, às de temática cristã. Fico muitas vezes desiludido com a falta de obras práticas de evangelização. Daqui deriva a grande questão que realço neste texto: “Mas Como Operacionalizar a Nova Evangelização?” 

Vivemos no século da pedagogia, e ela tem de estar presente no espaço eclesial. Acho que seria recomendável que as Dioceses, e porque não dizê-lo, o Episcopado de cada país, se debruçassem também sobre o modo prático de implementar no terreno concreto do nosso tempo, a Evangelização. Cristo deixou-nos o Evangelho, a Boa Notícia, a Novidade de todas as novidades, O Vinho Novo da Salvação. E disse-lhes: “Ide por todo o mundo, anunciai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16,15). E num mundo ávido de novidade, a integridade do Evangelho tem de ser anunciada em moldes modernos: “Vinho Novo” em novas expressões culturais. Para isso é necessário preparar materiais pedagógicos, como tratamento de textos, esquemas metódicos, musicais, dramatização de textos, etc., e assumir a coordenação do ato evangelizador. Na verdade, quem está no terreno, sente-se limitado para abraçar todas as fases do processo missionário, e não pode ser responsabilizado pela ineficácia da evangelização. Deus não nos falta com a Sua assistência permanente e, por isso, nós não nos podemos portar como meros amadores de Evangelização.

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