Isabel Figueiredo: “Se não sairmos deste Advento com outra vontade de procurar o tesouro da nossa fé, com outro horizonte de felicidade (…) saímos a perder”

Isabel Figueiredo tem 58 anos e é licenciada em História. Atualmente, é diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja e co-autora do livro “Advento e Natal para crentes e não crentes”. Em conversa com o Notícias de Viana, abordou os desafios que a Igreja tem na área da comunicação e salientou a importância do tempo de Advento que estamos a viver.

João Basto
11 Dez. 2020 8 mins
Isabel Figueiredo: “Se não sairmos deste Advento com outra vontade de procurar o tesouro da nossa fé, com outro horizonte de felicidade (…) saímos a perder”

Em maio de 2019, foi nomeada como diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais. Qual julga ser o papel da comunicação na Igreja Católica?

A comunicação marca a vida da Igreja, desde o primeiro dia. A forma como Jesus comunicava, o contar das parábolas, a importância dos Seus gestos e das Suas palavras… passados mais de vinte séculos, continuamos a ser surpreendidos com tudo o que lemos e escutamos. As cartas de São Paulo, a leitura dos Evangelhos… Uma comunicação que atravessa o tempo e chega ao coração de cada um. Permite visualizar o passado, transforma o presente e projeta-nos para o futuro, capacitando-nos para mais e melhor… Haverá melhor exemplo de comunicação? É verdade que 

hoje falamos de comunicação de uma forma mais elaborada, categorizamos a comunicação, somos cada vez mais exigentes no que entendemos como ato de comunicar, e cada vez mais desafiados pela evolução tecnológica e da própria vida em sociedade. Sem querer parecer exagerada, eu diria que o papel da comunicação é fundamental na Igreja Católica.

De toda a sua experiência profissional, quais pensa serem os maiores desafios à comunicação na Igreja?

Esta é uma das perguntas para a qual todos desejamos encontrar uma resposta acertada… Julgo que devemos ter em conta duas dimensões: a comunicação interna, isto é a comunicação que precisamos de fazer de uma forma estruturada e partilhada, mantendo identidades, mas sendo capaz de responder à unidade, e a comunicação externa, toda a que se produz como anúncio. São as duas igualmente desafiantes e relevantes. Na comunicação ad intra (interna), penso que o desafio é o da comunhão, que implica partilhar informação, criar vasos comunicantes, ser capaz de criar unidade, mais do que ter uma perceção de unidade. Também acredito que esta comunhão só é possível se nos conhecermos uns aos outros pelo nome próprio, se formos capazes de partilhar dúvidas e convicções, se conseguirmos pedir ajuda e ajudar. Na comunicação ad extra (externa), já o disse muitas vezes, um dos grandes desafios é sermos ativos e não reativos. A comunicação na Igreja terá sempre de enfrentar as chamadas «crises», estejamos a falar de escândalos de maior ou menor dimensão, de carácter pessoal ou institucional, mas há muito mais a fazer do que gerir crises. Temos de ser capazes de encontrar formas de comunicar o que nos identifica – somos gente de esperança, de confiança, de alegria. Temos jovens que o dizem e fazem, temos famílias que o testemunham, temos gente que encontra no seu trabalho esta missão de anúncio, de pertença. Chegar aos mais novos, com a sua forma própria de comunicar, julgo ser uma das maiores provocações para a Igreja. A próxima Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 é um horizonte de desafios que enfrentamos hoje e amanhã e depois…

Qual é o balanço que faz sobre a aposta digital que muitos agentes de pastoral fizeram durante a pandemia?

O balanço é claramente positivo. Umas apostas ganhas com mais qualidade, mais produção, até poderia dizer com mais gosto, outras menos; mas o que realmente importa é a confirmação de que fomos capazes de estar presentes no mundo digital. Somos todos diferentes, por isso não temos de fazer tudo igual; a diversidade é sempre um ganho. Também sei que se fazem avaliações críticas do trabalho feito, que se procuram alternativas, novos meios, e todo este movimento que se gerou perante a necessidade de estarmos no mundo digital é sinal de vitalidade, de esperança, de capacidade de nos desinstalarmos, de sairmos do tal sofá de que nos falou o Papa Francisco. Também nós, os que trabalhamos em comunicação, não só os jovens…

Estamos a iniciar um período litúrgico novo para os cristãos: o Advento. Na obra, “Advento e Natal para Crentes e Não Crentes”, fala do primeiro como “o grande tempo da espera”. De que estaremos, ainda, à espera? O que significa, afinal, esperar com esperança?

