Tiago Bettencourt lamenta “uniformização da música pop” e espera mais exigência do público

É o final do concerto e Tiago Bettencourt lança para o ar vários papéis que cobrem o chão do palco, onde o público tinha escrito os seus "discos pedidos", como se fossem confetis de uma grande festa. O músico que recusa interpretação megalómanas das suas canções, é o mesmo que, a certo ponto do concerto diz, sobre uma canção, que "esta é sobre cura, ou sobre o que vocês quiserem". Cura, aliás, palavra que afirma "ser tão bonita", mas que anda deturpada pelos "esoterismos".

João Basto
19 Set. 2024 4 mins

Em 2019, ainda antes da pandemia, lançou o álbum “2019 – Rumo ao Eclipse”, onde parece que existe uma flutuação permanente entre uma entrega e confiança profunda (com as músicas como “Viagem” e “Manhã”) e uma revolta misturada com denúncia da hipocrisia e procura de autenticidade (com o verso “quero ser mais do que ser só para mostrar” da música “Lança”). Tiago Bettencourt confirmou que, naquela altura, “já se sentia a hipocrisia a crescer” que, mais tarde, “deu origem a este extremar do mundo”. “Essa hipocrisia vem não sei de quantos sítios diferentes, desde a perda de valores total à noção da realidade ou de caráter”, considerou, caracterizando umas músicas “mais venenosas”. No entanto, de música para música, “do veneno vai nascer, água para caminhar”. “Em algumas canções aproveitei esse veneno e noutras, deixei que essa fase passe porque, se não enfrentarmos aquilo que nos deixa triste, nos mete medo e nos faz hesitar, acabamos por não distinguir absolutamente nada”, disse, defendendo que “a resposta está sempre na aceitação” de todos os estágios (bons e maus) da vida de uma pessoa ao invés da revolta. “Obviamente que o alimento disto é que as pessoas se identifiquem com a música mas, quando escrevo, é para me lembrar disso para saber lidar com as minhas emoções”, confidenciou.

O que escreve é o que sente na sua pele. “Escrevo sobre o que vejo e sinto no meu dia-a-dia. Tanto posso estar a falar de mim como de pessoas que vejo”, explicou, comparando as suas músicas, mais concretamente, a “Ameaça”, a fotografias. “As minhas músicas descrevem fotografias. São momentos quase pausados… Acontece naquele momento em que ainda não aconteceu, mas está quase a acontecer. Acontecendo ou não, somos mais que esta ameaça”, especificou. 

Com mais de 20 anos de carreira, Tiago Bettencourt passou ainda pela banda os Toranja. Muitas pessoas perderam-lhe o rasto e, quando o encontram em festas mais populares, associa-o logo à “Carta”. A música que a maior parte do público, que não conhece o resto do seu reportório, pede para tocar. Com o “trauma” ultrapassado, o cantor garante que conhece o público que o “mantém vivo”. “São aquelas que continuam a vir aos meus concertos para ouvir o resto do reportório. Aliás, vou fazer uma tour a solo onde o conceito é pedir às pessoas para fazerem o reportório. É uma coisa que faço muito em concertos de auditórios. Pergunto o que querem e as pessoas pedem tudo quanto existe. Portanto, quem me pede só essa música, é realmente sinal que não conhece mais nada”, referiu, admitindo, entre risos, que manda a piada em alguns espetáculos porque gosta de “tirar as pessoas do lugar”.

Aliado a esta realidade, existe também a tendência para o empobrecimento musical que “está à vista de todos”. “Só não ouve quem não quer”, respondeu de imediato, recordando que, na viagem até Viana do Castelo, viu as atuações do Music Video Awards. Um acontecimento “incrível”, onde tinha “a melhor música do mundo”, com “os melhores artistas” a atuarem. Hoje, “as atuações são todas iguais”. O que muda é “a personagem que está à frente”. “Há uma uniformização da música pop. E é uma pena, porque a música pop não precisa de ser toda igual”, lamentou, responsabilizando a internet. “Houve uma fatia de mercado discográfico que desapareceu e as editoras ficaram muito mais desesperadas, dando origem à privatização de determinadas soluções”, apontou. 

Tiago Bettencourt quer que o público exija “mais um bocadinho”. “Essa iniciativa não vai vir das editoras, nem das rádios generalistas. A partir  do momento que as rádios generalistas perguntam a um grupo de pessoas, que não percebem nada de música, se gostam ou não gostam de uma música e só aí é que vai parar à rádio, o filtro não está propriamente certo e a qualidade vai obviamente decrescer”, atirou, salientando: “A minha esperança, um bocado inocente e romântica, é que o público, a certa altura, exija mais.”

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