Vai dar a volta ao Camões, Camilo

João Basto
27 Dez. 2024 3 mins

Em 2025, Camilo faria 200 anos. Se alguma celebração houver, a julgar pelas poderosíssimas comemorações dos 500 anos de Camões, que deixaram, como sabemos, o país de rastos, teremos direito a uma digna caixa de serpentinas ou a uma saquinha de confettis, em alternativa; que juntar as duas seria demasiado esmero. 

Já há tempo que quem anuncia o “país dos poetas” se pode sentar à espera que ele chegue, mas se foi o pai de Eça de Queirós que condenou Camilo à prisão, por este se encontrar envolvido com uma mulher casada, o juiz contactou, de perto, com duas vítimas da literatura portuguesa. O seu filho, José Maria, que em breve será levado aos ombros até ao Panteão que, tantas vezes, criticou, viu a sua preferida transformada em lugar-comum e citação obrigatória das autoridades mais medíocres. O seu condenado, Camilo, está votado ao esquecimento das lides comerciais, o que, ao menos, o salvou da conspurcação, mas não ao fã dos academistas. 

Em tempos de maus tratamentos linguísticos, Camilo tem uma língua que afasta leitores de algodão doce. Para o ler, é preciso dicionário, e pouca indignação moral. O caráter maleável ao dinheiro, a sexualidade reprimida, a bastardia e a orfandade, a doença, o prazer, a penitência e o pecado estão prontos para fazer suar alarmes nos corações enxutos de miséria. 

Em 1857, Camilo fixou-se em Viana, residindo numa modesta casa na encosta do Monte de Santa Luzia, na Quelha do Peneireiro, próximo da ermida de S. João de Arga. Durante este período, assumiu a função de redator principal do jornal “A Aurora do Lima”, cargo que exerceu por cerca de 55 dias. 

A estadia em Viana do Castelo foi também marcada pela produção literária, com a escrita dos romances “Carlota Ângela” e “Cenas da Foz”. A cidade proporcionou-lhe um ambiente propício à criação, sustentado por amizades influentes, como a dos irmãos Mateus, Luís e José Barbosa e Silva, que o acolheram e apoiaram durante a sua permanência. 

A relação de Camilo com Viana do Castelo não se limitou a este período. Anos mais tarde, entre 1880 e 1882, manifestou interesse em frequentar a Praia de Âncora como estância balnear, embora dificuldades logísticas o tenham dissuadido de concretizar essa intenção. 

Avizinha-se, no entanto, que as mesmas “dificuldades logísticas” impeçam algo que não seja mandar o Camilo dar uma volta ao Camões. Do Chiado a Santa Engrácia ainda é um bom passeio, e, com jeito, apanham Pessoa pelo caminho. 

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