Entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Santuário de Nossa Senhora da Peneda, em Arcos de Valdevez, recebeu mais de 50 mil peregrinos. No entanto, é entre os dias 31 de agosto e 8 de setembro que se vive mais intensamente “o ambiente de montanha, espiritual e religioso”, em pleno Parque Nacional da Peneda Gerês, com a realização da Romaria da Nossa Senhora da Peneda.
Apesar do número avançado pelos responsáveis do Santuário contabilizar apenas as pessoas que entraram na igreja, “muitos são os que percorrem as outras partes do Santuário e não entram no edifício” e, por isso, “acredita-se que o número pode ascender significativamente”. “Muitos são os romeiros da Diocese de Viana do Castelo, Arquidiocese de Braga, Diocese de Vila Real (Montalegre), Diocese de Tui-Vigo e Diocese de Ourense, estas últimas na Galiza, que visitam o local no decorrer da romaria, e durante todo o ano, de forma especial, no verão”, acrescenta a nota, destacando “uma das grandes romarias do Alto Minho”. “Não há festa como esta. É uma festa religiosa e popular com celebrações litúrgicas e a espontaneidade do povo para a dança e o canto”, afirmou o capelão, Pe. César Maciel.
Com o passar dos anos, a participação na romaria vai variando. Enquanto que uns comentam que “está morta”, outros asseguram que “o maior movimento” acontece na noite do dia 6 para 7 de setembro com as concertinas. Ainda assim, o dia maior decorre no dia 8 de setembro com celebração da Eucarística da Festa da Natividade de Maria, que será presidida pelo Bispo D. João Lavrador.
São nove dias de festa. Segundo o capelão, tocam-se diferentes dimensões do espaço do Santuário com a realização da Via Sacra, a procissão com o rosário, que é uma tradição “muito antiga”, a celebração da eucaristia, laudes, vésperas e completas, e adoração ao Santíssimo. Este ano, a organização procurou “dar-lhe mais uma tónica num dos dias ligado mais à juventude”. “O caminho terá de ser por aí, envolvendo os jovens para que possam conhecer todo o ambiente que aqui se pode viver”, considerou o Pe. César Maciel, reconhecendo que o número de pessoas na igreja é cada vez menor devido ao aumento de funerais. “Não creio que haja necessariamente um afastamento. O que existe de facto é um envelhecimento da população geral. Contudo, as pessoas continuam a ter uma ligação afetiva e efetiva ao Santuário. Elas vêm cá. Porventura, nós ainda não descobrimos o que as pessoas precisam e a forma como chegar até elas”, argumentou, sublinhando a importância do acolhimento e orientação “no sentido da espiritualidade e da fé”. “É um percurso que, enquanto Santuário, Diocese e Clero, precisa-se de compreender. Quanto melhor estiverem os santuários, como lugar de encontro de pessoas, melhor estarão as paróquias e todas as dimensões da pastoral da Diocese”, vincou.
“Será uma experiência boa e engraçada para todos”
Marta Miranda (Serreleis), Lara Gonçalves (São Salvador da Torre) e Mónica Brandão (Vila Mou) são três dos cerca de 20 jovens, que foram convidados pelo pároco, Pe. Tiago Rodrigues, a participar na iniciativa “Peneda Jovem”. Muito embora seja a primeira edição oficial, as jovens já tinham vindo até à Senhora da Peneda, o ano passado, para um reencontro após a participação na Jornada Mundial da Juventude. “Aceitamos o convite para convivermos uns com os outros”, disse Marta, garantindo que gostaram da primeira experiência e quiseram repetir. “Isto é um encontro informal entre grupos de jovens”, acrescentou Mónica, referindo que o programa inclui uma caminhada e uma Oração Taizé. “As expectativas são muito positivas e, certamente, será uma experiência boa e engraçada para todos”, assegurou Lara.
Para além destes grupos de jovens da Diocese de Viana do Castelo, participaram ainda cerca de 15 jovens da Arquidiocese de Braga (Arciprestado de Cabeceiras de Basto).
“Isto é muito bonito”
O dia 5 de setembro é dedicado aos galegos. No programa, está incluída uma celebração em castelhano que, desde há alguns anos, é presidida pelo Pe. Hildebrando Gaviria, de Baltar (Espanha). “É interessante que o Santuário esteja num lugar onde parece não haver nada e o que me traz aqui não é porque Senhora da Peneda me traga ago de diferente, mas a fé que chega de lugares diferentes. é a mesma fé e, por isso, faço-me peregrino para percorrer lugares como este”, afirmou.
A ligação religiosa dos galegos à Senhora da Peneda, de acordo com o Pe. César Maciel, remonta ao séc. XVI porque, nessa altura, aquele lugar pertencia à Diocese espanhola. “Atraia-os pela proximidade e pela estranheza de ter uma imagem tão pequenina e um Santuário tão grande porque as imagens deles são muito maiores e, por ventura, os santuários mais pequenos”, acrescentou o capelão, explicando que o dia 5 é dedicado aos galegos porque, tinham de regressar às suas terras até dia 8 porque, nesse mesmo dia, também tinham a sua romaria.
