As Escolas estão amigas das crianças?

Ricardo Carvalhido
12 Jul. 2024 9 mins
Ricardo-Carvalhido

Conformações

Os corpos (a sua forma e funcionamento) dos seres vivos – das (invisíveis) bactérias, às (muito grandes) Baleias-Azuis e Sequoias, e terminando no (descomunal) Armillaria ostoyae –, são o resultado da melhor adaptação ao meio. Se o ambiente se altera, o corpo modifica-se, tornando-se, necessariamente, mais bem-adaptado. Não é, pois, possível fugir à contínua conformação do corpo ao meio, quando este evolui. Lamark e Darwin, dois dos mais destacados Evolucionistas do século XIX, traçaram o caráter da evolução biológica – constante, lenta e gradual. Foi também Darwin que introduziu a noção que a estética é, também, de alguma forma, um motor dessa evolução, fazendo-se através da Seleção Sexual (1871). Talvez por ter alargado a pressão evolucionista a fatores além-ambiente, intrinsecamente arbitrários – circunstanciais e variáveis no tempo e espaço (e, portanto, difíceis de mensurar), – foi de alguma maneira a estética sempre arredada dos mecanismos da evolução. Ainda assim, todos consideramos, não tenho dúvida, que esta é presente, embora não a saibamos determinar e quantificar.

Temos, portanto, que a forma e o funcionamento do corpo são constante, lenta e gradualmente mutáveis pela ação de um meio em mudança.

Lei da Recapitulação

Ernst Haeckel postula em 1866, inspirado pelas ideias de Darwin em A origem das espécies, a Lei da Biogenética Fundamental, também conhecida como Lei da Recapitulação. Segundo esta Lei, cada ser vivo, durante o seu desenvolvimento (ontogenia), entre a fase embrionária e a idade adulta, passa pelo conjunto de estádios de evolução que representam as etapas de evolução do grupo de seres vivos (Filo) a que pertence (filogenia). Embora não deixando de ser discutível e sendo conhecidas várias exceções a esta Lei, não deixa de ser fascinante constatar que o desenvolvimento embrionário dos Cordados, grupo em que nos incluímos juntamente com peixes, salamandras, galinhas, tartarugas, ratos, porcos, bois e coelhos (e outros), apresenta uma grande similitude, e que olhos pouco treinados, dificilmente conseguem distinguir o porco, o boi e o coelho, do ser humano, mesmo nas etapas mais finais desse desenvolvimento. Ou o cérebro trino, conceito desenvolvido em teoria por Paul MacLean (1970), destacando que cérebro humano é um conjunto de 3 camadas (ou cérebros) – o reptiliano, o límbico e o neocórtex – e cuja origem remonta precisamente de etapas comuns, ancestrais, da evolução biológica.

Usemos, portanto, esta noção de recapitulação, dizendo que cada um de nós, nos aspetos mais essenciais da sua vida, repete os mecanismos ancestrais que nos trouxeram, enquanto espécie, até este ponto da evolução em que nos encontramos. E lembrar que essa memória está gravada nos nossos genes e por isso, dificilmente dela podemos fugir.

É por isso inexorável o nosso apego à Natureza e aos Seus elementos, porque na verdade, foram sempre os fatores que nos forçaram a adaptar e evoluir, numa constante conformação.

Olhemos, por isso, para as nossas crianças, e o seu fatal e imparável devir, constante, lento e gradual. A ontogenia a recapitular a filogenia.

E voltamos às escolas. O meio que os seres humanos criaram para que a aprendizagem se fizesse controlada – uniforme, previsível, replicável e aferível – saindo da esfera da família e dos meios naturais.

Impõe-se, portanto, a questão: estarão as escolas amigas das nossas crianças? A pergunta é pobre, algo traiçoeira, sob algumas perspetivas profundamente chocante e ingrata. Mas deixá-la-ei como tal.

E respondo: na sua essência, temo que não. Não estão.

As escolas estão pouco amigas das crianças

Não obstante dos investimentos públicos realizados e dos avanços em matéria de política educativa, a generalidade das escolas do país mantém-se estruturada em edifícios organizados para um ensino centrado no adulto, assético e sedentário, anticultural, geracional, disciplinar, desimaginativo e infecundo. Não admitem facilmente os espaços abertos e dinâmicos, as áreas de teste e ensaio (também laboratorial), os plenários e espaços de discussão (sim, porque os alunos devem discutir ideias e pontos de vista na Escola), a presença de professores de várias áreas do conhecimento, em trabalho simultâneo com vários grupos de alunos. A maioria das escolas, continua, hoje, desenhada para o método tradicional de ensino, não admitindo, ou admitindo com muitas dificuldades e grandes constrangimentos, outras abordagens.

