Estaremos mesmo a alinhavar a mais interessante versão da nossa vida?
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Interessante. Ou deslumbrante. Ou ainda memorável. Mais do que a propriedade, a pergunta: que tempo dedicaremos a pensar sobre a nossa experiência de vida? Sentido. Propósito. Florescência. Profundidade. Adentrar a grandiosidade da vida pode comparar-se a reparar no infinito do céu, portanto, salvar um dia de cada vez pode ser (milagrosamente) um procedimento mais praticável: orientar a nossa energia e ação para a oportunidade que temos em mãos – as horas de hoje. A prescrição será fazermos uso da criatividade para compor intencionalmente um plano que future cuidar de nós e dos outros, celebrar as relações positivas e apostar em avanços (mesmo que tão abreviados) que nos possam ajudar a florescer – como um guião cinematográfico, um conto literário ou um bailado, importa criar uma narrativa sobre o que nos acontece, em que podemos destinar o andamento da história (nesta contemplação ambivalente entre a beleza e a tragédia) para a redenção e harmonia. Até no mais inesperado rasgo de cimento pode rebentar uma delicada flor. Um especialista em relações humanas levanta a suposição: a primeira e grande função de cada um em si é alinhavar a mais interessante versão da nossa vida. Claro que não somos apenas nós e os desejos na nossa cabeça-coração: depois de toda a disposição biológica, entre genética e fisiologia, temos as circunstâncias – o chão por onde temos andado, com todos os sedimentos familiares, sociais e culturais, assume uma influência de tamanho grande neste nosso processo de florescência. Sabemos já que a vida é este estado de flutuação entre prazer e sofrimento, euforia e tédio, glória e ruína, amor e desapego, e a estabilidade pode ser encontrada na forma como decidimos (leia-se aprendemos) encarar esta inconstância e incerteza, sem tentar escapar ao que nos é desconfortável e a incentivar a ampliação do que nos é indispensável. Viver o presente aligeira a carga do passado e do futuro. Temos as memórias, claro. Triunfos. Amores. Perdas. Fatalidades. Temos, também, os sonhos. Ideias. Aspirações. Promessas. Utopias. E temos a morte. A morte, tão inseparável da vida, engrandece a preciosidade de cada tempo e inflama o impulso de fabricarmos um sentido para o que estamos a viver. E a ciência tem-nos dito que a felicidade não é sinónimo de sucesso, nem sucesso sinónimo de dinheiro, e o que nos faz criaturas mais afortunadas (e aprofundadas) tende a ser a relação com os outros e com a pessoa que somos e a história que estamos a contar, num balanço entre os imperativos da biologia humana e as nossas tentativas de humanização. Humanizar o nosso tempo. Humanizar a nossa experiência. Tocar a transcendência até nos momentos mais simples deste dia. Abrandar. Apreciar. Dividir. Melhorar. Salvar. Sentirmo-nos ligados, uns e outros, e soprados pela vontade de tornar a nossa existência uma prática sublime (apesar do imprevisível e do inevitável). Agostinho da Silva terá apontado: quando acabássemos, dever-se-ia dizer morreu um poema.
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Uma notícia recente avisa que, em Portugal, serão vendidas 33 mil embalagens de antidepressivos por dia. Temos, também, o número mais elevado da OCDE em consumo de ansiolíticos. Estima-se, ainda, que seremos o segundo país da Europa com prevalência mais elevada de doença mental (1 em cada 5 portugueses), assim como o primeiro da União Europeia em risco de burnout e com uma das mais elevadas taxas de depressão. Levanta-se, portanto, esta urgência de cuidarmos de nós e dos outros (e sublinhar – continuamente – aos nossos e a quem governa, a necessidade de criarmos condições mais favoráveis ao florescimento humano).
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PRÁTICA
– alinhavar a versão mais interessante da nossa experiência de vida (analisar vulnerabilidades/potencialidades e ter um plano de melhoria)
– desacelerar o tempo num mundo apressado (estar plenamente no momento de agora, sem transportar a carga do passado e do futuro)
– apreciar os instantes de beleza (e procurar sentido para os de sofrimento)
– investir na nossa rede de relações positivas (lembrar que somos um bicho programado para viver em grupo)
– reduzir a carga de stresse diário (ter o autocuidado na lista de prioridades)
Floresçamos. Juntos.
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