“Já venho há mais de 40 anos até à Senhora da Peneda porque sempre tive uma grande devoção”, contou uma senhora espanhola que estava acompanhada pelo marido e um casal amigo que estava a visitar o Santuário pela primeira vez. “Isto é muito bonito”, salientou o casal. “Comecei por vir com os pais de autocarro e, mais tarde, de carro”, confidenciou a espanhola, recordando um ditado galego e a ligação entre a senhora da Peneda, a Senhora dos Remédios e a Senhora dos Milagres.
O Pe. César referiu ainda que vinham “muitas pessoas a pé tanto de aldeias portuguesas como espanholas”. Mais tarde, com a estrada, aumentaram as excursões de autocarro e, mais tarde, de carro particular. “Os ritmos que se viviam no Santuário alteraram-se. Além disso, temos de ter atenção à desertificação que ocorre em todo o Alto Minho, de um modo especial, nas fraldas desta serra e que, naturalmente, se repercute na romaria”, apontou, exemplificando que “os espanhóis organizam-se muito mais em autocarros porque mantém esse hábito para irem às suas romarias até porque eles vivem muito mais esta questão da religiosidade popular”.
“Existe uma necessidade absoluta de o fazermos”
Coincidência ou não, um dos grandes contributos foi feito por José Alonso que permitiu a recuperação de todas as capelas e escadório entre 2008 e 2014 em memória do seu pai e família, onde se faz a Via Sacra. “Ele é de uma aldeia daqui de perto. Era uma festa especial para eles porque vinham cá em família e, por isso, quis fazer uma oferta significativa para o restauro desses espaços”, justificou o capelão, dando nota que estão a promover uma campanha de angariação de fundos para recuperar o escadório principal na sequência da classificação do Santuário a Monumento Nacional. “Nesse processo de classificação, identificamos quais as lacunas, a nível patrimoniais, de todo o edificado. Tivemos que definir áreas de intervenção e, numa primeira fase, que vai decorrer depois da romaria, serão feitos os arranjos dos acessos do estacionamento. A segunda fase centra-se no escadório das virtudes e estende-se ao nível do Santuário propriamente dito, com exceção de elementos de talha e recheio artístico”, enumerou, acrescentando que também haverá uma intervenção “de fundo” no queimador das velas e na casa de banho junto ao templo “para que toda área envolvente possa ter outra dignidade e outro brilho”.
O capelão adiantou ainda que pretendem candidatar-se a fundos comunitários até ao final do ano, mostrando-se “convicto” de que serão selecionados. “Fora isso, faltam 150 mil euros e é esse o objetivo desta campanha que iniciamos focada no escadório das Virtudes porque, quem vem aqui, apercebe-se que existe uma necessidade absoluta de o fazermos, mas tudo isto está integrado no projeto maior que esperamos que, para o ano, possa ir para o terreno”, referiu.
“A festa continua praticamente igual desde a primeira vez que lá fui”
Aliada à componente religiosa, há ainda a componente popular. “As pessoas juntam-se e organizam-se no terreiro para fazer a festa. A única coisa que quisemos fazer, para criar uma ligação com o Santuário e aquilo que é popular, foi a celebração com a bênção das concertinas, fazendo compreender que, ao estarmos no Santuário, quer venhamos rezar ou dançar, é a pessoa toda que conta toda para Deus”, disse Pe. César Maciel, assegurando que têm acrescentando mais elementos culturais para “abrir o Santuário e o espaço a outras perspetivas”, mas “o que se vive aqui é o que de mais popular e autêntico do povo minhoto há”. “Ninguém passa por aqui perto, sem vir até ao Santuário”, vincou, referindo-se à noite de encontro de concertinas: “Esperamos ver mais concertinas do que o ano passado. Aqui, juntam-se grupos a tocar e a dançar diferentes músicas. Toda a gente é bem-vinda, desde quem não sabe ao mais experiente. Toda a gente faz parte da mesma roda. Uma união perfeita”.
António Lopes é da Areosa e há mais de 50 anos que vai até à Senhora da Peneda, na noite de 6 para 7 de setembro. Toca concertina e é um grande admirador de folclore. No entanto e apesar de levar a sua concertina, uma vez ou outra, nunca tocou. Só contemplou. “A festa continua praticamente igual desde a primeira vez que lá fui. A única diferença é que, quem aparece lá, pela sua forma de estar e como se veste, e muito embora muita gente seja da aldeia, não quer dizer que haja muita ruralidade como naquela altura”, apontou, destacando que a Cana Verde ainda é dançada “exatamente” como naquela altura. “As músicas são as mesmas, as castanholas são as mesmas… só as concertinas é que são mais modernas. Quem por ali passa, mesmo ainda longe do terreiro, consegue ouvir o som das castanholas. E, quem se aproxima sabe a diferença entre as concertinas”, notou, afirmando: “Durante toda a noite, aquela gente dança a Cana Verde. Cada um à sua maneira, mas não se diferenciam da essência. É uma noite única. Aquilo é muito bonito de se ver. É extraordinário”.
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