À Igreja não se pede apenas que “elimine” a pandemia, mas que a ilumine!

1. Nas diversas mensagens que D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo, tem escrito ao longo das últimas semanas (dirigidas aos diocesanos em geral, ou a determinados grupos em particular, como os sacerdotes ou os colaboradores das IPSS’s) emerge um traço comum: o convite a encarnarmos o mistério pascal que nos preparamos para celebrar […]

Notícias de Viana
9 Abr. 2020 4 mins
À Igreja não se pede apenas que “elimine” a pandemia, mas que a ilumine!

1. Nas diversas mensagens que D. Anacleto Oliveira, Bispo de Viana do Castelo, tem escrito ao longo das últimas semanas (dirigidas aos diocesanos em geral, ou a determinados grupos em particular, como os sacerdotes ou os colaboradores das IPSS’s) emerge um traço comum: o convite a encarnarmos o mistério pascal que nos preparamos para celebrar nas circunstâncias do tempo presente, vendo-o desabrochar no aqui e no agora da nossa vida. Na verdade, na Páscoa, os cristãos celebram a vitória de Cristo sobre a morte. Não celebram uma esperança vazia ou anónima, mas a esperança como corolário de um caminho duro e cruento, um caminho de morte, mas que termina na vida que, sem anular essa morte (Cristo morreu de facto), lhe dá sentido. O que desejamos, na situação pandémica atual, senão a vida depois da “morte”?

2. Ao recordar isto, a Igreja faz aquilo que, há algumas semanas atrás, José Miguel Júdice lhe pedia: a capacidade de trazer o “sagrado” a esta pandemia. E tem razão o comentador. A Igreja não é uma ONG, como afirma repetidamente o Papa Francisco. Para a Igreja, a caridade é um imperativo que brota da sua natureza. Por isso, à Igreja não basta fazer tudo o que está ao seu alcance para ajudar no combate a esta terrível pandemia (e tem-no feito: institucional e anonimamente). À Igreja, é pedido que o faça, não por mera solidariedade e muito menos por pressão social, mas porque é essa a sua missão, porque, ao fazê-lo, descobre o rosto de Cristo na vulnerabilidade da vida presente, indo além do mero ativismo.

3. Neste sentido, à Igreja pede-se, de facto, que, nestes dias, coloque à disposição as suas instalações, os seus recursos, as suas pessoas, mas mais do que isso: que faça tudo o que pode, não apenas para eliminar esta terrível pandemia (juntando-se a tantas outras pessoas/instituições), como também para a iluminar, evitando o discurso banal sobre Deus que, infelizmente, vai surgindo aqui e ali, mas convidando a ver a vida que, apesar da “morte”, não deixa de florescer.

4. Nesta perspetiva, julgo que há, sobretudo, uma mensagem que a Igreja pode trazer ao ser humano nesta hora: convidá-lo a vencer a tentação, que encontramos já nas primeiras páginas do Livro do Génesis, de se tornar deus. Este é um dos equívocos da modernidade, a qual nos criou a ilusão de que tudo podemos saber, dominar, controlar, numa autossuficiência desmedida e, tantas vezes, contraditória. Esta crise profunda mostra-nos que não. Aos crentes em particular, a situação que vivemos recorda aquilo que é bem sabido, mas por vezes esquecido: só Deus é Deus e o homem é sempre criatura, feita do “barro”, como recordou D. Américo Aguiar, na Eucaristia a que presidiu no último domingo. Aos crentes e não crentes sem exceção, esta crise lembra algo de que hoje ninguém – assim creio – duvidará: precisamos muito mais uns dos outros do que aquilo que poderíamos imaginar. É isso que, ainda que de um modo por vezes não muito explícito, está subjacente a tantas manifestações justíssimas de reconhecimento pelos profissionais de saúde, por aqueles que conduzem os nossos destinos, por aqueles que permitem que continuemos a viver.

5. O ser humano é, de facto, um ser com os outros e para os outros. Tem-no percebido de maneira tão nova nestes dias. Razão tem o teólogo João Duque quando escreve: “A urbanização do nosso quotidiano significou, em grande medida, a possibilidade de uma individualização que promete liberdade e que pode ser representada simbolicamente no modo de habitar o espaço urbano, em apartamentos que potenciam a vida privada. O atual confinamento forçado à privacidade do apartamento urbano tem-nos mostrado que uma extrema individualização urbana não nos convenceu completamente, pois precisamos de uma vida social mais ampla, na relação a um grupo maior de humanos e na relação à natureza que nos envolve”.

6. Não caiamos na tentação, para a qual também nos alerta o teólogo, de “colorir” a situação: ela é dramática e todos queremos sair (sobretudo da crise sanitária) o mais rapidamente possível, mas não deixemos de entrever nela sinais que nos convidam à esperança e a uma vida mais plena. Creio por isso – terminando como comecei – que, quando D. Anacleto nos diz que esta pode ser (paradoxalmente) “a melhor Páscoa das nossas vidas”, está a dizer apenas isto: vamos vivê-la como nunca desejaríamos, mas é certo que não a celebraremos rotineira ou levianamente.

Santa Páscoa!

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