Gabinete de Atendimento à Família defende mais apoio na prevenção

De acordo com o portal ePortugal, as instituições do sector social e solidário empregam cerca de 300 mil pessoas e, entre 2015 e 2023, “o Governo aumentou em 760 milhões de euros o investimento estrutural anual nos acordos de cooperação, um aumento de 60%”. Mas, ainda assim, muitas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), enfrentam dificuldades.

Micaela Barbosa
16 Fev. 2024 13 mins
Gabinete de Atendimento à Família defende mais apoio na prevenção

O Gabinete de Atendimento à Família (GAF) de Viana do Castelo foi criado no Ano Internacional da Família, há 30 anos, pela Comunidade Carmelita. Foi, segundo o Pe. Carlos Gonçalves, um dos fundadores e atual diretor da instituição, “a primeira grande IPSS” que abriu no distrito que visa “desenvolver respostas sociais de qualidade, com espírito humanista e solidário, que promovam os direitos, a qualidade de vida, a inclusão e a cidadania de indivíduos e famílias em situação de vulnerabilidade social e/ou económica”. “A nossa comunidade fazia atendimentos espirituais, e éramos muito procurados por famílias muito vulneráveis, quer do concelho, quer de fora dele”, recordou, contando que, entre 1999 e 2000, foram desafiados pela Segurança Social a criar uma IPSS.

Hoje, o GAF tem “cerca de 60 funcionários”, dos quais grande parte são técnicos superiores. Hierarquicamente, é constituído por Conselho Geral, Conselho Fiscal e Direção. Todos voluntários. Já no que diz respeito às respostas sociais, disponibiliza o apoio à comunidade com os serviços de apoio comunitário e comunidade de inserção, a prevenção e intervenção na violência doméstica com a Casa Abrigo e o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica, a proteção da família e criança com o Centro de Atendimento Psicossocial VIH/SIDA e a Unidade de Apoio na Toxicodependência, e os serviços socialmente solidários com oficinas e WashGaf. Aliado a isto, o GAF criou um conjunto de projetos ligados a estas várias áreas: Equipa de Rua IR mais, Centro de Acolhimento Temporário de Emergência para Vítimas de Violência Doméstica (CAE – VVD), RAP – Projeto Caça Sonhos, incorpora, Farol, PO APMC – Projeto Operacional da Apoio às Pessoas Mais Carenciadas, e Algodão Doce.

Leandra Rodrigues é, desde 2013, coordenadora-geral e assume que os pedidos de ajuda têm aumentando, mas têm conseguido dar resposta. “Nunca sozinhos”, sublinhou, acrescentando que, ao longo destes 30 anos, na perspetiva de crescimento e mudança, consolidaram-se na rede social e estabeleceram um conjunto de parcerias que complementam a sua missão.

Segundo o Relatório de Atividades de 2022 do GAF, ao longo dos anos, “tem-se verificado um aumento progressivo do número de atendimentos individuais, tendência essa que se manteve em 2022, com um aumento de cerca de 8,5% em relação a 2021”. “Nos últimos 10 anos de funcionamento do GAF, verificou-se um aumento superior a 150% ao nível dos atendimentos e mais de 60% no número de pessoas atendidas/acompanhadas”, lê-se.

Acolher vítimas de violência doméstica

No que à violência doméstica diz respeito, os dados nacionais indicam que, em 2022, as queixas e os homicídios por violência doméstica aumentaram. Houve 28 vítimas mortais, 24 mulheres e quatro crianças. Viana do Castelo, de acordo com a coordenadora-geral, “não é o distrito com mais queixas, em termos percentuais”, mas os números mostram igualmente um aumento no número de vítimas que passaram pelo GAF nos últimos anos.

Em 2022, o GAF atendeu 302 vítimas de violência doméstica nos concelhos de Viana do Castelo e de Ponte de Lima, através do Núcleo de Atendimento a Vítimas de Violência Doméstica e do projeto Farol. E relativamente à Casa Abrigo, “a primeira a ser criada no país”, acolheu 35 pessoas (mulheres e crianças) e o CAE – VVD, que surgiu em tempo de pandemia, acolheu 406. Nestas duas estruturas de acolhimento, as vítimas são maioritariamente de fora do distrito, porque “a resposta de acolhimento é para pessoas que estão em risco, a sua segurança está posta em casa e têm que se afastar por via do acolhimento pois não têm outra forma”. “A nossa resposta de acolhimento manda para outros concelhos, e outras respostas de atendimento mandam para nós”, explicou Leandra Rodrigues.

A Casa Abrigo prevê um período de acolhimento de seis meses para cerca de 20 pessoas e o CAE – VVD prevê que seja entre uma a duas semanas, mas, “muitas vezes, acabam por ficar mais tempo”. “O CAE – VVD é para situações de emergência, a qualquer dia e hora da semana. O objetivo é acolher e conter o que é mais necessário, porque as pessoas, muitas vezes, vêm altamente desestruturadas e, depois, perceber, com a pessoa, qual o caminho que quer seguir. Nem todas seguem para a Casa Abrigo. Algumas desistem, outras encontram outras redes de suporte para onde conseguimos encaminhar, e outras têm suporte, mas no estrangeiro, e precisam apenas de mais algum tempo para conseguir sair”, conta, salientando que “cerca de metade” segue para a Casa Abrigo.