E o espaço exterior, o recreio? Os recreios estão, infeliz e cronicamente, arredados do diálogo educativo. Estes espaços de recriação são lugares mágicos onde as crianças se podem reinventar e treinar as competências da motricidade; jogar e encenar os seus papeis sociais; onde podem fomentar a empatia e o respeito, e onde podem aprendem o seu lugar e o lugar do outro. E também problematizar, ensaiar e concluir sobre Arte, Ciência, História ou Filosofia. Os recreios são áreas educativas, que podem ter idêntico valor ao das salas de aula e onde podem existir dinâmicas de aprendizagem formal e não formal.

Sendo os recreios de muitas das escolas do distrito de Viana do Castelo, alcatroados ou cimentados (e por isso, tornados, lugares muito perigosos para a saúde das crianças), com poucas áreas verdes (conheço várias que, inacreditavelmente têm quase 100% de área impermeabilizada) ou com áreas verdes despidas de propósito ou intenção educativa, é possível que a Escola se cumpra plenamente no seu propósito? Não, não é.

Entendo que para que a criança se recrie, é necessário garantir no recreio a presença da terra e dos elementos. Precisamente os fatores que estiveram sempre presentes na nossa evolução biológica. É preciso dotar os espaços de aprendizagem, pelo menos alguns, desses cheiros e tons da Natureza, porque estes nos despertam o instinto de pertença e de superação, fazendo-nos evoluir.

É possível cumprir-se a evolução humana, desprovendo o indivíduo do meio onde esse processo se cumpre?

Não é. É preciso, portanto, humanizar os recreios escolares, dotando-os de estética e de intencionalidade Educativa.

Porque Educar é, principalmente, uma tarefa de Humanização.

As escolas estão pouco amigas dos Professores

E as escolas estão amigas dos professores? Não, não estão. Lamentavelmente.

A escola, o equipamento, não acolhe o professor. Expulsa-o. As escolas não foram desenhadas para que os professores nelas permaneçam. Foram desenhadas para encaminhar os professores às salas de aula e delas, para fora de muros, provocando uma lógica de desempenho organizado em manchas horárias. Arrisco dizer que o professor tem uma situação única no panorama das profissões: diferentemente do carpinteiro, que está na oficina a produzir as suas obras, ou do cientista que está no laboratório a ensaiar as suas hipóteses, o professor gere o seu trabalho numa lógica de caos espácio-temporal, em que o trabalho com os seus alunos e os seus pares, não é contínuo, nem é localizado.

Emerge, portanto, o facto de, objetivamente, os equipamentos escolares, serem dos maiores obstáculos à implementação das reformas educativas.

Sendo a Educação, como abordado, um mecanismo a operar sobre a Ontogenia, o que se pode esperar, senão cansaço, desânimo e inutilidade, quando se legisla uma mudança, mas o meio só se altera figurativamente? Opera-se uma mudança de forma, mas esta só é aparente.

É precisamente neste jogo holográfico, estabelecido entre política educativa, atores educativos e edificado inflexível e desajustado, que reside o principal motivo do cansaço dos professores e dos alunos, e os consequentes resultados frequentemente aquém do esperado.

Novas oportunidades para a Educação em Viana do Castelo

Apesar do paradigma da conformação da forma (edificado) ao meio (política educativa) estar inexplicavelmente arredada das discussões públicas em Educação – porque sem esta, legisla-se objetivamente para a ineficiência ou, no limite, para a vacuidade, –  a Parque Escolar (atual Construção Pública, E.P.E.), entidade responsável pela profunda reabilitação de 3 escolas secundárias no distrito de Viana do Castelo (Monserrate, Santa Maria Maior e Ponte de Lima) considera-o como uma das principais linhas do seu Programa de Modernização – “Garantir flexibilidade e adaptabilidade dos espaços letivos e não letivos, de modo a maximizar a sua utilização e a minimizar investimentos no futuro”.

Desconhecendo os detalhes do importante programa lançado pelo Município de Viana do Castelo para a Modernização do seu parque escolar, no montante de 17,6 milhões de euros (Escola Básica da Abelheira e Escola Básica Dr. Pedro Barbosa), não há dúvida que este é um momento determinante para que se garanta que as intervenções previstas possam reconhecer os principais vetores de mudança aqui identificados, permitindo que as políticas educativas possam ser efetivamente incorporadas pelos professores, na sua ação diária com os seus alunos.

Tal como qualquer reforma educativa proporcionada pelo Ministério da Educação, deve envolver, ab initio as autarquias locais e das instituições de ensino e investigação de proximidade, com preponderância para as Escolas Superiores de Educação (Cf. Circunstâncias e Pedaços de Salvação – o papel da Educação, Notícias de Viana, Online, 7/7/2024), também o mesmo cuidado deve ser tido em conta nas intervenções do edificado escolar, porque é nele que reside, uma das chaves do Sucesso Educativo.

De nada adianta investigar e legislar em Educação, se a esteira primordial, sobre a qual se opera a mais importante fase da Evolução Humana, é inflexível e (a essa escala temporal) imutável.

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