Silêncio quanto dizes!

Hoje, acordo e em silêncio fico à escuta e, nesta manhã é possível que ainda não tenha despertado os meus sentidos… os ouvidos começam por ouvir o chilrear dos pássaros, o comboio que avança devagar atravessando a ponte, algum carro de quem cedo tem de sair para o trabalho, outra mota… Mas, sim há um mas, ainda não consigo escutar em profundidade as notícias, muito menos os sinais.

E, permaneço em silêncio, na tentativa de me deixar interpelar pelo próprio silêncio como se este me pudesse dizer algo. E, a minha surpresa acontece… espanto-me pois começo a escutar o que os ruídos não dizem, e o que as palavras não conseguem expressar. E, dou comigo com espanto e com a expressão das crianças que se deixam surpreender, para quem tudo é novidade…

Que bom seria viver a vida acordando a cada novo dia com a admiração de uma criança, recebendo a dádiva de cada novo amanhecer com a alegria de quem tudo recebe como dom, gratuitamente, de modo imerecido, mas sempre agradecido!

Quem bom seria aprender a viver em silêncio ou desde o silêncio para poder escutar as verdadeiras maravilhas que à nossa volta sucedem todos os dias e a cada momento, basta estar atento e, por que não dizer “abrir o ouvido do coração” e escutar, escutar…

Que bom seria apreender num sorvo de gratidão a beleza escondida em cada situação, e num abrir e fechar de olhos compreender que o Criador nos presenteia com o sol, a chuva, a neblina ou a brisa refrescante e, não poucas vezes nos sacode da nossa surdez com um vento forte, abanando-nos para que acordemos… se calhar faz lembrar aquela criança que pela manhã vai acordar os pais, abana-os para conseguir a sua atenção, para se sentir escutada… 

Estou para aqui a deixar voar o meu pensamento, olho para trás e vislumbro o Acontecimento a Semana Maior, a Semana Santa, de modo muito especial, o Tríduo Pascal, e permaneço mais uma vez em silêncio… e, dou-me conta que o silêncio fala, fala mais alto e interpela. “Se Eu, que sou Mestre e Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo, para que, assim como Eu fiz, vós façais também”(Jo 13, 1-15).

Como não escutar como quem se senta, como não escutar como discípulo? Senão que poderemos dizer? Que poderei dizer? Eis o exemplo! Como podemos fazer?!

Sim, porque falar em nome de Alguém, em nome de Outro, convida-nos à escuta, senão falaremos, se calhar muito, mas do não escutado.

Silêncio quanto dizes!

Que bom seria se cada manhã pudesse sentar-me à escuta! 

Pois…. É verdade, falta-nos tempo, a nossa vida é feita de correrias, de pressas, de azáfama… mas no meio de todos os afazeres, que bom seria, aprendermos a silenciar os ruídos e deixar que ecoe dentro de nós Aquela Voz que um dia chamou por nós, disse o nosso nome. 

Hoje é tempo oportuno para começar, não importa se nunca o fizemos. Hoje é possível, basta tentar, um pouco cada novo dia e, certamente chegará um tempo no qual não seremos capazes de dar início ao dia que nos é oferecido sem nos sentarmos à escuta e procurarmos vivê-lo de acordo ao escutado, ao experimentado. 

Chegará um dia em que podemos dizer do fundo do coração: silêncio quanto dizes! Até lá um desafio: cada dia sentar-nos sem fazer nada, simplesmente recebendo a graça do novo dia e permanecer à escuta… pouco a pouco podemos ir procurando Aquela Palavra, que em cada dia nos é dada, e começarmos por ler devagarinho e depois ir saboreando em silêncio… então, não poucos de nós, nos surpreenderemos. A Palavra é sempre nova e traz em si a novidade primordial… basta fazer a experiência de nos deixarmos encontrar por ela e, qual discípulo ficarmos à escuta… Então, poderemos balbuciar: Silêncio quanto dizes!