O Pe. Carlos Gonçalves aponta o alcoolismo como sendo “o maior fator” que potencia a violência doméstica, no Alto Minho. No entanto, a coordenadora-geral alerta que “não se pode estabelecer uma relação direta entre alcoolismo e violência doméstica”. “Quando um agressor tem esta problemática ou outro tipo de comportamento aditivo, vemos uma violência mais extrema, agressiva, física e descontrolada, mas não se esgota aqui”, acrescentou Leandra Rodrigues, confidenciando que “não há vítima nenhuma que, até hoje, não tenha sido atendida que, entre outras formas de violência, não tenha sido vítima de violência psicológica na lógica do insulto, da humilhação, do maltrato verbal, do isolamento, de outras fontes de apoio e da desvalorização”. “Aquilo que percebemos é que, pelos estudos que existem na área e pela nossa experiência, à volta do ato da agressão física, que é mais visível e que, muitas vezes, é o momento em que a violência é reconhecida, mas, previamente a isso, vemos sempre comportamentos de violência psicológica muito graves que, muitas vezes, a própria pessoa não reconhece”, acrescentou, considerando que é “cada vez mais entendido como violência, mas não é muitas vezes”.

O perfil das vítimas, mesmo sem dados concretos, é que as pessoas “mais pró-ativas” e com “mais recursos” denunciam mais a violência doméstica. “As pessoas com pouca escolaridade ou com mais idade, não denunciam tanto”, apontou o Pe. Carlos Gonçalves. “Têm menos recursos para o fazer e, muitas vezes, legitimam mais a violência doméstica. Além disso, as pessoas mais velhas são, muitas vezes, vítimas dos próprios filhos”, justificou Leandra Rodrigues.

Os números, embora sejam “alarmantes”, também mostram que as vítimas denunciam mais e, de acordo com os dois responsáveis, isso deve-se “à maior consciencialização/sensibilização das comunidades, dos seus direitos, do que é uma violência e da violência dos seus direitos”, e à estruturação da Rede Nacional de Apoio a Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD)” e “aos projetos que foram desenvolvidos localmente”, reforçando a promoção da informação estratégica.

Leandra Rodrigues considerou ainda que “os homicídios têm um olhar, cada vez mais cuidado”, destacando a importância do Observatório Nacional na análise de cada caso, e do qual recebem inquéritos de casos para “fazer recolha e perceber o que, no processo, pode ter corrido menos bem”. “Os homicídios estão a ser, cada vez mais esmiuçados, não para além de uma lógica legal”, disse, lamentando que o problema esteja “na prova contrária”, que mostra que o agressor é culpado. “Neste tipo de crime, a prova é muito difícil e frágil, mesmo que já seja considerado crime público, porque, na maior parte, estamos só a falar da prova testemunhal e, em outros tantos, nem isso”, acrescentou, defendendo: “Precisávamos de ter um sistema judicial que recorresse mais às medidas que a lei prevê, porque a lei prevê medidas de coação que são muito pouco usadas, que os processos fossem mais valorizados, e que houvesse mais recursos, para que a prova fosse mais consistente.”

Portugal terá recebido quase 121 mil imigrantes em 2022, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), o valor mais elevado dos últimos nove anos, quatro vezes mais do que o registado em 2014. Na violência doméstica há muitas vítimas imigrantes. “No CAE – VVD, no ano passado, tivemos 15 nacionalidades”, indicou a coordenadora-geral, sem se recordar do número de nacionalidades relativas ao Núcleo de Atendimento. Ainda assim, garante que “vai aumentar”.

Apoio aos sem-abrigo

Uma das outras áreas de intervenção do GAF dirige-se aos sem-abrigo. Os dados da Estratégia Nacional para a Integração das Pessoas em Situação de Sem-Abrigo 2017-2023 (ENIPSSA 2017-2023) davam conta de um total de 10.773 pessoas sem-abrigo no país. Estes números são referentes a 2022.

A Comunidade de Inserção do GAF, por exemplo, tem o regime de acolhimento diurno. “No regime diurno, temos pessoas que têm teto, o seu próprio espaço, mas uma percentagem muito significativa são pessoas que têm um quarto alugado. Ou seja, um quarto e uma casa de banho. Recebem o Rendimento Social de Inserção, que lhes permite ter isso e mais nada. Vêm à Comunidade para as refeições e acompanhamento técnico”, explicou Leandra Rodrigues, apontando que uma das dificuldades do concelho é a resposta habitacional para os sem-abrigo, mais especificamente, sem teto. “A questão é o tipo de resposta e tipo de teto que algumas pessoas querem, que não se compadecem com as respostas que temos”, referiu, frisando que “as respostas necessárias são muito caso a caso. Distintas, de situação para situação”. “No nosso concelho, temos a nossa Comunidade de Inserção que é para pessoas que estejam abstinentes a consumos de substâncias e em patamares de risco. Só para aí já exclui outras situações de sem-abrigo. Temos ainda um Centro de Acolhimento da Methamorphys que acolhe, numa situação mais de emergência do que a nossa, mas também pessoas abstinentes de substâncias. Ou seja, continuamos a deixar um conjunto de pessoas de fora. De fora, na resposta habitacional. O acompanhamento e apoio a outros níveis, nós garantimos”, exemplificou.