Sempre que tenho de escrever, passo algum tempo à volta de uma ideia que seja o fio condutor das palavras que vou procurar. Foi assim que aconteceu quando me desafiaram para este livro. E «o grande tempo da espera» foi abrindo portas e janelas… uma delas foi a da esperança. O Advento permite-nos viver ao longo de quatro semanas, os nove meses em que Maria e José esperaram pelo nascimento de Jesus, um tempo de espera que permite ler e reler os Evangelhos, ver e sentir o mistério da presença de Deus. Sem esperança, como teria sido possível tudo acontecer? Quando olho para o Presépio, sinto que ali também se revela a esperança de Deus na nossa frágil humanidade. E hoje, mais do que nunca, somos convidados a viver este Natal como um tempo de espera, mas com esperança. Seremos capazes de ultrapassar esta pandemia, de reconstruir a alegria e os abraços, de ajudar os mais fracos, de ter palavras e gestos que permitam o recomeço da esperança.

Quais pensa serem os “movimentos de coração, impulsos de bondade e gestos de generosidade”, que mais precisamos de cultivar neste tempo de preparação para o Natal?

Acredito nestes movimentos, nestes impulsos e gestos que, ao longo da nossa vida, nos permitem ir mais longe, procurar a santidade de todos os dias, aquela que de tão discreta, só se pressente. Mas procurando um olhar mais dirigido a este tempo, colocaria a Família como prioridade. A Família que temos e somos, assim como todos os que não têm Família. Precisamos de parar e pensar como iremos viver este Natal. Alguém me dizia que este ano vai voltar a escrever postais de Natal à Família e Amigos. Escritos à mão, enviados a tempo pelo correio. Também sei de uma Família em que se vão cozinhar as receitas da casa e depois se vão distribuir pelas casas uns dos outros… nada de especial… talvez, mas só cada um pode saber o bem que pode fazer uma carta no correio ou uma fatia daquele bolo que só se faz no Natal! Precisamos de estar atentos aos vizinhos, precisamos daqueles impulsos que nos fazem telefonar a alguém com quem nos zangámos. Precisamos de separar o essencial do acessório, de gastar menos connosco e mais com os outros.

“Esta certeza de que Deus não falta, lembra-nos a necessidade de batermos à porta”. De que forma pode o Advento permitir que reaprendamos a pedir e a bater à porta? 

A Igreja convida-nos a pausas… vejo o Advento como uma pausa, tal como a Quaresma. A primeira mais curta, mais despojada, mais cheia daquele encanto que acontece sempre que se espera um nascimento. A segunda mais longa, repleta de palavras, histórias, gestos e memórias. Vivida entre a tristeza de reviver o sofrimento e a morte e a alegria da pedra rolada do túmulo. Ambas as pausas nos permitem fazer caminho, pedir, bater à porta, chamar por Deus. Sempre me encantou pressentir que Deus está sempre à nossa espera. Nós é que nos distraímos a olhar para o lado, viramos as costas, queremos descobrir outros caminhos, outras estradas, outras estrelas e outros céus. Este Advento traz consigo mais tristezas e preocupações, mas também mais silêncio, mais contenção, mais tempo para nos interrogarmos e nos decidirmos sobre o que queremos daqui para a frente. 

Numa das suas mensagens, o Papa Francisco afirmou que “a pandemia levanta questões fundamentais sobre a felicidade nas nossas vidas e o tesouro da nossa fé cristã”. Este tempo pode ajudar-nos a saber o verdadeiro sentido do Advento e do Natal, numa sociedade que ainda vive no/do consumismo?

O Papa Francisco tem uma capacidade única de nos dizer a Verdade. E di-lo sem hesitações. O certo está certo e o errado está errado. Mas o mais extraordinário é que, na velha dicotomia das cores preto e branco, não deita «pela borda fora» as mais diversas tonalidades de cinzentos… O valor de cada um é único, precioso, inestimável. Somos uma geração afortunada, porque temos ao leme da barca um Pastor que não se cansa das fragilidades de todos nós. Não desiste. E sabe que fomos criados para a felicidade, para sermos homens e mulheres que trazem consigo a alegria de saberem que Jesus está Vivo no meio de nós. Mistério que dificilmente é compatível com a sociedade de consumo que ambicionámos e construímos. Se não sairmos deste Advento com outra vontade de procurar o tesouro da nossa fé, com outro horizonte de felicidade, distante de muitas prendas, muita comida, muito barulho, muitas viagens, muita agitação, saímos a perder. A pobreza do presépio, o silêncio daquela noite, as sobriedades da vida de Maria, de José e de Jesus, são guia neste desafio que é estar no mundo sem ser do mundo…

Tags Entrevista

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