E a farsa continua. Farsa dos golpes e contragolpes, da direita e da esquerda, inventados ao sabor das circunstâncias e das conveniências de sectores entrados em pânico ou interessados na instabilidade das instituições. Farsa na opinião de elementos responsáveis deste país que chegam a falar em «guerra das bananas» e «guerra de Solnado» – à qual, confessámo-lo, achamos muito mais piada do que àquela a que nos vimos a referir. Farsa ainda, se atendermos à trajectória ideológica – a que menos o que podemos chamar é vertiginosa – de certos elementos bem foco cuja posição, em curto espaço de tempo, passou da «social-democracia liberal» à mais extremista das extremas-esquerdas…
No meio de tudo isto, o que faz o Povo Português? Sendo a última análise o principal interessado e a vítima única de toda esta confusão – não esquecer que é ele quem paga o bilhete… – parece ter-lhe sido reservado o papel de mero espectador ou, quando muito, figurante mudo na pela em exibição – pelo menos até ao momento em que, saturado da mediocridade do argumento, resolva, numa atitude muito saudável de desforço, correr com os actores à batatada.
As pateadas já têm surgido: estamos a recordar, por exemplo, a monumental vaia que acolheu um desses actores – que, ao que parece, ainda não escolheu definitivamente qual o papel a representar ou, pelo, menos, não o estudou com a profundidade requerida – na sua última apresentação perante a exigente plateia do Porto.
Outros, porventura mais versáteis e com maior talento histriónico, têm conseguido proferir as suas rábulas – tão contraditórias por vezes! – sem a tal se sujeitarem, talvez por só actuarem perante audiências de antemão predispostas ao aplauso.
Claro é que, no entanto, não podendo, o respeitável público – o povo português – eximir-se a assistir ao espetáculo, o seu sentido crítico se vai aguçando, tornando cada vez mais apurado e, simultaneamente, mais exigente. Exigente ao ponto de ir afastando os cabotinos, repudiando os sem talento, marginalizando os que não conhecem os seus papéis; ao ponto até de começar a pôr em causa a posição de um «compère» que, por incapacidade ou indecisão, não se vem mostrando à altura de pôr um pouco de ordem no espetáculo, de impor aos actores uma actuação coerente.
Convenhamos, porém, em que o espetáculo é de difícil direcção: a sua originalidade, a multiplicação das personagens e situações, tornando difícil – quiçá impossível – vislumbrar um fundo de coerência na peça em apreço.
Humildemente, como mero elemento da assistência que somos – de há muito interessados nos problemas deste tipo de «teatro» – atrevemo-nos a fazer uma sugestão: dada a comprovada existência de personagens demasiado ambíguas para oferecer uma contribuição válida à compreensão da peça, de outras que a assistência já demonstrou não aceitar – salvo pequenos sectores não significativos da plateia – de outras ainda que, inegavelmente, estão apenas interessados em concitar para si os aplausos do público sem em nada contribuírem para a inteligibilidade do argumento, porque não afastar tais excrescências do palco?
Recebidos os salários devidos pelo trabalho feito, tais elementos poderiam integrar-se na assistência e (quem sabe?) talvez que assistindo à actuação dos verdadeiros actores e à reacção por eles despertada no público, algo aprendessem que pudesse permitir-lhes no futuro um regresso auspicioso ao tablado…
De qualquer modo – e se pretende ainda salvar o espetáculo – parece-nos que é indispensável alterar profundamente as estruturas da peça.
Sem esquecer, claro, certos «programas» impingidos à assistência e cuja independência crítica, sendo mais do que suspeita, não justifica de modo algum o preço porque são vendidos.
Não falando já no preço dos bilhetes que o povo português esportula para assistir a um espetáculo cuja qualidade parece vir a degradar-se cada vez mais…
Notícias de Viana, 24 de novembro de 1975
Por: Dionísio Ferreira
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