Recentemente, o Instituto Politécnico de Viana do Castelo (IPVC) apresentou o projeto «Schelter On», que pretende “dar resposta aos sem-abrigo que, por decisão própria, querem viver na rua”. Com anos de experiência na área, o Notícias de Viana quis saber o feedback do GAF, uma vez que foi parceiro. “Está muito bem conseguido, porque envolveu as instituições que, diariamente, trabalham esta temática, ouvindo-nos. Trabalhamos especificidades a que eles não teriam forma de chegar”, elogiou, salientando que “dá respostas a outras necessidades”. “Há sem-abrigo que não querem sair da rua e, nós não podemos querer mais do que eles”, frisou, relembrando que “este trabalho leva o seu tempo”.

Apoio na Toxicodependência

Já ao nível dos consumos de substâncias, a realidade que o Pe. Carlos Gonçalves conta, do Porto, é dirigida ao consumo de drogas. Em contrapartida, em Viana do Castelo e segundo Leandra Rodrigues, “a intervenção é mais difícil no consumo de álcool”. “Temos a nossa Unidade de Apoio na Toxicodependência. Aceitam o acompanhamento, mas não significa que queiram ficar abstinentes”, referiu a coordenadora-geral, salientando que “a equipa de rua trabalha na redução de riscos e minimização de danos”. “É uma carrinha que anda pelo distrito todo e que sai diariamente, que apoia pessoas que podem estar ou não na rua”, acrescentou.

Em 2021, vários órgãos de comunicação social noticiaram, tendo em conta o relatório “Drogas 2021: Tendências e Evoluções”, do Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (EMCDDA, na sigla em inglês), que “mais de 400 novas substâncias psicoativas foram detetadas no mercado europeu”. Relativamente a números, Leandra Rodrigues garante que “não há aumento de pessoas consumidoras”, mas confirma os últimos dados. “As substâncias desconhecidas são cada vez mais frequentes. E cresceu na população jovem”, apontou, considerando que, na população mais adulta, o consumo vai “variando”. “Estamos a ver consumos assustadores na população jovem de substâncias que não conhecemos”, alertou, contando que recebe, frequentemente, informações do Observatório com a identificação de substâncias. “São quase sempre combinações de comprimidos e substâncias obtidas pela via legal que, juntos, fazem uma coisa nova e ninguém conhece os efeitos colaterais”, salientou.

Falta de apoio na prevenção

Na prevenção, o GAF não faz “tanto trabalho quanto gostaria”, porque “não se paga prevenção, em Portugal”. “É na prevenção que se deve investir”, defendeu o Pe. Carlos Gonçalves.

Ainda assim, conseguiu desenvolver alguns projetos financiados pelo Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD), que tem por missão “promover a redução do consumo de substâncias psicoativas, a prevenção dos comportamentos aditivos e a diminuição das dependências”.

Financiado pelo Programa Operacional Inclusão Social e Emprego, o Projeto Coruja era destinado aos agentes educativos (docentes e pais) para o desenvolvimento de atividades junto de crianças e jovens do pré-escolar, 1º, 2º e 3º ciclos de escolaridade, e visou “a prevenção da violência de género no território”. “A escola deveria trabalhar mais nesta área da prevenção”, apelou o diretor da instituição. “Temos conseguido fazer uma atuação aqui porque somos parceiros das escolas do concelho e algumas do distrito, dando resposta às suas necessidades”, destacou Leandra Rodrigues, lamentando: “Tecnicamente, não posso chamar isto prevenção. São ações pontuais, válidas e muito importantes.”

Finais felizes

O GAF vai “sobrevivendo” com os projetos e os parceiros. No final do dia, quem faz parte da instituição sente-se realizado nas pequenas conquistas. “Há cerca de 60 pessoas felizes. Os que trabalham. Os voluntários também”, afirmou a coordenadora, reconhecendo que nem sempre realizaram aquilo a que se propõem. “Temos de ter o cuidado de medir os padrões de sucesso e eficácia, quando trabalhamos estas temáticas”, alertou, exemplificando: “O sucesso do trabalho com uma pessoa com um problema aditivo ou dependência, não é que ele deixe de consumir. É que ele vá ao médico, porque há mais de 20 anos que não o faz.”

O Pe. Carlos Gonçalves salientou, ainda, a falta de reconhecimento do trabalho do GAF na comunidade de Viana do Castelo. “Há muita gente de Viana do Castelo que não conhece o GAF e tem uma representação estereotipada do GAF. São os drogados”, lamentou, reforçando que “tem mais reconhecimento nacional e internacional que regionalmente”.

A celebrar o 30º aniversário, o GAF destaca a realização das Jornadas nos dias 23 e 24 de maio. E têm ainda na calha o lançamento de um livro que contará a história da instituição.

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