A aproximadamente vinte quilómetros do aglomerado urbano mais próximo, o Mosteiro de S. João d´Arga transfigura-se entre 28 e 29 de agosto. Quem de lá se aproxima, vê uma estrada reduzida a um simples sentido, esbarra com a avalanche de peregrinos, que impede a velocidade normal do carro, e vê a música dentro do automóvel esmagada pelo som dos altifalantes.
Diante de cada um está outra mentalidade, um outro estilo de vida. O conforto é reduzido ao mínimo indispensável e, a certa altura da noite, andar simplesmente 100 m pode parece uma eternidade. No meio das conversas, das danças ou das rusgas que chegam, abre-se espaço para a passagem da procissão e o silêncio impera, para acompanhar as bandas que a finalizam; a seguir, será tempo para as 3 voltas à capela, sempre em silêncio, e para a romagem à imagem de S. João, tocando nela com uma cruz, como que entregando a S. João a vida que, durante aquele ano, foi decorrendo. Entretanto, o cheiro a incenso mistura-se com os dos cozinhados, que o tempo e o fogo vão apurando. Ao longe, penedos, pinheiros e sobreiros ancestrais observam os peregrinos. É uma romaria paradoxal: festeja-se o martírio de um inocente. Um olhar distante vê mais depressa, nesta festa, a hipocrisia e a ostentação do banquete de Herodes, que o silêncio e o recolhimento da cela de João. Porém, uma observação refinada e atenta percebe que, aqui, ocorre o oposto; o motivo do festejo é diferente: juntamo-nos porque não temos medo de viver uma vida de Ressuscitados.
Pe. Paulo Emanuel, 39 anos, Pároco de S. João d´Arga, responde às questões do Notícias de Viana sobre a Romaria, agora qualificada como uma das 7 Maravilhas da Cultura Popular. (itálico?)
O que destaca na Romaria de S. João d’Arga?
Creio que podemos sintetizar a Romaria de São João d’Arga como uma festa verdadeiramente humana, tal qual Jesus Cristo. Desde os romeiros que se deslocam através da forma mais rudimentar, que é caminhar, passando pela espontaneidade das cantigas e das danças. Nada está programado e não existem adornos. A natureza severa da Serra impede que isso aconteça. Aliás, participar nesta Romaria é recuar ao homem ancestral, é perceber que não precisamos de muitas coisas para viver, é deixar de viver como turista, para passar a ser peregrino.
O que significa ser uma das 7 Maravilhas da Cultura Popular?
Antes de mais, é perceber que na base da fé está o culto/cultura popular. Em S. João d’Arga sentimos de verdade o que significa a lex orandi, lex credendi, ou seja, aquilo que se reza é aquilo em que se acredita, e o que se acredita é aquilo que se vive. Por outro lado, talvez seja preciso esclarecer que não entrámos no concurso à procura de uma simples promoção mediática, nem a julgar que esta é “a Romaria”. Entrámos em concurso porque julgamos que seria um meio possível para que outras pessoas possam partilhar connosco esta experiência. Isso é muito importante para nós. Não queremos que, agora, S. João d’Arga se torne um “parque de diversões” do religioso. Queremos é que outros possam ser irmãos connosco. Este talvez seja o grande desafio daqui para a frente.
Como é que viveram a Romaria este ano?
Tivemos que reduzir a experiência da Romaria à Eucaristia. Não o fizemos por um mero puritanismo, pensando que só isso tem importância e que o resto é acessório. De facto, é na Eucaristia que a alegria nasce e se entrega, mas na Romaria de São João d’Arga tudo ajuda à vivência de fé, tal qual na nossa vida. É como já fiz referência: trata-se de uma festa verdadeiramente humana, e, de facto, não podemos viver uma relação com Deus de uma forma autêntica em compartimentos, mas integrada em todas as dimensões. Mas, apesar das circunstâncias, permitiu-nos, por exemplo, ter uma noção diferente do espaço natural que nos envolve, valorizar mais o silêncio e acompanhar mais de perto os peregrinos, porque, com as multidões que todos os anos chegam, isso é impossível.
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