Um rio de radicalidade

Esta reportagem começa na antecâmara. Havia a intenção de fazer algo sobre a ligação entre o desporto e a natureza, em especial partindo da prática de “desportos radicais”. Analisámos possibilidades e contactámos a Melgaço Radical, uma das algumas empresas da área a operar no distrito de Viana do Castelo. Trocámos impressões e falámos do nosso objetivo. Havia disponibilidade para aceder ao pedido, mas havia uma condição: a reportagem só se mantinha de pé se a descida do rio fosse experimentada. Sem isso tudo, voltava para trás. “A experiência”, disseram-nos, “é o que é importante”. Este texto é sobre essa história.

Notícias de Viana
9 Jun. 2023 3 mins
Um rio de radicalidade

É sábado de manhã. O centro desportivo de Melgaço está praticamente deserto. Na zona do estádio, uma porta aberta por onde entram e saem algumas pessoas é um dos únicos sinais de atividade. Estão a preparar alguma coisa. Aproximando-nos, é possível ouvir música. The Black Keys, Arctic Monkeys ou Guns N’Roses fazem parte da playlist.

À chegada, falámos com Luís Pereira, na equipa desde o início, quando, há 25 anos atrás, com “muita carolice e amor à camisola”, “a malta da terra” começou do zero a Melgaço Radical, procurando utilizar o Rio Minho como uma oportunidade. De lá para cá, numa “evolução constante”, o volume de clientes aumentou e todos procuram “fazer melhor e com mais segurança e certificação” todas as atividades.

Mas a conversa é curta. Não chega a durar cinco minutos. Quando todos os inscritos chegam, começa uma primeira palestra. Por motivos de conforto, todos devem mudar de roupa e optar por um fato próprio, para evitar o frio e a humidade habitual no rio. “Devem deixar tudo: telemóveis, carteiras, anéis, brincos. O risco de cair à água e ficar perdido, é grande”, avisa uma das monitoras, que completa: “Isto, porque vão molhar-se”.

Passada esta etapa, saímos numa carrinha até perto da margem do rio. É tempo para a explicação das regras de segurança. Como nos devemos sentar, apoiar os pés ou remar, são algumas das partes da demonstração, assim como a introdução a um novo conjunto de códigos verbais e não verbais para facilitar a comunicação.

Já dentro de água, os primeiros tempos são de ensaio. “Rema”. “Stop”. São ordens dadas claramente pelo instrutor. Depressa chegam os rápidos. Para quem viaja pela primeira vez, há um misto de incerteza e de impotência. Entrar neles, passar através da sua corrente, implica, em si mesmo, uma forma de encarar a humanidade. Da observação, ainda ao longe, à remada, existe um subtexto que se torna real: a agressividade vence-se entregando-se a ela. Fugir, não é possível. Voltar atrás, também não. Nos rápidos, entra-se de frente.

Mas praticar rafting no Rio Minho não é só uma forma diferente de exercício. É um modo de alguém se abeirar da cultura e das dificuldades das populações raianas. No percurso, que varia entre momentos de maior tensão e de mais tranquilidade, passa-se pelas pesqueiras, construções populares que testemunham as artes da pesca fluvial artesanal, através de um sistema de muros construídos a partir das margens, mas é também possível perceber, por exemplo, as consequências da seca que o país atravessa, assim como testemunhar o isolamento das populações, em particular se colocadas em paralelo com a vizinha Espanha. Um exemplo disso mesmo é que, estando no meio do rio, se do lado espanhol há instalações que assinalam a existência de ferrovia, do lado português esta situação não encontra paralelo.

Nos meses de verão, as quase duas horas de viagem podem ser feitas de noite, consoante a lua cheia. Um momento que, segundo explicam, pretende proporcionar a visão de outro ritmo que o rio traz consigo, mas, também, potenciar o convívio entre visitantes e comunidade local.

Fotografia em destaque: Melgaço Radical

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